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"Mundo precisa de empatia para diminuir polarização", diz Juan Manuel Santos

O ex-presidente colombiano, Juan Manuel Santos - Xinhua/Jhon Paz
O ex-presidente colombiano, Juan Manuel Santos Imagem: Xinhua/Jhon Paz

Por Gustavo Borges

Na Cidade do México

06/09/2019 21h34

O ex-presidente colombiano Juan Manuel Santos afirmou hoje que convidaria seus adversários políticos a jantar em sua casa, um gesto com o qual quis simbolizar a necessidade de reduzir a polarização em um mundo cada vez mais dividido.

"O mundo precisa de empatia para diminuir a polarização que está gerando tantos problemas. (Álvaro) Uribe, (Nicolás) Maduro, (Rodrigo) Timochenko...teria com eles a melhor relação se houvesse uma empatia de via dupla, mesmo que pensemos o oposto", afirmou Santos em entrevista concedida à Agência Efe durante uma visita à Cidade do México.

Essa ideia não é o início da trajetória de um homem que quer cumprir bem seu papel de vencedor do Nobel da Paz, nem a de um político com o coração amolecido porque há pouco tempo tornou-se avô. Trata-se de uma filosofia de um ex-presidente convencido de que não tem inimigos, mas sim adversários que devem ser tratados como seres humanos.

"Essa é uma lição que o general Álvaro Valencia Tovar me deu. Isso facilita o diálogo, a compreensão", revelou Santos, que governou a Colômbia entre 2010 e 2018.

Em visita ao México para apresentar seu livro "Batalha pela Paz", um relato sobre a negociação com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Santos disse não estar abalado pelo fato de um grupo de ex-guerrilheiros ter decidido retomar a luta armada no país.

Para ele, os dois ex-líderes das Farc que anunciaram a volta às atividades de guerrilha, Iván Márquez e Jesús Santrich, romperam o acordo de paz porque estão envolvidos com o narcotráfico e poderiam ser extraditados aos Estados Unidos.

Santos, porém, não quis se alongar sobre o tema. Na visão do ex-presidente colombiano, importante é focar na segunda etapa do processo de paz liderado por ele para acabar com a guerrilha mais antiga do mundo.

"A paz se divide em duas fases. Primeiro, eles se desarmam, se reintegram à vida social. Depois vem o mais difícil, a reconciliação, curar as feridas geradas ao longo de 54 anos. Isso leva tempo e estamos apenas começando", afirmou.

Um ano depois de ter deixado a presidência, Santos está dedicando tempo à família. Outro passatempo é a leitura, sobretudo de biografias, algo que considera uma quase uma obsessão. Ainda assim, o ex-presidente não está alheio à realidade do país.

"A Colômbia teve um progresso extraordinário, fomos o país da América Latina que mais diminuiu a pobreza e a desigualdade, embora ainda persistam desigualdades vergonhosas. O investimento dos últimos anos foi o mais alto e a educação é gratuita. Além da paz, o progresso foi enorme, apesar de ainda faltar muito", afirmou.

Ao longo da entrevista, o ex-presidente colombiano reiterou a ideia de trocar o termo inimigo por adversário dentro da política e criticou a agressividade crescente no Congresso do país.

"Isso não tínhamos. Os adjetivos que estão utilizando...Isso é ruim, devemos construir pontes", observou.

Santos se autoproclama um seguidor de Winston Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial, sobre quem leu várias biografias. A última foi "Walking with Destiny" (Caminhando com o Destino, em tradução livre), do escritor Andrew Roberts. Do livro, o ex-presidente colombiano diz ter direto uma ideia para apoiar a legalização das drogas.

"A proibição é a fonte de todos os males e gera o narcotráfico. Churchill chegou aos Estados Unidos na época da proibição do álcool, negaram a ele uma bebida e ele respondeu que aquele era um país estranho, onde o lucro da venda do licor ia para as máfias, enquanto no seu país isso era entregue ao fisco. É o que estamos vivendo com a proibição das drogas", opinou.

Embora defenda a paz, Santos diz não ser um Mahatma Gandhi. Para ele, o pacifismo puro e simples raramente vence. Por isso, enquanto estava no poder, ordenou vários ataques contra as Farc, eliminando muitas lideranças da antiga guerrilha. No entanto, quando sentou-se com eles para negociar, decidiu tratá-los como se fossem de sua família.

Uma passagem do livro de Santos mostra como o ex-presidente não guardou rancor. Nas conversas de paz com o líder das Farc, Rodrigo Timochenko Londoño, ele deu ao antigo inimigo uma bala transformada em caneta. Era um símbolo de que era precisa trocar as armas pela educação.

"Apesar de termos sido inimigos, estávamos no mesmo barco, remando na mesma direção. Ele se comprometeu com a paz, eu também. A caneta foi ideia da minha ministra da Educação (Gina Parody). Nela está escrito que na guerra usamos as balas, mas que a educação nos dá a paz", disse Santos.

Voltando ao tema da empatia, Santos aposta que as mulheres são quem mais têm capacidade de gerá-la, talvez por serem mães. Quando falava sobre isso na entrevista, o ex-presidente colombiano, um dia chamado de carrasco das Farc, interrompeu a conversa, sacou o celular do bolso para mostrar um vídeo que havia acabado de chegar. As imagens mostravam a nova mulher de sua vida, a neta Celeste.

"Diga-me se você não se derrete ao ver isso", questionou Santos, visivelmente emocionado.

A atitude, talvez piegas aos olhos de outra pessoa, é só uma mostra da mais inocente das empatias: a dos avôs.