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De fuzis para os lápis, ex-guerrilheiros das Farc enfrentam novo desafio

27/08/2017 09h58

Claudia Polanco Yermanos.

Pondores (Colômbia), 27 ago (EFE).- Aos 46 anos, Luis, um ex-guerrilheiro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) que se juntou ao grupo guerrilheiro quando era adolescente, sabe que, agora que entregou sua arma, a próxima luta que terá pela frente não será contra as forças de segurança colombianas, mas para deixar de ser analfabeto.

Luis, que prefere não revelar seu verdadeiro nome porque tem medo de represálias ligadas ao longo conflito no país, nunca foi à escola. A pobreza fez com que estudar fosse uma utopia.

Ele disse ter nascido "em algum lugar de Córdoba", um departamento no norte da Colômbia onde vive sua família, a qual deixou para trás quando tinha 17 anos para se juntar à guerrilha. Desde então, não entrou mais em contato com ela para dizer que está vivo por temer retaliações.

"Não foi fácil. Se equivocam as pessoas que pensam que combatemos por que gostamos. Na realidade ninguém quer morrer de um tiro, passar fome e sempre ter medo de que haja um bombardeio, mas é que às vezes as opções se reduzem a estar assim ou a não ter nada", disse Luis à Agência Efe.

Ainda que de olhar rígido e pele curtida pelo sol que suportou durante as intermináveis caminhadas pela selva quando o conflito entre as Farc e o governo da Colômbia estava no seu apogeu, este homem desmorona ao afirmar que sente tristeza por a sociedade acreditar que o hoje ex-combatente não tem sentimentos.

"Tenho família e a amo, e gostaria de lhes dizer para que viessem e que meus camaradas os conhecessem e soubessem que não estou só, mas apesar de a paz já ter sido assinada, ainda não há condições de segurança para fazer isso", argumentou.

Por isso, ele prefere esperar e, quando acontecer o tão desejado reencontro com seus familiares, quer levar a eles a surpresa de que estudou e aprendeu a ler e a escrever.

"Desde que nos desmobilizamos, tive tempo para pensar que a primeira coisa que tenho que fazer é completar o ensino fundamental, depois o médio e finalmente ir à universidade, porque gostaria de ser um engenheiro", afirmou.

A atitude de Luis muda quando ele fala do futuro, e pouco a pouco o lado rude dá espaço para sorrisos e a esperança.

Porém, a tristeza volta ao lembrar que não são apenas os ex-guerrilheiros que se viram na necessidade de fazer parte da luta.

"Penso que os soldados são os nossos irmãos e, ainda que não pareça, eu sentia dor de ter que enfrentá-los, porque muitos deles são pobres como eu, analfabetos como eu, e tiveram que entrar para o exército para poder ter algo na vida", analisou.

Agora que foi completado o desarmamento das Farc, as 26 chamadas Zonas de Vereda Transitórias de Normalização (ZVTN), nas quais os guerrilheiros se desmobilizaram, vão se transformar em "Espaços Territoriais de Capacitação e Reincorporação". E é em uma delas que este ex-combatente acredita que em breve poderá realizar o sonho de estudar.

A crença é compartilhada por Albeiro Sánchez, outro "camarada" da frente 59 das Farc em Pondores, um pequeno povoado no sul do departamento (estado) de Guajira, na fronteira com a Venezuela. O sonho do ex-guerrilheiro é o de ser agrônomo e poder se estabelecer em algum lugar da Colômbia onde possa trabalhar a terra.

"Após nove anos na guerrilha, quero me tornar alguém que seja produtivo para a sociedade. Acredito que todos os ex-combatentes temos que pagar essa dívida, e por sua vez o Estado deve nos oferecer as oportunidades que antes nos negou e que foram o motivo de toda este confronto", reivindicou.

Assim, Luis, Albeiro e os outros 7.000 guerrilheiros das Farc que aceitaram o acordo de paz assinado em novembro do ano passado com o governo sabem que, em vez das armas de ontem, hoje devem empunhar lápis e caderno para ganhar a guerra contra o analfabetismo.