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Brasileiros não controlam mais a Igreja Universal em Angola, segundo Diário Oficial

Saiu no Diário Oficial da República a ata de uma assembleia que decidiu tirar o controle da Igreja Universal do Reino de Deus no país das mãos da liderança brasileira - Divulgação/IURD
Saiu no Diário Oficial da República a ata de uma assembleia que decidiu tirar o controle da Igreja Universal do Reino de Deus no país das mãos da liderança brasileira Imagem: Divulgação/IURD

31/07/2020 16h27

Não se trata de uma decisão judicial, mas o que saiu na imprensa oficial do país africano mostra que a pressão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e parlamentares brasileiros parece não ter mesmo surtido efeito na crise que há meses a Igreja Universal enfrenta. Além de autoridades angolanas terem reforçado nas últimas semanas que as discussões em torno do assunto continuarão na esfera judicial, e não na política, saiu no Diário Oficial da República a ata de uma assembleia que decidiu tirar o controle da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) no país das mãos da liderança brasileira.

A assembleia aconteceu no dia 24 de junho na Catedral do Morro Bento, em Luanda, seguindo o que determina o artigo 14º do estatuto da instituição. Não consta especificamente a quantidade de pessoas que participaram da assembleia. A ata destaca apenas a presença de mais da metade dos membros da Associação, como determina o estatuto.

Na publicação consta que a decisão se baseia na violação ao estatuto e direito dos membros da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola, criada sob o decreto nº 31-B/92, há 28 anos. Entre as violações destacadas no Diário Oficial constam discriminação racial, imposição e coação a castração ou vasectomia a pastores, além de perseguição.

Por mais que o departamento de comunicação da IURD diga que o presidente do Conselho da Direção é o bispo angolano Antonio Pedro Correia da Silva, membros da igreja ouvidos pela reportagem garantem que quem dá as ordens no país é o Bispo brasileiro Gonçalves, como se referem a Honorilton Gonçalves.

Com a destituição dele do comando da IURD no país, a assembléia elegeu o bispo angolano Valente Bezerra Luiz como coordenador da Comissão de Reforma da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola. Foi uma mera formalização, uma vez que o bispo Valente já vinha se posicionando como líder dos pastores angolanos que, em junho, ocuparam templos da IURD no país em protesto contra a liderança brasileira e aos atos que consideram criminosos.

Para o professor de Direito Constitucional Rui Verde, a publicação da ata oficializa a assembléia e evita o uso de liminares contra os angolanos. "Essa publicação tem um efeito importante que é transpor essas decisões todas para a ordem jurídica de forma imediata. Não pode haver o que vocês no Brasil chamam de liminar para evitar essas deliberações", explicou.

O especialista diz preferir não colocar a questão como se fosse algo entre brasileiros x angolanos e ressalta que fala com base apenas nos aspectos jurídicos, não teológicos. "Do ponto de vista meramente legal, são duas igrejas completamente separadas. A igreja angolana é uma pessoa coletiva angolana, com autonomia financeira, administrativa e patrimonial. E não há na IURD o mesmo que acontece na Igreja Católica que há a Santa Sé, na Cidade do Vaticano, que é uma entidade reconhecida internacionalmente", disse. Mas a IURD ainda pode ir aos tribunais angolanos tentar revogar isso. "Não com uma liminar, mas com uma ação ordinária", completou o professor.

Evasão de divisas

Mesmo que em teoria sejam duas igrejas separadas, segundo as denúncias, na prática não é assim que funciona. Os angolanos também acusam os brasileiros de evasão de divisas. Afirmam que a igreja de Edir Macedo fatura cerca de US$ 80 milhões por ano só no país e parte do faturamento sai ilegalmente de Angola. Essa crise enfrentada pela Universal começou no fim do ano passado, quando os angolanos acusaram os líderes brasileiros de colocarem à venda propriedades em Angola sem que fosse do conhecimento de todos, o que a IURD nega.

O departamento de comunicação da Universal diz que a ata publicada no Diário Oficial do governo angolano é falsa e se nega a reconhecer como legítimas e legais as decisões publicadas na imprensa oficial. O comunicado destaca, também, que a IURD é uma instituição sem fins lucrativos, com autonomia administrativa, financeira e patrimonial. Reforça a ideia de estar sendo alvo de uma série de ataques e se refere mais uma vez aos dissidentes como ex-membros da igreja.

No comunicado, a instituição ainda diz que a IURD Angola irá adotar todas as medidas necessárias para reagir à publicação da ata no Diário Oficial da República, destacando acreditar que as autoridades administrativas e judiciais de Angola não deixarão de respeitar a lei, a Constituição e os estatutos da igreja.

Em entrevista a jornalistas da TV Record, controlada por Edir Macedo, o bispo brasileiro Honorilton Gonçalves afirmou que 65 missionários da IURD passaram a se sentir ameaçados em Angola, tendo alguns até sido atacados nas últimas semanas e retirados das casas onde moravam. No início deste ano, a RFI publicou que pastores angolanos também se disseram perseguidos por líderes brasileiros e foram coagidos a deixar as casas onde moravam, já que as despesas são pagas pela igreja.

Interferência do governo brasileiro

A Universal passou a pressionar autoridades brasileiras por interferência no caso para defender os interesses dela em Angola. O presidente Jair Bolsonaro escreveu uma carta ao presidente de Angola, João Lourenço, que foi entregue ao ministro angolano das Relações Exteriores, Téte Antonio, pelo embaixador brasileiro em Luanda, Paulino Franco de Carvalho Neto. A embaixada não se posicionou sobre a ata publicada no Diário Oficial angolano.

O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz, reafirmou esta semana o que outras autoridades já disseram recentemente: a crise interna da Universal do Reino de Deus em Angola não tem implicações políticas ou diplomáticas. "Não é um problema político nem diplomático, razão pela qual não pode haver intervenções a outro nível, pois é um assunto religioso com implicações legais", destacou.

O ministro pediu paciência e disse à imprensa que estão em curso dois processos na Procuradoria Geral da República, em instrução preparatória, que são resultados de denúncias de bispos e pastores angolanos. O assessor de imprensa da PGR, Álvaro João, disse à reportagem que a Procuradoria não fará qualquer pronunciamento sobre o assunto. A reportagem entrou em contato também com o bispo Valente Luis, pedindo uma entrevista com o representante dos angolanos, mas não teve retorno.

Brasileiros que vivem em angola negaram em redes sociais e em entrevistas que estejam sendo alvos de ataques xenófobos no país, como deram a entender algumas reportagens publicadas no Brasil em veículos ligados a Edir Macedo. Ressaltaram que esta é uma crise interna, não é algo dos angolanos contra os brasileiros.

O Conselho das Igrejas Cristãs em Angola condenou esta semana a atitude do bispo Macedo, que amaldiçoou os angolanos (bispos, pastores e suas respectivas famílias) que se revoltam e exigem mudanças na igreja.

Em entrevista à imprensa local, a secretária-geral do Conselho, reverenda Deolinda Dorcas Teca, chamou atenção para a atitude do fundador da Universal que, para ela, aparentemente demonstra sentir mais a perda dos bens materiais e financeiros que o país garantia à IURD. Depois da maldição lançada por Macedo, ela lembrou o que diz a bíblia em Romanos, capítulo 12, versículo 14: "abençoai aos que vos perseguem e não amaldiçoeis".