Incêndio no Teatro da Amizade na China completa 20 anos
Antonio Broto.
Pequim, 8 dez (EFE).- "Mulheres e crianças primeiro" - esta costuma ser a ordem de evacuação em situações de emergência, mas, no dramático caso do incêndio no teatro de Karamay, que completa 20 anos nesta segunda-feira, os políticos locais foram os primeiros a se salvar.
No dia 8 de dezembro de 1994, 325 pessoas morreram no incêndio do Teatro da Amizade em Karamay, cidade ao noroeste de Xinjiang, na China, das quais 288 eram crianças entre seis e 15 anos. Hoje, 20 anos após o acidente, os pais das vítimas ainda lembram com dor desta tragédia, que foi repleta de injustiças.
O acidente, retratado com muita cautela pela propaganda chinesa, faz parte da longa lista de tabus da história nacional recente, e, ao lado da Revolução Cultural Chinesa e do massacre de Tiananmen, simboliza como poucos a ineficiência do regime em fazer frente a desastres, a obsessão por ocultar os fatos e o descaso com as vítimas.
As crianças, selecionadas por desempenho escolar, estavam no teatro tanto na plateia como no palco, atuando em uma apresentação organizada especialmente para autoridades locais da cidade de Karamay.
"Quando o fogo começou, os professores disseram às crianças que permanecessem sentadas, deixando que os líderes saíssem primeiro", contam os pais de uma das vítimas no documentário "Karamay" - um corajoso relato sobre o acidente, realizado em 2010 pelo cineasta independente Xu Xin.
Algumas testemunhas disseram que, quando surgiram as primeiras chamas nos bastidores, ordenaram que as cortinas fossem fechadas, para que o público não visse o fogo.
As portas do teatro, construído na década de 50 pelos soviéticos durante os anos de irmanação entre o maoísmo e o stalinismo, estavam todas fechadas, algumas com cadeado, e as janelas tinham barras por causa de uma reforma feita pouco antes do desastre.
De acordo com os moradores de Karamay, mesmo antes do acidente, o edifício tinha a aparência de uma prisão, que poderia ser mortal em caso de desastres. E assim foi; grande parte das crianças morreu asfixiada pela fumaça e outras foram esmagadas em função da correria causada pelo pânico das pessoas, assim como muitos dos professores que as acompanhavam.
Neste interim, os líderes locais, entre eles os chefes das petrolíferas que controlavam a cidade, saíam praticamente ilesos.
"Desde aquele incêndio mudamos a forma de ensinar nossos filhos: antes lhes dizíamos que fizessem tudo o que seus professores mandassem, hoje em dia já não os instruímos desta forma", contam no documentário os pais de Zhao Wei, uma menina de 15 anos que morreu no incêndio.
O cenário deste incêndio foi agravado ainda mais pela forma como o caso foi conduzido após o acidente. Negligenciado e submetido a uma sucessão de tentativas de abafamento, o caso jamais teve uma investigação apropriada e os pais das vítimas foram tratados como um estorvo.
No documentário de Xu Xin, gravado de forma quase clandestina, os pais contam que foram impedidos de ver seus filhos nas primeiras horas (uma mãe chegou a entrar em um caminhão que transportava os corpos e a se camuflar entre eles para conseguir entrar no necrotério) e que os telefones da cidade foram cortados por 24 horas, para que ninguém pudesse contatar à imprensa.
Os pais das vítimas receberam ordens para levar o corpo de seus filhos a seus locais de trabalho no dia seguinte ao acidente, para não ficarem todos no mesmo lugar, ocultando, em certa medida, o alcance do fato.
"Nomearam nossos filhos como 'mártires' apenas para nos calar", lembra um dos pais, ao afirmar com amargura que "tudo foi mais uma das muitas mentiras do Partido", pois, na China, o título de mártir concede o direito à pensão aos parentes da vítima e este benefício nunca foi recebido.
Na tentativa de se manifestarem, os pais das crianças foram a Pequim como peticionários, mas ao chegar à capital foram colocados à força em um ônibus e mandados de volta para Karamay, e passaram a pertencer ao grande grupo considerado como estorvo para o regime.
O caso foi encerrado com quatro sentenças de menos de cinco anos de prisão para autoridades locais, incluindo o funcionário de maior cargo que estava dentro do teatro durante o incêndio, Fang Tianlu, presidente da companhia petrolífera de Karamay.
Os parentes das 288 crianças, que lhes prestaram homenagens nesta segunda-feira, assim como costumam fazer todos os anos, tomaram conhecimento sobre as sentenças proferidas a pouco.
Os pais falam com desgosto na produção de Xu Xin, que tem seis horas de duração, mas declaram sonhar que algum dia a negligência e a má fé que rodearam o fato sejam admitidas.
"Temos esperança que o governo reconheça a injustiça deste caso e que isto ocorra antes de nossa morte, para desta forma nossos filhos poderem descansar realmente em paz".
