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Ex-guarda expõe atrocidades do regime da Coreia do Norte

Ahn Myeong Cheol tornou-se ativista dos direitos humanos - ONU
Ahn Myeong Cheol tornou-se ativista dos direitos humanos Imagem: ONU

01/12/2014 16h10

Ahn Myeong Cheol trabalhou como guarda em prisões políticas até fugir, 20 anos atrás. Como testemunha interna, ele trabalha para que a situação dos direitos humanos na Coreia do Norte seja levada à Corte Penal em Haia.

"Prisioneiro não é gente." Essa frase era incessantemente martelada em Ahn Myeong Cheol e nos demais guardas dos notórios campos de prisioneiros políticos da Coreia do Norte. Durante oito anos ele trabalhou em diversos campos, até de trocar de lado – em mais de um sentido.

Em 1994, Ahn fugiu de sua terra natal, passando a viver na Coreia do Sul. E faz algo que, no Norte, lhe valeria uma sentença de morte sumária: ele relata sobre o que se passa nos campos de prisioneiros, longe dos olhos da comunidade internacional. Essa é a sua maneira de se engajar por uma melhoria dos direitos humanos em sua terra natal.

Enquanto, em Nova York, a Organização das Nações Unidas toma medidas para levar a liderança norte-coreana à Corte Penal Internacional, devido à catastrófica situação dos direitos humanos no país, Ahn foi convidado pelo a Genebra Conselho de Direitos Humanos da ONU, para falar sobre suas vivências sob o regime.

Mesmo que não haja como comprovar sua veracidade, a história de Ahn Myeong Cheol é um entre cerca de 300 testemunhos que uma comissão da ONU reuniu e, no início de 2014, publicou em relatório. Esse documento é a base para um possível inquérito penal em Haia, sobre as violações dos direitos humanos e crimes contra a humanidade na Coreia do Norte.

Prisioneiro das próprias lembranças

Para a ONU, Ahn Myeong Cheol é uma fonte importante, pois não fala da posição de ex-prisioneiro, como a maioria das testemunhas, e sim como alguém que foi parte do brutal sistema. Em entrevista à DW, conta que não escolheu sua profissão, mas sim foi "recrutado pelo regime". Após concluir o estudo secundário e o serviço militar, com apenas 18 anos, foi designado guarda de um campo de prisioneiros políticos, onde as regras eram extremamente rígidas.

"Éramos instruídos para atirar em qualquer um que arriscasse uma tentativa de fuga ou outro tipo de revolta. Também nos doutrinavam para que, no caso de um colapso do regime, nós destruíssemos qualquer indício da existência de um campo penal." Apesar dos muitos relatos de testemunhas e de numerosas imagens de satélite, a liderança norte-coreana nega peremptoriamente que tais campos existam.

Ele admite ter usado às vezes de violência contra os prisioneiros, espancando-os. Nunca matou ninguém, "mas vi outros guardas matarem prisioneiros" – uma declaração que tampouco pode ser verificada. Ahn diz sentir-se culpado pelo que fez. "Violei os direitos humanos dos prisioneiros. Agora quero fazer tudo para retirá-los desses terríveis campos. Por isso estou me engajando como ativista dos direitos humanos."

Já faz 20 anos que Ahn iniciou uma vida nova em Seul, mas as imagens de seu passado continuam a assombrá-lo. Como a história de uma mulher. "Quando trabalhava no Campo 22, fiquei sabendo que ela tinha sido estuprada pelo meu superior. Mas quem foi acusado de má conduta sexual não foi ele, e sim ela. Como castigo, a mandaram para uma mina de carvão, para trabalho físico pesado. Lá, teve um acidente e perdeu as duas pernas. Ela sobreviveu. Se ainda está viva hoje, não sei. Espero que sim."

O destino da prisioneira o tocou de perto, conta Ahn. "Tive compaixão por ela." Compaixão, num lugar onde, na verdade, tais sentimentos não existem, não podem existir.

Fuga improvável

No fim das contas, é um evento externo que o leva a fugir da Coreia do Norte, depois de servir oito anos em diferentes prisões. Um dia, seu pai ousa fazer uma observação crítica ao governo, diante de testemunhas. Com esse delito capital, ele também coloca em perigo de vida toda a família.

Segundo a lei norte-coreana, os familiares de alguém acusado por um crime são automaticamente considerados corresponsáveis. Como no conceito de Sippenhaftda Alemanha nazista, a argumentação é que em suas veias corre o sangue do criminoso.

O pai se vê numa situação sem saída e decide pôr fim à própria vida. A mãe, irmã e irmão são enviados para um campo penal, e também Ahn tinha motivos para contar que se transformaria de guarda em presidiário. E ninguém melhor do que ele sabia o que o esperava na prisão.

Para escapar a tal destino, resolve partir para a ofensiva. Fala com seus superiores sobre o pai, tenta convencê-los de que o considera um traidor, de que nada tem a ver com suas declarações. "Mas não adiantou muito. O Partido me colocou sob observação e vigilância."

Ahn fica aguardando uma oportunidade para escapar. "Num dia em que a vigilância estava um tanto relaxada, peguei dois revólveres e fugi." Junto com dois prisioneiros, parte de carro, sem levantar maiores suspeitas.

Os fugitivos chegam até o Rio Tumen: na margem oposta está a China. Os dois prisioneiros ficam com medo e desistem da fuga, Ahn não sabe o que aconteceu com eles. Ele próprio atravessa a corrente, deixando a Coreia do Norte para sempre. Com a ajuda de um conhecido chinês de origem coreana, consegue chegar a Seul. E decide, então, contar sobre o que vira e vivera.

Missão perigosa

Para a liderança da Coreia do Norte, Ahn Myeong Cheol é uma pedra no sapato. Ele sabe disso, tem medo e recebe ameaças frequentes por revelar publicamente segredos de Estado bem guardados por Pyongyang. Mesmo assim, ele prossegue: é algo que deve aos prisioneiros.

Ahn observa com preocupação os acontecimentos dos últimos anos em seu país. "Desde que Kim Jong-un assumiu o poder, a situação dos direitos humanos se deteriorou ainda mais. Ele mandou executar até mesmo Jang Song Thaek, seu próprio tio. Uma coisa dessas jamais aconteceu sob Kim Jong Il, nem sob Kim Il Sung". Com a ordem para que os guardas de fronteira atirem imediatamente nos fugitivos, o número de refugiados da Coreia do Norte caiu.

Ele espera que um dia a liderança em Pyongyang tenha que responder juridicamente por suas violações dos direitos humanos. Um passo importante nesse sentido foi dado em 18 de novembro, quando o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou uma proposta de resolução, submetida pela União Europeia e o Japão, para que a Coreia do Norte seja levada à a Corte Penal Internacional de Haia.

No total, 111 Estados-membros votaram a favor, 19 contra – incluindo a China e a Rússia – e 55 se abstiveram. Em seguida, numa votação que é considerada mera formalidade, a Assembleia Geral da ONU decidirá se o caso deve ser submetido ao Conselho de Segurança, único órgão com o poder de submetê-lo à Corte Penal Internacional.

Entretanto, possivelmente o encaminhamento ao Conselho de Segurança será o ponto final para a resolução. A Rússia e a China são membros permanentes do grêmio, e é muito provável que Pequim, grande aliado do regime comunista internacionalmente isolado, se coloque como defensor de Pyongyang, vetando a resolução.