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Febre do ouro aproxima covid-19 de territórios indígenas e reabre feridas

Indígena yanomami veste máscara de proteção em Alto Alegre (RR) - Joédson Alves/EDE
Indígena yanomami veste máscara de proteção em Alto Alegre (RR) Imagem: Joédson Alves/EDE

11/07/2020 18h10

A reserva yanomami é um horizonte infinito de floresta virgem no interior de Roraima e do Amazonas, mas do céu são visíveis as feridas abertas pela corrida do ouro. Mineradores ilegais se espalharam pelo maior território indígena do Brasil e seus habitantes agora temem uma "espiral de conflito" e violência.

A preocupação está latente em algumas das aldeias mais remotas da reserva. Mais de 28 mil índios das etnias yanomami e yekuana vivem na região na fronteira com a Venezuela, na reserva que ocupa uma área do tamanho de Portugal.

Os yanomami estimam que existam mais de 20 mil garimpeiros ilegais na reserva, embora o governo do presidente Jair Bolsonaro estime esse número em apenas 3,5 mil.

Sua presença tornou-se sinônimo de violência, prostituição, doença, desmatamento e poluição, explicou Dario Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e filho de Davi Kopenawa, um dos mais antigos líderes indígenas do país à Agência Efe.

"Estamos muito preocupados com os garimpos porque nossos rios estão contaminados e trazendo doenças", denunciou Eduardo Yekuana, que aos 67 anos é um dos líderes da vila de waikás, às margens do rio Uraricoera.

A alguns quilômetros desta remota vila onde vivem cerca de 300 índios Yekuana, foi estabelecido um garimpo chamado "Tatuazão", que se tornou uma pequena vila ilegal no meio da maior floresta tropical do planeta.

Segundo os relatos, o novo coronavírus teria chegado à vila depois de um jovem Yekuana ser infectado após manter contato com os garimpeiros ilegais, os mesmos que, segundo os indígenas, contaminam seus rios com mercúrio e contribuem para a proliferação de velhas e novas doenças, como malária e coronavírus.

Medo de um novo ciclo de violência

A mineração ilegal já deixou marcas profundas nas terras Yanomami no início da década de 1990, quando aconteceu o chamado "Massacre de Haximu".

Os garimpeiros ilegais assassinaram 16 yanomamis, em um caso que a Justiça brasileira reconheceu como o primeiro genocídio da história do Brasil.

Área usada para escavação de ouro na terra yanomami - Joédson Alves/EFE - Joédson Alves/EFE
Imagem: Joédson Alves/EFE

Os yanomamis agora temem um novo "ciclo de violência" em sua reserva, depois de um grupo de garimpeiros assassinar dois índios da comunidade xaruna, localizada na fronteira com a Venezuela ao lado de um afluente do rio Uraricoera.

No entanto, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, que visitou recentemente as reservas em uma missão militar, afirmou que a morte dos dois indígenas pelas mãos de garimpeiros foi um "evento isolado".

Em meio a pressões nacionais e internacionais, o governo brasileiro, defensor da exploração na Amazônia, comprometeu-se recentemente a reabrir quatro bases da exploração etnoambiental.

Essas iniciativas funcionam como postos de controle e inspeções em terras indígenas e servem para avaliar a retirada de garimpeiros ilegais, embora sem terem especificado como.

Além do garimpo e da covid-19

Mas a centenas de quilômetros de waikás, na região de Surucucu, não há sinais de "garimpo". Nem da covid-19, embora todos tenham ouvido falar dessa doença desconhecida e temida, chamada de "Xawara" em seu idioma.

O principal flagelo dos habitantes desta comunidade é a desnutrição. Os yanomami vivem da caça e da pesca, atividades para as quais usam flechas e de uma agricultura ainda incipiente, que nem sempre é suficiente para atender às necessidades de uma comunidade cujos costumes para nós parecem ter parado no tempo.

Crianças yanomami são atendidas por médicos militares no município de Alto Alegre (RR) - Joédson Alves/EFE - Joédson Alves/EFE
Imagem: Joédson Alves/EFE

"Não há rio, apenas riacho. Não há peixe grande. Há fome", lamentou João, nome que esse indígena de 53 anos adotou do "homem branco".

Também Ribamar, como muitos de seus "parentes", sofre de diarreia devido à contaminação da água.

"Na minha casa há doenças, há diarreia. A água está suja", disse, em uma visita a uma das bases que as Forças Armadas mantêm em Surucucu, em homenagem à histórica e temida presença de uma das cobras mais venenosas da América do Sul.

Cerca de 20 profissionais militares e da saúde se mudaram recentemente para lá em uma missão interministerial para reforçar os cuidados sanitários e levar suprimentos médicos, como máscaras, que a maioria dos indígenas viu e usou pela primeira vez com certa desconfiança.

Apesar do objetivo da missão ser combater a covid-19, os índios aguardam ansiosamente a distribuição de cestas básicas, com óleo, sal, leite em pó e milho, uma de suas principais demandas.

A escassez de alimentos, contou um dos agentes de saúde que trabalha na região, deteriorou a saúde dos povos indígenas da região, e a maioria sofre de problemas simples, como desidratação por diarreia, dor de cabeça e dor de dente.

"Não existe medicamento sem comida", desabafou um agente de saúde que trabalha na região e que preferiu não se identificar.

A fome, disse, levou ao roubo de alimentos, que, junto com o "roubo" de mulheres, é uma das principais razões para conflitos internos entre os povos indígenas da reserva yanomami.