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"Devemos ao Lula um julgamento justo", diz Gilmar Mendes

Ministro Gilmar Mendes, da 2ª Turma - Mateus Bonomi/Estadão Conteúdo
Ministro Gilmar Mendes, da 2ª Turma Imagem: Mateus Bonomi/Estadão Conteúdo

Por Ricardo Brito e Anthony Boadle

Em Brasília

23/08/2019 17h58

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes disse que a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo do tríplex do Guarujá (SP) pode ser anulada caso se configure no processo a suspeição do então juiz da Operação Lava Jato e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e destacou que o petista merece um julgamento justo.

"Anular a condenação (do Lula) se eventualmente ocorrer por questão de suspeição, isso leva a um novo processo. Eventualmente isso pode ocorrer", disse.

"É importante fazer essa análise com todo o desprendimento. A mídia se tornou num determinado momento muito opressiva. O bom resultado não é só aquele que condena. Isso não é correto. A gente tem que reconhecer que devemos ao Lula um julgamento justo", afirmou ele, em entrevista exclusiva à Reuters na quinta-feira em seu gabinete.

Em junho, Mendes chegou a defender que o ex-presidente aguardasse em liberdade o julgamento de um pedido de sua defesa para anular o processo do tríplex, sob a alegação de que Moro --responsável pela primeira condenação de Lula-- teve uma atuação parcial. Na ocasião, a proposta dele foi derrotada pela 2ª Turma do Supremo, mas foi adiada, sem data marcada, a análise da suspeição de Moro.

Isso ocorreu num momento em que começavam a surgir as primeiras reportagens do site The Intercept Brasil, que cita supostas conversas de Moro e o chefe da força-tarefa da operação no Ministério Público Federal, Deltan Dallagnol. Nos supostos diálogos, teria havido direcionamento de Moro a ações do MPF no caso de Lula, o que foi usado pela defesa do petista para reforçar o pedido de suspeição do ex-juiz.

Moro e o procurador negam irregularidades e afirmam que não podem atestar a autenticidade das mensagens divulgadas.

Questionado se Moro cometeu crime no episódio revelado pelas mensagens, Mendes disse que há "fortes indícios de muitas irregularidades que podem ser crimes em relação aos partícipes dessas conversas todas". E preferiu não opinar se o ministro deveria se afastar do cargo durante as investigações do caso.

Escândalo

Principal crítico dos métodos da Lava Jato no Supremo, o ministro disse que, apesar de não ter um prognóstico sobre se as revelações da Vaza Jato favorecem o ex-presidente no futuro julgamento da liberdade dele, elas estão funcionando como um elemento de "deslegitimação" tanto das ações quanto das sentenças.

Para Mendes, nos vazamentos há "coisas bastante graves" que podem ter repercussão para o caso do ex-presidente. Ele disse que há dúvidas sobre se houve mesmo o cometimento do crime de corrupção, se esse delito está ligado à Petrobras, o que poderia retirar da vara federal da Lava Jato em Curitiba a competência sobre o julgamento, e ainda se houve uma "terrível coação" de delatores.

"Vamos ter esse debate, inclusive sobre a prova ilícita e a prova ilícita em relação a quem, em relação ao réu se isso eventualmente pode beneficiá-lo", disse.

"Tudo é muito sério, tenho dito que, considerando a abrangência da operação e também o envolvimento do Judiciário e da Procuradoria, que esse é o maior escândalo envolvendo o Judiciário desde a redemocratização", acrescentou, referindo-se às supostas mensagens vazadas.

Prestação de contas

Mendes disse que, em algum momento, os envolvidos no episódio das mensagens vão ter que passar por um espécie de "accountability" (prestação de contas), de dizer o que fizeram e não fizeram.

"Ok, vamos até condenar os hackers e tudo o mais, agora este ato foi praticado ou não foi? E tendo sido praticado, por que foi praticado?", questionou.

Apesar das críticas, o ministro do STF reconhece "êxitos inequívocos" e "inegáveis" com a Lava Jato porque havia um quadro de "metástase da corrupção".

"Há um capital inegável, não se pode negar a importância da Lava Jato, isso precisa ser reconhecido", destacou.

Mendes não acredita no fim da operação, mas avalia que a chamada "vaza jato" trouxe um prejuízo simbólico imenso para a Lava Jato.

"A gente tem que ter muito cuidado. O combate ao crime não pode envolver o cometimento de crimes. A luta contra a corrupção prossegue, tem que prosseguir, com uma institucionalização maior", disse. "A ideia do monopólio da luta contra a corrupção leva a situações como essa", avaliou.

Segunda instância

Mendes disse esperar que, até outubro, o Supremo julgue o processo que discute a execução da pena após condenação em segunda instância. Ele admitiu que a possibilidade de o caso ter repercussão numa eventual liberdade de Lula fez com que o julgamento fosse adiado, mas defendeu que o STF enfrente a questão e que, se possível, ela ocorra em um momento distinto ao de pedidos da defesa do ex-presidente.

"O fato é que prejudica bastante o debate, até a racionalização dessa fulanização. 'Ah, isso interessa ao Lula?` Isso interessa a todo mundo e, mesmo havendo uma decisão que exija o trânsito em julgado, temos meios para determinar prisão em determinados casos em segunda instância. Esse debate vamos ter que travar", disse.

O ministro não quis arriscar qual é a posição majoritária da corte sobre esse tema hoje. Ele disse que o Supremo tinha se posicionado a favor de, em determinados casos, passar a executar a pena após a condenação em primeira instância. Contudo, criticou, "isso se tornou depois um imperativo categórico" e citou o fato que o próprio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, corte que condenou Lula em segunda instância, ter uma súmula em relação a isso.

Para iniciar a execução da pena de prisão, Mendes tem defendido esperar ao menos uma apreciação de um recurso pelo Superior Tribunal de Justiça, espécie de terceira instância.