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País do petróleo, Venezuela vive nova onda de protestos por falta de gasolina

Arquivo - População exige do governo do presidente Nicolás Maduro (foto) o reestabelecimento dos serviços básicos - Marcelo Garcia/Presidência da Venezuela/AFP
Arquivo - População exige do governo do presidente Nicolás Maduro (foto) o reestabelecimento dos serviços básicos Imagem: Marcelo Garcia/Presidência da Venezuela/AFP

Elianah Jorge

correspondente da RFI em Caracas

01/10/2020 05h57

Diversos protestos espontâneos vêm tomando conta das ruas de pequenas cidades do interior da Venezuela. Cansado da falta de água, de energia elétrica, de gás doméstico e principalmente de gasolina, o povo saiu para manifestar, desta vez sem o amparo de lideranças políticas opositoras.

A população exige do governo do presidente Nicolás Maduro o reestabelecimento dos serviços básicos e não tem se deixado intimidar pela repressão das forças de segurança estatais. Em uma semana, foram registrados mais de 206 focos de protestos.

Só na segunda-feira (28), cerca de 76 manifestações aconteceram em todo o país, segundo o Observatório Venezuelano de Conflito Social. Esta ONG (Organização Não Governamental) destaca que, nos últimos dias, a população de 19 dos 23 estados venezuelanos foram às ruas. Yaracuy, na região norte, é o estado onde houve mais protestos até o momento.

O estopim das manifestações foi a escassez de gasolina na Venezuela, que é sócia-fundadora da OPEP (Organização de Países Produtores de Petróleo) e que já foi um dos maiores exportadores do petróleo no mundo. Há semanas não há combustível em diversas cidades do país. O fornecimento privilegia a capital, Caracas, onde são registradas filas quilométricas, que podem durar horas ou até mesmo dias.

Há anos o interior do país sofre com racionamentos diários de energia elétrica ou simplesmente falta de eletricidade sem prévio aviso. Além disso, a falha na distribuição de gás doméstico fez o povo voltar no tempo e cozinhar à lenha. Sem contar a crônica falta de água que obriga a população a esperar dias pelo líquido em uma situação insalubre.

Outro fator de estresse é a quarentena. O povo não pode sair para trabalhar e, sem salário, não pode suprir as necessidades básicas da família. A perda do poder aquisitivo é outro motivo de angústia. Com o atual salário mínimo, de 800 mil bolívares (cerca de U$1,80), é possível comprar apenas 250 gramas de carne.

Política de Estado

Apesar do governo de Nicolás Maduro se preparar para a eleição parlamentar do próximo seis de dezembro, até o momento não houve respostas estatais de apoio à população. "A política de repressão continua sendo a resposta das autoridades venezuelanas ao povo", afirmou Marcos Ponce, diretor da ONG.

Nem mesmo a pandemia impediu que, nos últimos dias, cerca de 50 pessoas fossem presas durante os protestos. Há denúncias de que as forças de segurança do Estado voltaram a fazer disparos à queima-roupa com balas de borracha, além de cometer agressões a pessoas idosas e até mesmo invasões arbitrárias a residências de manifestantes.

Recentemente um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) denunciou a prática de crimes de lesa humanidade desde 2014 na Venezuela. O motivo dessas ações seria silenciar as vozes dissidentes ao governo bolivariano.

Guarda Nacional sem gasolina

Há informações de que alguns veículos da Guarda Nacional Bolivariana não puderam ir às ruas controlar as manifestações por causa da falta de gasolina.

Nas casernas do país a situação também é caótica. Há denúncias de que militares de baixa patente recebem de almoço apenas macarrão cozido, sem molho. Sem contar que um significativo número de militares já se contaminou com a covid por causa da falta de materiais de segurança.

Apesar das ameaças de retaliações dos Estados Unidos, esta semana chegaram à costa venezuelana três cargueiros com combustível importado do Irã. Parte da gasolina importada será destinada à frota das Forças Armadas Bolivarianas para conter os protestos, que tendem a ganhar mais força em todo o país.

Povo sem medo

Alguns desses protestos foram organizados por associações de vizinhos. Outros surgiram a partir das imensas filas para a gasolina. Com as pessoas nas ruas esperando pelo combustível, elas decidiram se unir para protestar.

No entanto, o povo parece ter perdido o medo. Um dos primeiros protestos ganhou força quando a população se uniu e conseguiu virar o veículo do prefeito, de uma das cidades interioranas, enquanto ele tentava furar fila para abastecer.

Em Santa Maria de Ipire, um povoado de cerca de 11 mil habitantes no estado Guárico, a população se juntou, invadiu o local onde estavam alguns manifestantes presos nos protestos e os soltaram.

Juan Guaidó, o deputado opositor que é reconhecido por mais de 50 países como o presidente interino da Venezuela, chamou o povo para apoiar o protesto convocado pelos professores para o próximo dia 5 de outubro. Analistas apontam que os protestos devem se intensificar nos próximos dias por causa da não resolução dos problemas e com a chegada de apoio político opositor.