Centenário de Mandela é celebrado com feridas do apartheid ainda abertas
Nerea González
Johanesburgo, 21 dez (EFE).- A África do Sul e a comunidade internacional comemoraram em 2018 o centenário do herói mais famoso da luta contra o "apartheid", Nelson Madela, um ícone global dos direitos humanos cujo legado, em seu próprio país, não bastou para fechar as feridas ainda visíveis do passado de segregação racial.
O centenário levou à África do Sul personalidades como o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama, cantores como Ed Sheeran e Beyoncé, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichei e a ex-modelo Naomi Campbell, entre muitos outras.
Além disso, vários chefes de Estado do continente e representantes de governos e instituições internacionais, desde a ONU ao Banco Mundial, passaram pela África do Sul para prestar tributo a "Madiba", mostrando que seus valores já são patrimônio da humanidade.
Segundo disse Obama durante sua visita, um reconhecido admirador de Mandela, o líder sul-africano encarnou "as aspirações universais dos despossuídos de todo o mundo", porque lutou pela "esperança de uma vida melhor e a possibilidade de uma transformação moral da conduta humana".
Nascido em 18 de julho de 1918 em uma remota zona rural do sudeste da África do Sul, Mandela foi o primeiro presidente negro e da era democrática do país após três séculos de dominação branca e quase 50 de apartheid.
Mandela chegou ao mundo destinado a ser o conselheiro de uma família real da etnia xhosa e, em vez disso, acabou se tornando o preso mais famoso do mundo e Nobel da Paz. Quando chegou ao poder, não quis apregoar vingança contra os que tinham lhe impedido de ver seus filhos e oprimido seu povo, mas defendeu a união e a reconciliação.
Também houve partes mais obscuros da história de Mandela, como seu papel na criação do grupo armado Umkhonto we Sizwe (MK).
"Não era perfeito. Fizemos ele perfeito porque era conveniente para nós", lembrou a última esposa de Mandela, a moçambicana Graça Machel, em um dos grandes atos do centenário, realizado em dezembro coincidindo com o quinto aniversário da morte do líder.
Apesar de para o mundo Mandela ter se transformado quase em um santo laico africano, seu legado não permanece tão imune em seu país.
Após quase meio século de democracia, seus compatriotas ainda lidam com problemas como a falta de acesso a uma boa educação, à habitação e a postos de trabalho dignos.
Mais de 50% da população vive na pobreza, e a África do Sul é, segundo o Banco Mundial, uma das nações mais desiguais do mundo.
À sombra dessas promessas descumpridas da democracia sul-africana, nos últimos anos aumentaram as vozes que questionam o papel de Mandela e, sobretudo, a transição que ele liderou.
Além disso, para muitos sul-africanos, este 2018 foi, mais que o ano de Mandela, o ano da saída forçada do presidente Jacob Zuma por corrupção e ineficiência.
O ex-presidente, que já começou a frequentar o banco dos réus por alguns de seus escândalos de corrupção, milita sob a mesma legenda defendida por Mandela, a do Congresso Nacional Africano (CNA), cuja má imagem ficou ainda mais denegrida.
O ano de 2018 foi, além disso, de queda da economia e de avivamiento do debate sobre a distribuição da propriedade da terra, majoritariamente ainda concentrada por brancos, que representam 10% da população.
Em uma arriscada batalha contra o descontentamento social que gera essa injustiça histórica - transformada em símbolo de todas os males prevalentes do "apartheid" e núcleo de forte tensões raciais -, o CNA empreendeu o caminho de mudar a Constituição para incluir explicitamente a possibilidade de expropriar terras sem compensação.
Todos estes problemas sociais e políticos se acumulavam paralelamente às celebrações do centenário de Mandela e prometem ter um papel destacado em relação com um 2019 eleitoral.
O próximo pleito geral, previsto para maio, é fundamental para a capacidade de manobra do atual presidente, Cyril Ramaphosa.
Após o otimismo gerado em fevereiro com a chegada dele ao poder no lugar de Zuma, seu trabalho esteve focado em restaurar os passos do antecessor - economia e corrupção.
Ramaphosa larga como favorito, mas as pesquisas também apontam que as eleições de 2019 serão as primeiras que o CNA ganhará com menos de 60% dos votos. EFE
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