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Rubens Valente

Indígenas alertam possível foco de covid-19 nos Yanomami gerado por garimpo

Os Yanomami e Ye"kuana no encontro de Lideranças Yanomami e Ye"kuana, onde os indígenas se manifestaram contra o garimpo em suas terras. O primeiro fórum de lideranças da TI Yanomami foi realizado entre 20 e 23 de novembro de 2019 na Comunidade Watoriki, região do Demini, Terra Indígena Yanomami - Victor Moriyama / ISA/Victor Moriyama / ISA
Os Yanomami e Ye'kuana no encontro de Lideranças Yanomami e Ye'kuana, onde os indígenas se manifestaram contra o garimpo em suas terras. O primeiro fórum de lideranças da TI Yanomami foi realizado entre 20 e 23 de novembro de 2019 na Comunidade Watoriki, região do Demini, Terra Indígena Yanomami Imagem: Victor Moriyama / ISA/Victor Moriyama / ISA

Colunista do UOL

28/06/2020 04h00

Uma comunidade de yanomâmis e yekwanas da Terra Indígena Yanomami disparou o alarme de que já podem estar ocorrendo casos de covid-19 dentro do território. A contaminação teria ocorrido a partir de garimpeiros, o que pode ser a confirmação de um temor levantado há semanas por entidades de apoiadores e pesquisadores.

Lideranças da comunidade de Waikás, com cerca de cem indígenas, sem médico, a aproximadamente a uma hora de voo de avião de Boa Vista (RR), narraram que vários moradores estão com sintomas da covid-19, incluindo quatro idosos, depois que um jovem indígena que havia viajado num barco com garimpeiros apareceu na comunidade. Além disso, um garimpeiro não indígena com sintomas da doença também foi recebido pela comunidade no dia 18 de junho porque procurava ajuda.

Acionado pelos indígenas, o DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), vinculada ao Ministério da Saúde, prometeu enviar um avião com profissionais de saúde, equipamentos de proteção e oxigênio a fim de montar uma pequena unidade de atendimento dentro da terra indígena.

Até então haviam sido confirmados entre todos os yanomamis e yekwanas 150 casos e quatro mortes por covid-19, de acordo com o Condisi (Conselho Distrital de Saúde Indígena). Porém essas contaminações teriam ocorrido fora do território, e não dentro, segundo o presidente do Condisi, Junior Hekurari Yanomami, e a grande parte na própria Casai de Boa Vista, uma unidade de apoio da Sesai para indígenas que precisam vir à cidade, incluindo parentes de doentes.

Até a noite de sábado (27) o Condisi não havia recebido informação sobre casos confirmados em Waikás, mas confirmou que a situação é preocupante em toda a terra indígena. "Temos 28 mil indígenas, a terra tem 96 mil km². É praticamente isolada, de difícil acesso, não tem como trabalhar com cinco, seis médicos. A comunicação é muito difícil. Precisamos de médico par trabalhar, uns dez médicos no mínimo, vinte enfermeiros, cem técnicos de enfermagem. Para salvarmos a população yanomami que está na floresta isolada. Outras comunidades já abandonaram suas casas", disse Júnior à coluna.

Segundo o Condisi, hoje no distrito sanitário há 79 enfermeiros, 360 técnicos de enfermagem e cerca de 15 médicos, porem a doença já atingiu 180 profissionais de saúde, o que provocou uma perda, com o afastamento preventivo, maciça da força de trabalho.

"A reivindicação de todas as comunidades é ter mais profissionais, a gente precisa muito. Precisa muito de técnicos e de enfermeiros. Já fiz documentos para Brasilia pedindo que abrisse contratação emergencial na Sesai, até agora não temos a resposta. Porque temos muitos funcionários infectados e por segurança estamos afastando esses profissionais. A gente quer mais profissionais, o médico na comunidade, enfermeiro. Para atender se houver o surto de covid na comunidade. Esse ó nosso pedido para o governo federal", disse Júnior Hekurari.

