Eleições municipais: urnas enfraquecem Bolsonaro e PT perde a hegemonia na esquerda
As eleições municipais no Brasil mostraram que o capital político do presidente diminuiu, inclusive com perda de votos no próprio clã Bolsonaro. Disputa nas cidades também traz desafios à esquerda, de Boulos e Lula, e à centro-direita que está de olho em 2022.
Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro, puxador de votos em 2018, viu um cenário bem diferente este ano e foi o grande derrotado nas urnas no primeiro turno das eleições municipais. A avaliação é de especialistas ouvidos pela RFI que destacaram o pífio desempenho nas urnas de candidatos apoiados pelo chefe do Executivo, como em São Paulo, com Celso Russomano fora do segundo turno. Nomes bolsonaristas também saíram frustrados de disputas em outras capitais como Recife, Manaus e Belo Horizonte.
Mais do que isso. O pleito de domingo, em plena pandemia do coronavírus e com uma crise econômica aguda, mostrou que o eleitor procurou saída para tal cenário em políticos experimentados, já conhecidos, sem apostar as fichas em novas caras como aconteceu há dois anos, na disputa nacional.
"Eu diria que o grande perdedor nessas eleições foi o presidente Bolsonaro. O país mudou em dois anos. Aquela vontade majoritária do eleitorado brasileiro, em 2018, de votar supostamente contra a velha política simplesmente desapareceu. Parece que os eleitores brasileiros perceberam o engodo a que foram levados", afirmou Antonio Barbosa, historiador e professor da Universidade de Brasília.
"Parece que uma palavra da língua portuguesa define bem o comportamento do eleitorado brasileiro nas eleições de 2020: comedimento. Ou seja, o que as urnas estão demonstrando neste 15 de novembro é que os eleitores brasileiros majoritariamente deram adeus às ilusões de que seria possível encontrar fora da política, da política tradicional, os seus melhores representantes. Nesse sentido, acho que Bolsonaro vai ter que acordar para a nova realidade. Para começo de conversa, ele aprofunda a sua submissão ao centrão, cujos métodos absolutamente clientelísticos e fisiológicos são bastante conhecidos".
Um Bolsonaro perde a liderança para o PSOL no Rio
Além disso, Bolsonaro amargou uma derrota íntima e direta, que leva sua alcunha. Carlos Bolsonaro, o filho mais próximo do presidente, responsável pela artilharia das redes sociais do pai, foi reeleito, porém com uma votação menor, perdendo o posto de mais votado na Câmara de Vereadores do Rio para um nome do PSOL. O cientista político e pesquisador da FGV Humberto Dantas diz que o resultado tem peso importante no clã Bolsonaro:
"Esse ponto tem um significado muito expressivo com relação a Marielle Franco. Um significado muito expressivo com relação à polarizaçao que Bolsonaro busca com a esquerda. Carlos Bolsonaro colhe uma derrota no Rio de Janeiro. Ele foi o segundo vereador mais votado. Ele está eleito, mas isso para o universo da família Bolsonaro é sim uma derrota. Ele teve 30% menos de votos do que teve em 2016."
Dantas concorda que houve um recado claro ao presidente Bolsonaro, mas tem dúvidas se ele será capaz de ouvi-lo. "Ele pode enxergar com a sua trivial arrogância, com a sua trivial sensação de superioridade. Ou então pode ser minimamente estratégico na leitura do que está acontecendo. Ele não é um bom transferidor de votos, ele não é um líder que consegue construir novas lideranças. Ele quis se vender, a despeito da aberração que isso possa parecer, como o antipolítico. É natural que, quando ele se mete na política como cabo eleitoral, ele não colha bons resultados. Além disso, seu ritmo é muito agressivo. E neste instante as pessoas estão tentando evitar essa agressividade e essa capacidade verborrágica do presidente, que não tem sido bom para o Brasil aqui nem lá fora".
Esquerda dividida nas principais capitais
Um dos grandes destaques do primeiro turno foi o feito do PSOL em São Paulo, que conseguiu garantir com Guilherme Boulos uma vaga na segunda fase da disputa com o tucano Bruno Covas e tomou do PT a liderança da esquerda na capital do maior colégio eleitoral do país.
Dentro do PT, o resultado expõe uma divisão interna, evidenciada com declarações do ex-presidente Lula que preferia uma aliança do PSOL já no primeiro turno, e mostra que o partido tem o gigante desafio de encontrar novas lideranças competitivas e, junto com toda a esquerda, aprender a negociar e compor.
Foram muitas as trocas de farpas nas redes sociais entre apoiadores das três candidatas de centro-esquerda que perderam as eleições para a prefeitura do Rio, mas que, juntas, teriam mais votos do que Marcelo Crivella (Republicanos). Ele, mesmo à frente de uma administração mal avaliada, acabou conseguindo votos para disputar o segundo turno com Eduardo Paes (DEM), diante do racha na esquerda.
Reinvenção do PT?
