Como um hospital de SP se tornou exemplo em transplante de órgãos
Como um hospital de SP se tornou exemplo em transplante de órgãos - Taxa de aceitação de doação de órgãos em hospital do interior chega a 75%, bem acima da média nacional de 55%. Estratégia para melhorar índice passou por treinamento de funcionários e campanhas de conscientização."Ter uma parte do meu irmão vivo e poder ajudar. Ele se foi, mas deu vida e uma nova chance para outras pessoas."
A frase é da gerente de Recursos Humanos, Estela Athaydes Martins, que em um momento de dor vivido pela família com a morte do irmão Sadraque Muni Martins, de 24 anos, disse "sim" aos médicos quando a família foi abordada sobre a possibilidade de doação dos órgãos do jovem. Apesar de Sadraque nunca ter falado sobre o assunto, o acolhimento da equipe médica foi fundamental para a ação.
"É um momento em que a gente não consegue pensar sozinho e precisa de ajuda. O desespero era muito grande porque foi tudo de repente", conta Estela.
O rapaz teve morte encefálica após permanecer por quase uma semana internado depois de ser atropelado. Com a autorização da família, coração, fígado, rins e córneas foram doados. "Tivemos acompanhamento com psicóloga e todo suporte da equipe médica. Eles nos mantinham informados sobre tudo que estava acontecendo, sobre o tempo que demoraria para a retirada dos órgãos e sobre a liberação do corpo", acrescenta a irmã.
Acolhimento e sensibilização
O acolhimento de familiares e a sensibilização sobre o procedimento de doação de órgãos têm sido algumas das estratégias adotadas por profissionais do Hospital de Base, em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, para aumentar o número de famílias que autorizam a doação de órgãos.
A capacitação de enfermeiros, médicos e psicólogos da instituição com foco nessa abordagem humanizada começou em 2011 com a criação da Unidade de Transplantes de Órgãos e Tecidos do HB de Rio Preto e do departamento de Organização de Procura de Órgãos (OPO).
"É preciso entender as fases do luto e comunicar sobre o falecimento desse familiar com acolhimento. Para isso, os profissionais responsáveis por esse trabalho passam por treinamento para lidar com as famílias nessa fase crítica. Somente depois desse acolhimento é que falamos sobre a possibilidade da doação de órgãos", explica João Fernando Picollo, médico nefrologista e coordenador da Organização de Procura de Órgãos (OPO).
Além da equipe do próprio hospital, o treinamento também é oferecido a profissionais de saúde de outros hospitais da região noroeste do estado de São Paulo. Isso porque, esses hospitais podem fazer esse primeiro acolhimento à família e também realizar a abordagem para a doação de córneas – que pode ser realizada em qualquer tipo de morte, não apenas na encefálica como nos demais órgãos.
"É importante que os profissionais façam o diagnóstico de morte encefálica bem conduzido. Os profissionais precisam também saber explicar sobre como acontece a captação do órgão e tirar todas as dúvidas dos familiares, passando mais segurança a eles sobre o procedimento de doação", acrescenta Picollo.
O Curso de Comunicação em Situações Críticas e de Determinação em Morte Encefálica (CDME), como é chamado o treinamento, fornece aos participantes as habilidades técnicas, éticas e jurídicas necessárias para realizar o diagnóstico de morte encefálica, orientação sobre a melhor maneira de lidar com o luto e abordar questões como a comunicação de más notícias, além do processo de solicitação de doação de órgãos.
O treinamento é feito duas vezes ao ano e também há simpósios para que os profissionais estejam constantemente se atualizando sobre o tema.
Trabalho também é feito fora do hospital
Como parte das ações de conscientização sobre transplante de órgãos e captação de doadores, o Hospital de Base também realiza ações com a comunidade fora do hospital. Palestras e campanhas sobre a importância de conversarem com os familiares sobre a doação de órgãos são realizadas todos os anos em praças e shoppings da cidade com foco na população em geral.
Essas ações são acompanhadas de testes de glicemia, aferição da pressão arterial e teste de tipagem sanguínea, com incentivos para doação de sangue, uma vez que para receber um órgão o receptor necessita ser compatível com o sangue do doador.
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Quero receberOutra ação é voltada aos alunos de 14 a 17 anos de escolas da cidade. Durante um semestre, eles têm aulas com médicos do HB que explicam e tiram dúvidas sobre o tema. Ao final do curso, os alunos fazem uma visita ao hospital para conhecer o departamento de captação de órgãos e transplantes.
"É preciso difundir a cultura da doação de órgãos junto à sociedade e essas são maneiras de levarmos conhecimento e informação. Quanto mais as pessoas estão familiarizadas com o assunto, aumenta essa vontade de ser doador e quando a família sabe dessa vontade, o processo de abordagem é muito mais simples", acrescenta Picollo.
Crescimento de mais de 100% em uma década
O número de transplantes realizados no Hospital de Base após a implementação dos treinamentos cresceu 108%, tornando o hospital referência em transplantes de órgãos e tecidos.
No período de janeiro a dezembro de 2013, o HB realizou 199 transplantes. Em 2023, esse número passou para 414. Dos 3.456 procedimentos feitos na última década no hospital, o transplante de medula óssea foi o de maior número com 1.175 procedimentos. Em segundo e terceiro lugar, aparece o de rim (1.122) e o de córnea (562), respectivamente.
A região de São José do Rio Preto registra ainda 45 doadores de órgãos por milhão de habitantes, índice muito próximo ao da Espanha, referência para o mundo, com 49 doadores por milhão.
O número também é superior ao registrado no restante do estado de São Paulo, que tem a média de 24 doadores por milhão, e do registrado no Brasil que é de 19,9 doadores por milhão de habitantes, segundo o Registro Brasileiro de Transplantes.
Atualmente, no país, a taxa de autorização das famílias é 55% e na região de São José do Rio Preto esse número é de 75%.
"É um trabalho de longo prazo, no qual fomos aumentando gradativamente. E não tem como crescer sozinho, para que os números de transplantes cresçam é necessário que o hospital cresça como um todo. Com muita dedicação conseguimos montar uma equipe médica voltada ao transplante, o que não é fácil já que a atividade em consultório é mais rentável para o profissional", conta Mário Abbud, nefrologista e coordenador do Centro de Transplantes de Órgãos (CTO) do Hospital de Base.
Um trabalho na faculdade de medicina da cidade para conscientizar os futuros médicos sobre a importância da doação de órgãos e sobre a necessidade de ter profissionais capacitados nessa área também é realizado pela equipe de transplantes do HB.
Autor: Simone Machado
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