Topo

Estudo questiona "ameaça" de refugiados muçulmanos para valores democráticos

26/05/2018 09h58

Antonio Sánchez Solís.

Viena, 26 mai (EFE).- A ideia de que a chegada de um grande número de refugiados muçulmanos é uma ameaça para os valores democráticos e para a identidade cristã na Europa, usada com sucesso por partidos populistas, é questionada por um estudo que mostra uma importância menor do islã na vida dos recém-chegados.

O relatório, recentemente publicado na revista especializada "Religions", conclui que os solicitantes de refúgio que chegaram à Áustria, em 2015, no auge da crise dos refugiados, não são tão conservadores quanto alguns partidos advertiram, nem mais religiosos que os austríacos de qualquer outra religião.

"O resultado do nosso estudo mostra que os refugiados que chegaram em 2015 têm níveis de religiosidade entre médio e baixo", resumiu Judith Kohlenberger, do Instituto de Política Social da Universidade de Economia de Viena e uma das autoras do trabalho, à Agência Efe.

De acordo com Kohlenberger, o estudo contradiz a mensagem política de que a chegada de pessoas com a intenção de pedir refúgio pode enfraquecer a cultura cristã da Europa.

"O pluralismo religioso, a liberdade de culto, assim como a atitude da sociedade de amparo com a religião dos recém-chegados, são fatores muito mais importantes para a integração cultural dos migrantes do que a religiosidade nos respectivos países de origem", analisou.

Ainda assim, do ponto de vista demográfico, as 88 mil pessoas que solicitaram refúgio na Áustria em 2015 representam 1% da população total, uma quantidade insuficiente para provocar uma "convulsão cultural", segundo ela.

A estudiosa também afirmou que os refugiados que chegaram em 2015 à Áustria e à Alemanha, dois dos países que mais acolheram pessoas, pertenciam, em geral, à classe média, tinham formação acadêmica alta e eram pouco tradicionais.

O trabalho lembra como a identidade religiosa dos solicitantes de refúgio foi aparecendo cada vez mais no debate político da Áustria, durante as eleições presidenciais de 2016 e gerais de 2017, e de outros países também.

"Na maioria dos países receptores afetados prevaleceu a atitude negativa, principalmente preconceituosa e hostil, com os imigrantes muçulmanos, inclusive antes de 2015", ressalta o trabalho.

Os autores afirmam que as conclusões "não corroboram" a ampla preocupação de que as posturas religiosas dos refugiados da Síria, do Iraque ou do Afeganistão fazem rejeitar os "valores ocidentais", em particular no relativo à democracia, direitos das mulheres ou à secularização.

O trabalho se baseia em duas pesquisas realizadas em 2015 e 2017, com 799 pessoas que chegaram à Áustria em 2015 através da Rota dos Balcãs, a maioria vinda de Iraque, Síria e Afeganistão. Esta é a primeira pesquisa do tipo na Europa.

A metade dos entrevistados era casada, 80% eram homens e a idade média era de 31 anos. Em uma escala de 1 (nada religioso) a 10 (muito religioso), 69% dos entrevistados se identificou com um nível regular (3 a 8). Entre a população geral austríaca, 66% se declara na mesma faixa.

No total, a porcentagem que se definiu como "não religioso" (20%) dobrou se comparada a que se identificou como "muito religioso", uma proporção praticamente igual que entre austríacos de qualquer religião.

Os autores do estudo reconhecem que muitos entrevistados achavam difícil quantificar seu grau de religiosidade, por ser um conceito muito subjetivo, de acordo com o contexto social. Também assumem a possibilidade de que alguns participantes tenham adaptado a resposta com medo de serem confundidos com um fundamentalista.

Contudo, o estudo argumenta suas conclusões também em dados como de que a participação de pessoas refugiadas em clubes é duas vezes maior do que a participação em associações religiosas ou no fato de que 67% dos que foram ouvidos declararam não ter problemas com que os filhos aprendessem sobre outras religiões.

"No dia a dia, a religião aparentemente desempenha um papel bem mais secundário", afirmou Judith.

Diante disso, a especialista lembrou que a imagem que se tem do islã piorou por conflitos no Oriente Médio ou por atentados que aconteceram na Europa e advertiu que essa sensação de ameaça e uma atitude negativa podem causar uma radicalização religiosa nos descendentes destes imigrantes.

"Uma atitude cheia de preconceito com o islã não ajuda ninguém. É melhor a franqueza, a aceitação e a educação", defendeu.