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Omissão de dados e epidemia mais longa agravam impacto econômico da covid-19 no Brasil

10.jun.2020 - Movimentação no metrô da cidade de São Paulo durante a pandemia do novo coronavírus - Bruno Escolastico / Estadão Conteúdo
10.jun.2020 - Movimentação no metrô da cidade de São Paulo durante a pandemia do novo coronavírus Imagem: Bruno Escolastico / Estadão Conteúdo

10/06/2020 08h42

A reabertura precoce da economia, antes mesmo de o Brasil atingir o pico de ocorrências de coronavírus, vai resultar no prolongamento da epidemia no país. Por consequência, prorroga também o impacto econômico gerado pela covid-19. A omissão de dados sobre as mortes acentuam o problema, ao abalar a confiança do mercado externo sobre o que acontece no Brasil, afirmam especialistas ouvidos pela RFI.

Os países que impuseram mais cedo a quarentena ou restrições de movimentação e de atividade comercial e industrial agora já estão em processo acelerado de retorno à normalidade, como os países europeus. Em média, foi preciso esperar 44 dias depois do pico da epidemia para retomar, com segurança sanitária, a atividade econômica. A Nova Zelândia se tornou um caso emblemático: depois de aplicar quarentena rígida de sete semanas, sai da pandemia com apenas 22 mortes.

"Como é um processo exponencial de contágio, quanto mais rápido você contém, menor o impacto tanto em termos de saúde, quanto econômicos", resume Ladislau Dowbor, economista e professor da PUC-SP.

Por opção política, avalia o economista Alfredo Saad Jr., professor de política econômica e desenvolvimento internacional do King's College de Londres, o Brasil desperdiçou a chance de se tornar um exemplo entre as economias emergentes.

"Países como a Etiópia, o Vietnã, o Senegal ou Gana, muito mais pobres que o Brasil, tiveram muito maior sucesso [no controle da pandemia]. Países de renda comparável, como a África do Sul, ou a Argentina, que está numa situação econômica bem pior, também tiveram muito mais sucesso", indica.

É a doença, e não a quarentena, que abala a economia

No ritmo atual, frisa Saad Jr., o país "está numa trajetória absolutamente catastrófica" em relação ao número de vítimas e à velocidade de contágio, com mais de 37,3 mil mortes registradas até esta segunda-feira (8).

Terceiro país mais atingido pelo coronavírus no mundo, o Brasil também não vê, no horizonte, uma perspectiva de saída desse quadro - pelo contrário, já que Estados que vinham controlando a doença, como São Paulo e Rio de Janeiro, agora reabrem a circulação. O pesquisador ressalta que não são as medidas de isolamento que abalam a economia: é a doença.

"O governo acha que, ao liberar a atividade comercial e industrial e os transportes, vai minimizar o dano econômico. Não é verdade: uma economia não funciona se as pessoas estiverem com receio de pegar uma doença possivelmente fatal", explica. "Não existe contradição entre manter a atividade econômica e garantir a saúde da população: elas têm que caminhar juntas. É isso que as experiências de sucesso mostram. O Brasil está na contramão do mundo."

Brasil terá mais impacto do que os vizinhos da América Latina

Dowbor ressalta que o Brasil não é um país pobre: a renda média por família de quatro pessoas seria de R$ 11 mil, não fossem as graves desigualdades sociais. O professor da PUC-SP avalia que o país poderia ter ido muito além do auxílio emergencial de R$ 600 para os mais impactados pela crise do coronavírus.

"O governo decidiu encontrar R$ 1,2 trilhão - 16% do PIB - para enfrentar o coronavírus. Ele não repassou isso para os municípios. Passou ridículos R$ 98 bilhões para a população em geral, e a quase totalidade foi para os bancos, que, por sua vez, não repassaram nem para as famílias, nem para as empresas", destaca Dowbor. "Os bancos estão dizendo que é uma situação arriscada e precisam reforçar a sua liquidez."

O resultado é que, sem renda nas famílias, o país se afunda no círculo vicioso da queda da demanda e redução da produção. A projeção do Banco Mundial é que o PIB brasileiro despenque até 8% em 2020 - o maior índice da América Latina, que deve se retrair em média 7,2%.

"Maquiagem" de dados piora a confiança

Neste contexto, a notícia de que o governo federal se aventura a "maquiar" os dados da pandemia no país não ajuda: pode resultar em mais desconfiança internacional em relação ao país, no bloqueio das fronteiras para o Brasil por mais tempo e até em embargos sanitários para os produtos brasileiros.

O agronegócio, locomotiva das exportações, seria ainda mais impactado, observa Alfredo Saad Jr.:"Até o Paraguai trata o Brasil como pária internacional e mantém a fronteira fechada porque a situação está fora de controle no Brasil", ironiza o economista do King's College. "É muito possível que outros países não se abram para o Brasil, o que pode trazer problemas para o comércio. Se houver especulação de que as cargas brasileiras possam estar contaminadas, ou os contêineres e as máquinas, você fecha para o país."

Ladislau Dowbor minimiza o impacto da falta de transparência dos dados - avalia que, de toda a forma, "todo o mundo" já sabe que o número de casos e de mortes é subnotificado no país. Ele ressalta que a crise no Brasil é estrutural, e vinha se aprofundando muito antes da pandemia se iniciar. A queda histórica da taxa de juros, lembra, até agora não se traduziu em crédito mais baixos para as pequenas e médias empresas.

"Não é de se pensar nos mesmos termos que os europeus, em que o coronavírus está trancando a economia. Aqui, ele está deformando a economia", analisa. "O Brasil não entra em crise agora: ele entra em 2014 e, de lá para cá, a economia está parada. De 2014 a 2019, temos um decréscimo médio de 0,4%. Nós temos o caos ambiental, o da desigualdade e o financeiro, sobre o qual se abate a epidemia de coronavírus."