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Eleitores sabiam da dimensão antidemocrática de Bolsonaro, diz especialista em extrema-direita

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) - Isac Nóbrega/PR
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) Imagem: Isac Nóbrega/PR

03/05/2021 06h46Atualizada em 03/05/2021 08h26

Jair Bolsonaro (sem partido) no Brasil, Marine Le Pen na França, Viktor Orbán na Hungria. Vários são os políticos contemporâneos associados à extrema-direita. Mesmo se nem todos se reconhecem nesse rótulo, de uma maneira geral eles seguem à risca à definição do conceito, que se baseia em uma visão do mundo dividida entre 'nós' e 'eles'.

Para Odilon Caldeira Neto, coordenador do Observatório da Extrema-Direita, esse é o denominador comum entre os adeptos dos extremos. E, no caso do Brasil, os eleitores que votaram no atual presidente tinham plena consciência da dimensão antidemocrática do projeto de Bolsonaro.

Quando os representantes do partido francês Reunião Nacional, ex-Frente Nacional de Jean Marie Le Pen, atualmente dirigido por sua filha Marine, são classificados como políticos de extrema direita, geralmente eles rejeitam a etiqueta. Diante de uma história europeia marcada pelo nazismo, ninguém quer, voluntariamente, vestir a carapuça de extremista.

No entanto, que eles queiram ou não, o discurso desses políticos corresponde perfeitamente ao conceito de extrema-direita teorizado pelos especialistas, como explica Caldeira Neto, professor de História Contemporânea da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora).

"Por definição, a extrema-direita está baseada em elementos como populismo, uma visão de mundo estabelecida fundamentalmente em uma divisão indissociável entre 'nós' e 'eles', grupos de indesejáveis, e propõe alguns processos de regeneração da nacionalidade e elementos como nativismo. Além, é claro de uma retórica e eventualmente políticas ultranacionalistas", afirmou.

No entanto, ele faz uma nuance entre a extrema-direita e a direita radical, que apesar de próximas, apresentam diferenças substanciais.

"A direita radical busca estabelecer uma prática política, inclusive eventualmente legislativa, dentro de alguma concordância com os princípios democráticos, de uma democracia representativa e liberal. Já a extrema-direita nega essa possibilidade de articulação mediante algum processo democrático eleitoral. Então a extrema-direita busca destruir a democracia. Busca subvertê-la", disse.

Para os analistas internacionais, Jair Bolsonaro é apresentado de forma categórica como um político de extrema-direita, mesmo se atua seguindo os ritos democráticos.

"Mas se levarmos em conta o histórico e o discurso de Bolsonaro, inclusive no processo eleitoral, em defesa da ditadura e em defesa de torturadores, evidentemente ele pode ser enquadrado dentro de uma dinâmica e de uma categoria analítica da extrema-direita brasileira", declarou Caldeira Neto.

Bolsonaro se beneficiou do desconforto provocado pelas minorias

O especialista também aponta que esses aspectos não eram nenhum segredo e que parte de seu eleitorado votou no atual chefe de Estado consciente do que representava o então candidato.

"Bolsonaro é uma pessoa que se construiu politicamente como uma espécie de lobista de interesses militares. Mas, mais do que isso, como um defensor das alas mais radicais e mais antidemocráticas da própria ditadura do Brasil, iniciada em 1964. Então, o discurso antidemocrático de Bolsonaro é um elemento circunstancial e central. E isso era algo popularmente conhecido, principalmente entre as pessoas minimamente informadas no noticiário político e na história política nacional", afirmou o especialista.

"Evidentemente, ele faz um processo de moldagens dessas aparas no processo eleitoral. Mas as suas características antidemocráticas são fundamentais", declarou.

Porém, prossegue o historiador, o atual presidente do Brasil se beneficiou de um sentimento de insatisfação latente, que vinha crescendo nos últimos anos na sociedade brasileira, principalmente diante dos processos de inclusão das minorias na agenda política e social do país.

"Isso gerou um elemento de desconforto em porções das classes médias urbanas, e também em algumas porções das elites políticas e eventualmente intelectuais e econômicas brasileiras", disse o professor.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.