Os problemas de saúde na comunidade de Waikás começaram depois que um rapaz indígena que havia estado em contato com garimpeiros da região chegou à comunidade e participou de um ritual tradicional que incluiu o compartilhamento de utensílios para comida e bebida.

Garimpo descontrolado

Em carta enviada à coordenação da saúde indígena em Boa Vista (RR), o tuxaua (liderança) de Waikás Nivaldo Rocha informou que, depois do ritual, "muita gente começou a adoecer".

"Anteontem falei com o pessoal e temos notícia de que pelo menos 15 pessoas estão doentes e que quatro idosos estão muito fracos e com quadro respiratório muito ruim. Um deles é meu pai. Isso nos preocupa muito! Lá no posto de saúde temos somente um cilindro de oxigênio e não tem nenhum remédio antitérmico. Precisamos urgentemente de remédios para tratar os pacientes com febre e muitas dores. Como vamos cuidar de nossos parentes [sem condições]?", escreveu Nivaldo.

O tuxaua contou que também uma técnica de enfermagem caiu doente e não foi substituída. "Para piorar, neste ano tivemos muitos casos de malária lá, porque a situação do garimpo na região está descontrolada. Nossa comunidade está desamparada e isso já faz tempo. É muito grande o fluxo de barcos de garimpeiros pelo rio Uraricoera, com um número de pelo menos cinco embarcações subindo e descendo o rio diariamente, além de helicópteros e aeronaves", escreveu a liderança de Waikás.

Nivaldo pediu que a Sesai garanta "a testagem de toda a comunidade de Waikás que tem mais de 100 pessoas. Também precisamos de uma equipe de saúde completa que possa acompanhar esses casos que são possíveis infecções de covid-19. Não temos médico e estamos há cinco meses sem enfermeiro responsável".

O tuxaua de Waikás contou ainda que "os garimpeiros têm ido direto em nossa comunidade para buscar atendimento no posto de saúde de Waikás ou tentar comprar alimentos, como banana e farinha". "Nós já falamos para eles que eles não têm permissão para entrar na nossa comunidade, mas não adianta, eles não respeitam. Em 18 de junho, teve um garimpeiro que foi ao posto e apresentava sintomas de covid-19 - ele recebeu atendimento", contou Nivaldo.

Campanha para retirada dos garimpeiros

Segundo a organização não governamental ISA (Instituto Socioambiental), a comunidade de Waikás, situada às margens do rio Uraricoera, é "a mais próxima ao maior garimpo dentro do território, conhecido como 'Tatuzão'. que mantém máquinas de grande porte e infraestrutura comparável a uma vila, dispondo inclusive de wifi". Citando o censo do IBGE, o ISA disse que morava ali, em 2018, um total de 149 pessoas.

Robivaldo Yekwana, da Seduume (Associação Wanassedume Yekwana) e morador de Wailás, relatou por telefone em 23 de junho que "quase todos os moradores" estavam com os sintomas de covid-19, como dor de cabeça, de garganta, no corpo, tosse e febre. Quatro idosos apresentavam dificuldade de respiração, "muita fraqueza e febre".

"Tudo indica que a comunidade encontra-se em estágio de transmissão comunitária do vírus Sars-Cov-2 decorrente da relação de proximidade com o garimpo e o aliciamento dos jovens, situação que vendo sendo denunciada há anos pelas associações indígenas. Trata-se de uma comunidade fortemente impactada pelo garimpo ilegal de ouro. Em 2014, atendendo a uma demanda da Hutukara Associação Yanomami, a Fiocruz desenvolveu um estudo sobre a contaminação por mercúrio na população da comunidade e constatou índices de contaminação acima de 90%. Agrava-se o fato do DSEI-Y não disponibilizar de imediato a realização de testagem para a população de Waikás para o devido acompanhamento e contingência da doença. Daí, a importância/urgência da Campanha Fora Garimpo Fora Covid e da necessidade de medidas imediatas de desintrusão", informou o ISA.