Sabesp: vale a pena privatizar? Berlim tentou e recuou após tarifa subir 37%

O governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), acabou de ganhar uma imagem forte para demonstrar nas eleições de 2026 o seu compromisso com a redução da máquina pública: a privatização da Sabesp, a companhia estadual de saneamento básico.

Os números são superlativos. Com 28,4 milhões de clientes em 375 municípios, a Sabesp é uma das maiores empresas do mundo do setor. A venda de 32,3% de suas ações, nesta segunda-feira (22/07), arrecadou R$ 14,8 bilhões, e a procura por ações foi superior à da privatização da Petrobras.

A polêmica também foi grande. Parte da sociedade é contra a privatização do serviço de água e esgoto, por entender que isso encareceria tarifas e que o acesso deve ser garantido pelo estado. Outra parte entende que a privatização pode ampliar os investimentos e a eficiência do setor, ampliando a cobertura.

A privatização de estatais de saneamento ganhou força com a aprovação, há quatro anos, do Marco do Saneamento, que busca elevar investimentos privados no setor e definiu a meta de levar água encanada a 99% da população e coleta de esgoto a 90% até 2033.

Um dos argumentos a favor do marco é atrair recursos para construir redes de esgoto nas regiões mais negligenciadas, que sofrem com as doenças associadas à falta de saneamento básico.

Mas esse não é o caso da Sabesp, o que fez da sua privatização um caso particular. A empresa tem ações negociadas em bolsa desde 1997, e em 2023 registrou lucro líquido de R$ 3,5 bilhões. Na sua área de cobertura, 98% da população tem abastecimento de água e 93%, coleta de esgoto. E a companhia desfruta de boa imagem entre os paulistas: uma pesquisa realizada em abril pela Quaest apontou que 52% deles eram contra a privatização, e 36%, a favor.

Qual foi o modelo de privatização da Sabesp

Tarcísio já havia comandado privatizações e concessões como ministro da Infraestrutura de Jair Bolsonaro, e na campanha a governador de 2022 prometeu privatizar a Sabesp se fosse eleito. "É uma empresa arrumada, mas empresa privada cobra tarifa mais barata de saneamento", disse à época. Um mês após assumir o Palácio dos Bandeirantes, iniciou os estudos para a privatização, e em dezembro de 2023 a Assembleia Legislativa aprovou o projeto de lei que autorizou o processo.

O governo optou por não vender completamente a Sabesp, mas transmitir sua gestão a uma acionista de referência, que terá 15% das ações, e pulverizar outros 17,3% das ações no mercado. Com isso, o estado reduz sua participação de 50,3% para 18%.

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Não houve concorrência para ser acionista de referência: apenas uma empresa manifestou interesse, a Equatorial, que tem experiência consolidada no setor de distribuição de energia. Ela pagou R$ 6,9 bilhões pelas ações, a um preço unitário de R$ 67.

No modelo adotado, o mesmo valor por ação pago pelo acionista de referência foi aplicado na venda pulverizada, que rendeu R$ 7,9 bilhões - a maior parte comprada por fundos nacionais e internacionais. O valor de R$ 67 por ação foi 18,3% menor do que o preço das ações negociadas em bolsa na última quinta-feira, quando foi confirmada a venda pulverizada.

Ao defender a privatização, o governo paulista ressaltou que ela prevê universalizar o saneamento até 2029, quatro anos antes do prazo, além de investimentos de R$ 68 bilhões na rede. O processo também destina 30% do valor líquido arrecadado com a privatização a um fundo para obras de saneamento e subsídios tarifários.

Vale a pena passar o saneamento para a iniciativa privada?

O dilema é antigo. Empresas privadas podem ter mais recursos para investir e incentivos para ampliar a eficiência, mas o objetivo maior sempre será o lucro. A depender das regras e da fiscalização do Estado, isso pode significar melhorias, como no caso das telecomunicações, ou levar a pioras e aumento dos preços.

Paulo Furquim de Azevedo, professor e coordenador do Centro de Regulação e Democracia do Insper, avalia à DW que o resultado depende da estrutura regulatória. No setor de saneamento, ele conduziu pesquisas que encontraram efeitos positivos da atuação de empresas privadas, devido a investimentos novos e à ampliação da rede de esgoto - hoje ausente em quase 40% dos domicílios do Brasil.

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Uma das pesquisas cruzou dados da concessão privada do saneamento com a taxa de ocorrência de doenças relacionadas à água, que em crianças de 1 a 5 anos costumam decorrer de falta de saneamento. O estudo isolou o efeito de outros fatores, como a melhoria da rede de saúde, e concluiu que a atuação privada no saneamento reduziu a ocorrência dessas doenças, em especial em municípios pequenos. Outra pesquisa concluiu que a rede de esgoto aumenta com a concessão à iniciativa privada.