Embora petistas digam que essas eleições podem ajudar o partido a recuperar votos em cidades médias, o historiador Antonio Barbosa diz que as urnas mostram "que o PT vai ter que se reinventar. Ele não mais poderá carregar consigo a ilusão de ser hegemonicamente o partido de esquerda no Brasil. Na verdade, o que esse primeiro turno da eleição da capital paulista mostra, como de resto praticamente no país inteiro, é que o PT não tem mais essa hegemonia".
O obstáculo de buscar alianças e ceder é ainda mais forte se a esquerda quiser fazer diferença nas eleições nacionais, diz o analista, após a onda direitista e conservadora de dois anos atrás. "O fracasso do PT nessas eleições impõe um novo mapa para a esquerda brasileira. Ele perde em São Paulo de uma forma avassaladora. Ele perde no Rio de Janeiro. Ele desaparece em Belo Horizonte. E até mesmo no Rio Grande do Sul, ele se viu impelido a ir a reboque do PCdoB, que tradicionalmente é visto como uma legenda subsidiária do PT".
Centro-direita sai fortalecida
Já a chamada centro-direita avalia que as eleições municipais dão fôlego a um projeto que está no forno de lideranças como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM, partido que levou algumas capitais como Curitiba e Salvador já no primeiro turno. Ele chegou a falar num amplo diálogo para 2022 com partidos do centro e quiçá até mais à esquerda e já adiantou que tem conversado com o apresentador Luciano Huck.
Para o cientista político Humberto Dantas, esse espectro da política sai mais fortalecido das urnas nessas eleições, porém há muito chão pela frente e não se pode cantar qualquer vantagem do atual ambiente nas eleições nacionais:
"A centro-direita sai, sim, fortalecida. O Democratas e o PSD saem fortalecidos, o Progressistas muito provavelmente também, como o MDB, como o PSDB, Mas não se enganem, no entanto, sobre as eleições de 2022. Se esses partidos não souberem sentar numa mesma sala, em torno de uma mesma candidatura que carregue um mínimo de experiência política, esses caras vão colher rigorosamente o mesmo resultado que tiveram em 2018. Se acharem que a eleição está ganha, como foi em torno de Geraldo Alckmin, pela ampla rede de apoio e pelo que haviam conquistado em matéria municipal em 2016, vão morrer na praia como morreram (em 2018)."
O analista também considera imaturidade política achar que um nome sem bagagem eleitoral ou administrativa de peso virá como redenção dos eleitores: "Esse grupo que está tentando construir quase uma bala de prata eleitoral, se olhar para figuras como Sérgio Moro, Luciano Huck, Henrique Mandetta como grandes salvadores da pátria, tenho para mim que vão se dar muito mal. Eu não sei se a política está disposta a combater a aventura de nome Jair Bolsonaro com outra aventura".
Lentidão na apuração
O TSE adotou um protocolo diferenciado, com exigência de máscaras e uso de álcool gel antes e depois da votação na cabine eletrônica. O tribunal diz que o pleito foi tranquilo na maior parte do país, mas houve registro de aglomeração em alguns pontos de votação.
O que levou o presidente do TSE a passar horas se explicando à imprensa, no entanto, foi um atraso inesperado na apuração dos votos, com muitos quadros definidos somente depois das 22h, quando em geral isso é alcançado já logo no início da noite. Uma falha num super computador central do TSE impediu o cômputo dos votos, que até a eleição passada era feita pelos tribunais regionais e agora foi concentrado em Brasília para redução de custos e maior segurança do sistema.
O problema levou bolsonaristas a divulgar falsas hipóteses em torno da urna eletrônica, colocando em xeque a integridade do modelo brasileiro. "Quanto à credibilidade, as pessoas têm o direito de acharem o que quiserem achar. Eu não tenho controle sobre o imaginário das pessoas, O que eu posso dizer é que não há risco de fraude. A transparência é total. Todas as urnas são auditáveis. Elas têm um controle paralelo por amostragem. Portanto simplesmente não acontece. Nunca aconteceu. O mundo político tem uma quantidade de retórica, mas eu sou juiz, eu me movo por fatos e provas. Se alguém trouxer um fato ou uma prova, nós vamos apurar. Qual é a prova? O resultado não coincide com o boletim que saiu da urna. Aí temos um problema. Nunca aconteceu", afirmou Luís Roberto Barroso, presidente do TSE.
O ministro Edson Fachin, vice-presidente do TSE, também comentou o caso: "Para este ano, para estas eleições, nós todos da Justiça Eleitoral tínhamos um grande desafio: garantir a integridade da soberania popular tal como ela foi depositada nas urnas. E, do ponto de vista desse princípio, que coloca em primeiro lugar a segurança, que se possível deve vir junto com a celeridade, com celeridade da divulgação imediata dos resultados, o TSE optou pela segurança. Essa centralização da totalização mediante um sistema específico, desenvolvido e aplicado pelo Tribunal Superior Eleitoral, se deu por uma opção sim de economicidade, mas especialmente por recomendações da área de segurança sobre a informação. E o Tribunal Superior Eleitoral chamou para si essa responsabilidade".
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