Pequim, 8 dez (EFE).- "Mulheres e crianças primeiro" - esta costuma ser a ordem de evacuação em situações de emergência, mas, no dramático caso do incêndio no teatro de Karamay, que completa 20 anos nesta segunda-feira, os políticos locais foram os primeiros a se salvar.
No dia 8 de dezembro de 1994, 325 pessoas morreram no incêndio do Teatro da Amizade em Karamay, cidade ao noroeste de Xinjiang, na China, das quais 288 eram crianças entre seis e 15 anos. Hoje, 20 anos após o acidente, os pais das vítimas ainda lembram com dor desta tragédia, que foi repleta de injustiças.
O acidente, retratado com muita cautela pela propaganda chinesa, faz parte da longa lista de tabus da história nacional recente, e, ao lado da Revolução Cultural Chinesa e do massacre de Tiananmen, simboliza como poucos a ineficiência do regime em fazer frente a desastres, a obsessão por ocultar os fatos e o descaso com as vítimas.
As crianças, selecionadas por desempenho escolar, estavam no teatro tanto na plateia como no palco, atuando em uma apresentação organizada especialmente para autoridades locais da cidade de Karamay.
"Quando o fogo começou, os professores disseram às crianças que permanecessem sentadas, deixando que os líderes saíssem primeiro", contam os pais de uma das vítimas no documentário "Karamay" - um corajoso relato sobre o acidente, realizado em 2010 pelo cineasta independente Xu Xin.
Algumas testemunhas disseram que, quando surgiram as primeiras chamas nos bastidores, ordenaram que as cortinas fossem fechadas, para que o público não visse o fogo.
As portas do teatro, construído na década de 50 pelos soviéticos durante os anos de irmanação entre o maoísmo e o stalinismo, estavam todas fechadas, algumas com cadeado, e as janelas tinham barras por causa de uma reforma feita pouco antes do desastre.
De acordo com os moradores de Karamay, mesmo antes do acidente, o edifício tinha a aparência de uma prisão, que poderia ser mortal em caso de desastres. E assim foi; grande parte das crianças morreu asfixiada pela fumaça e outras foram esmagadas em função da correria causada pelo pânico das pessoas, assim como muitos dos professores que as acompanhavam.
Neste interim, os líderes locais, entre eles os chefes das petrolíferas que controlavam a cidade, saíam praticamente ilesos.
"Desde aquele incêndio mudamos a forma de ensinar nossos filhos: antes lhes dizíamos que fizessem tudo o que seus professores mandassem, hoje em dia já não os instruímos desta forma", contam no documentário os pais de Zhao Wei, uma menina de 15 anos que morreu no incêndio.
O cenário deste incêndio foi agravado ainda mais pela forma como o caso foi conduzido após o acidente. Negligenciado e submetido a uma sucessão de tentativas de abafamento, o caso jamais teve uma investigação apropriada e os pais das vítimas foram tratados como um estorvo.
No documentário de Xu Xin, gravado de forma quase clandestina, os pais contam que foram impedidos de ver seus filhos nas primeiras horas (uma mãe chegou a entrar em um caminhão que transportava os corpos e a se camuflar entre eles para conseguir entrar no necrotério) e que os telefones da cidade foram cortados por 24 horas, para que ninguém pudesse contatar à imprensa.
Os pais das vítimas receberam ordens para levar o corpo de seus filhos a seus locais de trabalho no dia seguinte ao acidente, para não ficarem todos no mesmo lugar, ocultando, em certa medida, o alcance do fato.
"Nomearam nossos filhos como 'mártires' apenas para nos calar", lembra um dos pais, ao afirmar com amargura que "tudo foi mais uma das muitas mentiras do Partido", pois, na China, o título de mártir concede o direito à pensão aos parentes da vítima e este benefício nunca foi recebido.
Na tentativa de se manifestarem, os pais das crianças foram a Pequim como peticionários, mas ao chegar à capital foram colocados à força em um ônibus e mandados de volta para Karamay, e passaram a pertencer ao grande grupo considerado como estorvo para o regime.
O caso foi encerrado com quatro sentenças de menos de cinco anos de prisão para autoridades locais, incluindo o funcionário de maior cargo que estava dentro do teatro durante o incêndio, Fang Tianlu, presidente da companhia petrolífera de Karamay.
Os parentes das 288 crianças, que lhes prestaram homenagens nesta segunda-feira, assim como costumam fazer todos os anos, tomaram conhecimento sobre as sentenças proferidas a pouco.
Os pais falam com desgosto na produção de Xu Xin, que tem seis horas de duração, mas declaram sonhar que algum dia a negligência e a má fé que rodearam o fato sejam admitidas.
"Temos esperança que o governo reconheça a injustiça deste caso e que isto ocorra antes de nossa morte, para desta forma nossos filhos poderem descansar realmente em paz".
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