Já no caso da Sabesp, ele afirma não ver condições para o mesmo impacto positivo, pois se trata de um "exemplo de empresa pública que já funcionava muito bem".

"Não espero que a privatização da Sabesp terá os efeitos que verificamos na média dos municípios. Não significa que vai piorar. O ponto é que ela já tinha um serviço de saneamento muito bom, então a oportunidade de ganho de uma concessão privada já se esgotou", diz. "A empresa pública já era capaz de fazer investimentos e era bem gerida, com capacidade de fazer captações de recursos."

Em outra pesquisa sobre o setor, Azevedo avaliou os incentivos políticos que levam governantes a decidirem privatizar ou conceder as empresas de saneamento. Um deles, diz, é o imenso volume de recursos que entra nos cofres públicos durante a privatização ou concessão, que em sua maioria irrigam o cofre único do estado.

No caso de São Paulo, ele aponta também o elemento ideológico. "A plataforma que venceu a preferência da sociedade na última eleição foi mais privatizante, voltada à redução do papel do Estado, e isso se reflete na agenda do governo", diz.

Críticas ao processo e receio de piora do serviço

A privatização da Sabesp recebeu oposição de seus funcionários e de algumas entidades civis e partidos. Francisca Adalgisa, diretora-presidente da Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp e membra do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), afirma à DW que não havia "nenhuma justificativa" para a mudança de controle acionário.

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Ela cita que a empresa é lucrativa e já cumpriu as metas de universalização em mais de 300 municípios. Os locais ainda não atendidos, diz, são aqueles com mais dificuldade de acesso, mas ela projeta que no ritmo atual de investimento a universalização seria alcançada em 2033 "sem afogadilho".

Para Adalgisa, a meta de universalizar o atendimento até 2029, citada pelo governo Tarcísio, é uma "promessa falsa", pois não haveria projetos nem empresas de engenharia disponíveis capazes de concluir essas obras no prazo. Ela prevê queda de qualidade no atendimento, como resultado da provável terceirização de atividades que virá na gestão privada. "Demora para você treinar um funcionário para fazer um bom trabalho, há um turnover [rotatividade de pessoal] muito alto se você terceiriza, os salários são muito baixos", diz.

Ela também critica o processo de privatização, que resultou em apenas uma proposta de acionista de referência, e que segundo ela foi conduzido de forma acelerada e direcionada. "O governo correu com a teoria do fato consumado. Quando cair a ficha na população, o acionista já botou a pessoa na cadeira", diz. A Ondas e o PT moveram ações na Justiça para tentar barrar o processo, sem sucesso. Na sexta-feira, o ministro Luis Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), negou uma liminar a respeito.

Em Berlim, privatização e reestatização

Em algumas cidades do mundo, a experiência de privatizar o serviço de saneamento deixou a população insatisfeita. Segundo uma pesquisa do Transational Institute, 364 delas decidiram reverter privatizações de saneamento desde a virada do século - entre eles, Paris e Berlim.

Na capital alemã, a empresa de água e esgoto - Berliner Wasserbetriebe (BWB) - foi parcialmente privatizada em 1999. O governo vendeu 49,9% de suas ações a duas gigantes do setor, a alemã RWE e a francesa Vivendi, que assumiram a gestão. Treze anos depois, após pressão social, o poder público comprou de volta as ações.

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À frente da mobilização civil estava a organização Berliner Wassertisch, que organizou um referendo em 2011 - o primeiro da história da cidade - no qual a maioria dos votantes optou para que os contratos da privatização, então secretos, fossem tornados públicos.

Karl Goebler, membro da Berliner Wassertisch e cofundador do Berliner Wasserrat, relata à DW que a decisão pela parceria público-privada no saneamento ocorreu em um momento de crise fiscal do governo, que buscava recursos extras, e de entusiasmo mundial com as políticas neoliberais, que valorizam a privatização e a desregulação.

Os berlinenses, porém, desaprovaram a experiência. Goebler relata que a tarifa subiu 37% durante o período da privatização, "fazendo com que o preço da água em Berlim fosse o maior entre as cidades alemãs". Ele cita também que os contratos secretos semearam desconfiança na população e que, uma vez tornado públicos, mostraram que garantiam lucro mínimo de 8% para os investidores privados - coberto pelo governo se não fosse obtido por meio das tarifas.

Em 2012, o governo comprou de volta as ações da RWE e em 2013, as da Vivendi. Com a reestatização, diz Goebler, "os preços se estabilizaram e em alguns casos, caíram". "O controle público levou a maior transparência e abriu-se espaço para investimentos mais de longo termo."

Por outro lado, ele cita que a recompra das ações representou um gasto significativo para o governo, que teve de fazer empréstimos para isso, e que a transição da gestão privada para a pública trouxe "desafios burocráticos" para reconverter a estrutura corporativa de volta para o regime estatal.

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