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Não adianta quebrar patente de vacina da covid se países são incapazes de produzi-las, diz advogado

Imunização em massa vai viabilizar a retomada econômica nos cinco continentes - Getty Images
Imunização em massa vai viabilizar a retomada econômica nos cinco continentes Imagem: Getty Images

05/02/2021 15h30

Na medida em que avança no mundo, a vacinação contra a covid-19 se tornou a maior esperança dos países para vencer a pandemia. A imunização em massa vai viabilizar a retomada econômica nos cinco continentes. É neste contexto que um grupo de países em desenvolvimento, liderados pela Índia e a África do Sul, brigam na Organização Mundial do Comércio (OMC) para conseguir quebrar as patentes das vacinas já disponíveis - quase todas desenvolvidas por países ricos.

Nesse embate, segundo a imprensa brasileira, o governo do Brasil optou por se opor à proposta, o que representou uma virada na postura histórica da diplomacia do país. Brasília costumava liderar iniciativas como essa para viabilizar mais medicamentos genéricos para os países pobres. Desta vez, porém os brasileiros primeiro se colocaram ao lado dos países desenvolvidos e, nas últimas reuniões sobre o tema, preferiram o silêncio - evitando, assim, novos constragimentos com a Índia, de onde vêm os insumos importados para a produção das vacinas no Brasil.

"Juridicamente, a discussão é muito simples: não precisa de modificação legal nenhuma. O que está ocorrendo na esfera internacional é, sobretudo, política", afirma o advogado Gabriel Leonardos, vice-presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual. "Do ponto de vista do cabo de guerra das nações, o Brasil fez uma inflexão em relação a governos passados. No governo atual, há uma busca, que não está errada, de procurar uma inserção junto às economias mais desenvolvidas. A prioridade absoluta do governo brasileiro é o ingresso na OCDE e o posicionamento da OMC poderia se explicar por esse objetivo", analisa.

OMC prevê licença compulsória em casos de saúde pública

Leonardos, que também é presidente da Comissão de Propriedade Intelectual do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), explica que a licença compulsória de um produto, chamada popularmente de quebra de patentes, é reconhecida internacionalmente desde 1925. Há 20 anos, a OMC enquadra essa concessão diante da necessidade de saúde pública, entre outras circunstâncias.

"Todos misturam a discussão da capacitação técnica com a discussão das patentes. Eu acho infeliz essa mistura", avalia o especialista. "Não adianta nada decretar a licença compulsória e não ter a capacidade para explorar a invenção adequadamente, algo que exige uma capacidade industrial e uma logística muito sofisticadas."

Esse é o caso da maioria dos países em desenvolvimento e emergentes. No caso do Brasil, Leonardos relata que as perspectivas mais otimistas apontam que o país seria capaz de produzir o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) de uma das vacinas contra a Covid-19 em no mínimo um ano. A partir desta fórmula, o "coração" do imunizante, é que o produto pode ser fabricado em grande escala. "Hoje, se decretassem a licença compulsória de todas as vacinas, a gente iria ficar olhando para o horizonte. A gente não conseguiria, hoje, produzir nada", afirma o advogado.

É por isso que, até hoje, o país só determinou uma licença compulsória, a do medicamento Efavirenz, contra o vírus da aids - que o Brasil só foi capaz de fabricar sozinho três anos depois.

Acordo com fabricante traz mais benefícios

No caso atual, a opção de Brasília seria privilegiar acordos de licenciamento direto com as farmacêuticas, em vez de lançar a cartada da quebra de patentes, em meio à emergência sanitária.

"Quando é possível, é muito mais vantajoso fechar contratos diretos", frisa o especialista. "O acordo, do ponto de vista da qualidade do produto, da rapidez e da absorção da tecnologia, é sempre melhor. Você pode pagar mais, mas você também vai receber mais: a empresa vai no país, manda técnicos e ajuda na fabricação."

O advogado destaca ainda que a pandemia evidencia o quanto o planeta investiu pouco em vacinas nos últimos 50 anos. Em regra geral, o financiamento para o desenvolvimento de novos produtos é majoritariamente público.

"O sistema de patentes é eficaz para estimular inovações em medicamentos paliativos - o que, muitos dizem, é mais lucrativo, já que seria do interesse das empresas ter o medicamento que um doente vai precisar consumir por um longo tempo. Entretanto, ele não tem sido eficaz para estimular investimentos em vacinas", observa Leonardos. "A margem de lucro é muito pequena, o risco é imenso, os investimentos são brutais e, quando ela está pronta, tem o problema político do preço. Ninguém vê que, para chegar a uma determinada vacina, foram precisos US$ 30 bilhões de investimentos em pesquisa. As pessoas só veem o custo de fabricação, mas não é assim que funciona."

O advogado sublinha que a cada 10 mil moléculas pesquisadas, em geral só uma chega ao consumidor. "E esta uma tem que custear a pesquisa e o desenvolvimento não só dela própria, como de todos os outros que deram errado. É por isso que é preciso uma margem de lucro saudável", explica.

Leonardos ressalta ainda o papel de protagonista que a Índia, maior fabricante mundial de medicamentos genéricos, assumiu nesta pandemia - e que a iniciativa indiana na OMC reflete os interesses econômicos nacionais. "É para consumo interno, mas também para exportar para o mundo todo", resume.