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Coronavírus lota hospitais e gera colapso funerário em Belém

22.abr.2020 - População de Belém lota a Policlínica Metropolitana - Raimundo Paccó / Estadão Conteúdo
22.abr.2020 - População de Belém lota a Policlínica Metropolitana Imagem: Raimundo Paccó / Estadão Conteúdo

Nádia Pontes

29/04/2020 06h46

Apesar de números oficiais indicarem apenas 85 mortes por coronavírus, moradores da capital do Pará precisam esperar horas para recolhimento de corpos. Para a Defensoria Pública, a situação revela a subnotificação de casos.

Isolado na emissora de rádio onde trabalha em Belém, Angelo da Costa Tupinambá fala com um pouco de dificuldade. Entre uma pausa e outra, que faz para recuperar o fôlego, ele conta por telefone à DW Brasil que tem sofrido com falta de ar e perda de olfato, sintomas associados à covid-19.

"Estou evitando ao máximo sair daqui para ir a uma unidade básica de saúde diante do caos generalizado no sistema", conta Tupinambá, de 39 anos. "Está tudo lotado, algumas unidades nem atendem mais".

Os sintomas apareceram depois que Tupinambá permaneceu ao lado do sogro, de 69 anos, que estava doente. Após várias idas ao hospital, ele acabou morrendo em casa, há uma semana, em decorrência de uma síndrome respiratória aguda grave. O resultado do teste para comprovar se a morte pode ter sido causada pela covid-19 ainda não ficou pronto.

Desesperada, a família teve ainda que esperar mais de 12 horas após o óbito pelo transporte do corpo pelo serviço funerário municipal, que estaria sobrecarregado.

As denúncias sobre o suposto caos funerário chegaram à Defensoria Pública Estadual do Pará. "Já houve um aumento exponencial de mortes", diz a defensora Rossana Parente Souza sobre os impactos da pandemia na capital paraense. "Os números oficiais não estão acompanhando o que está acontecendo na realidade."

Segundo a contagem oficial da prefeitura, até ontem, Belém, com 1,4 milhão de habitantes, confirmou 2.047 casos de covid-19 e 85 mortes em decorrência do novo coronavírus. Mais de 400 testes aguardam resultado.

Nos três cemitérios municipais, a movimentação, no entanto, indica um cenário mais grave. Segundo a investigação da Defensoria Pública, o Serviço de Verificação de Óbito, acionado apenas em casos de mortes não violentas, foi chamado para recolher 65 corpos de prováveis vítimas da covid-19 apenas no último domingo. Antes da pandemia, a média diária era de sete chamadas. Em cidades da região metropolitana, como Ananindeua, enterros não puderam ser feitos devido à falta de guia de sepultamento.

Com o aumento das mortes, um caminhão frigorífico, com 50 corpos, estacionado em frente ao Instituto Médico Legal (IML) já funciona como uma extensão do prédio. Segundo o contrato publicado pela prefeitura, o aluguel do veículo, de 72 mil reais mensais, se estende até novembro de 2021.

"Existe muita subnotificação", avalia Luana Pereira, defensora pública que também atua em Belém. "Estamos só no início da contaminação aqui na região e já estamos nessa situação", lamenta.

Procurada pela DW Brasil, a prefeitura de Belém não se manifestou até o fechamento da reportagem.

Caos e colapso

Do isolamento, Tupinambá pede ajuda pela internet. "Eu não fui testado, a gente ouve que não tem como fazer teste pra covid-19", diz.

Profissionais do serviço público de saúde ouvidos pela DW Brasil confirmam a escassez de exames e afirmaram que apenas pacientes internados em estado grave estão sendo testados.

"Os pronto-atendimentos estão superlotados, e não tem mais como dar suporte de ventilação mecânica para os pacientes mais graves", relata ainda uma médica que prefere não ter o nome citado na reportagem.

"A ocupação dos leitos de enfermaria e UTIs chegou a 92% não só na rede pública, mas na privada também", informa Pereira. Caso um paciente grave precise de um respirador, não há equipamento disponível, pois todos estão em uso no momento.

Um relatório oficial sobre oferta de leitos hospitalares na capital paraense e de sua região metropolitana, da qual fazem partem os municípios de Ananindeua, Benevides, Marituba e Santa Bárbara do Pará, publicado em 2012 apontou 5.654 leitos disponíveis, a maior parte (58,97%) está no Serviço Público de Saúde (SUS). Belém detém a maioria deles, 4.310 leitos.

Mais rigor no isolamento social

Depois de críticas e uma ação judicial proposta pela Defensoria Pública Estadual, a prefeitura de Belém publicou um decreto na última segunda-feira com novas regras sobre isolamento social. A medida é considerada a mais efetiva pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para prevenir o aumento do número de casos.

Os termos do decreto, porém, não são considerados satisfatórios. Entre as atividades listadas como essenciais e que podem funcionar estão, por exemplo, serviços de hotelaria. "O maior número possível de pessoas deveria ficar em casa", ressalta Pereira. "Temos que resguardar o direito da sociedade de tentar se salvar. Estamos num momento de vida ou morte", alerta a defensora.

Em todo o país, o número de vítimas da pandemia passou 5 mil, de acordo com o último balanço divulgado pelo Ministério da Saúde na terça-feira.