'Talibãs têm força e querem voltar ao poder no Afeganistão', avalia especialista
Os talibãs e as forças do Exército afegão se enfrentaram nesta quinta-feira (8) pelo segundo dia consecutivo em Qala-i-Naw (noroeste), capital da província de Baghdis. Os rebeldes aproveitam a retirada quase completa das tropas americanas e da Otan para conquistar novos territórios no país.
Desde maio, os insurgentes se apoderaram de grandes áreas rurais e, agora, avançam em direção a cidades do norte e noroeste do país. A ofensiva contra esta capital de província de 75 mil habitantes deflagrou uma resposta das forças afegãs, que enviaram reforço militar à área. Soldados foram transportados de helicóptero e tentam expulsar os rebeldes.
O presidente afegão, Ashraf Ghani, disse que seu país está passando por uma das "etapas mais complicadas", em um momento no qual as tropas dos EUA e da Otan terminam sua retirada, mas insistiu que as forças do governo têm capacidade para combater os insurgentes.
O cientista político Romain Malejacq, professor da Universidade de Radboud, na Holanda, diz que o objetivo dos talibãs é restabelecer um emirado no Afeganistão e voltar ao poder, como fizeram na década de 1990.
Em entrevista à RFI, o especialista afirmou que não é possível prever se eles conseguirão conservar as áreas recentemente conquistadas. Malejacq destaca, por outro lado, que "o movimento talibã é forte, muito bem organizado e conta com recursos militares e financeiros, principalmente devido ao apoio do Paquistão" e de outras forças no exterior.
Na avaliação do cientista político, os 20 anos de presença das tropas ocidentais no Afeganistão permitiram ao movimento extremista islâmico se reorganizar e o tornaram ainda mais forte. "Os talibãs contam com o apoio de uma parte da sociedade afegã e também internacional", destaca.
Nesta quinta-feira, moradores de Qala-i-Naw relataram que rebeldes talibãs circulavam de motocicleta pelas ruas da cidade. O comércio permaneceu fechado, as ruas estavam desertas e quase metade dos moradores fugiu, pouco tempo antes da invasão. A ofensiva do movimento radical islâmico é a primeira contra uma capital de província depois da retirada de 90% das tropas americanas e de praticamente todo o contingente britânico.
Mulheres temem retrocessos
O retorno dos fundamentalistas causa grande apreensão entre as mulheres. Uma moradora de Qala-i-Naw, Parisila Herawai, disse à agência AFP que "ninguém conseguiu dormir à noite por causa dos bombardeios". "Como mulheres, estamos muito preocupadas (...). Se os talibãs ficarem na cidade, não poderemos trabalhar e perderemos todos os avanços em matéria de direitos das mulheres dos últimos 20 anos", afirmou.
A doutrina fundamentalista do grupo sunita obriga as mulheres a cobrir o corpo dos pés à cabeça com a burca, as impede de estudar e trabalhar, além de submetê-las à violência de maridos e familiares homens.
Zia Gul Habibi, membro do conselho provincial de Badghis, disse que "a situação não mudou realmente" desde quarta-feira, com combates "esporádicos" na cidade. No entanto, ela lamentou que "alguns membros das forças de segurança se uniram aos talibãs e os ajudam", completou.
Na quarta-feira, os insurgentes libertaram centenas de detidos da prisão municipal e assumiram o controle da delegacia.
No Twitter, o porta-voz do Ministério da Defesa, Fawad Aman, afirmou que "novos contigentes chegaram a Badghis na noite passada e iniciarão uma operação de grande envergadura".
Avanço implacável
Segundo uma autoridade de segurança que pediu para não ser identificada, a ofensiva talibã "afetou as províncias vizinhas", incluindo Herat, limítrofe com o Irã, onde os insurgentes tomaram dois distritos. "Isso espalhou um pouco de medo por toda parte", afirmou ele.
O encarregado de negócios da embaixada americana, Ross Wilson, criticou a ofensiva em Badghis que, segundo ele, "viola os direitos humanos" e "dificulta ainda mais a vida dos civis afegãos que já lutam contra a seca, a pobreza e o coronavírus".
Conforme relato da Human Rights Watch, os talibãs expulsaram 600 famílias da localidade de Bagh-e Sherk, na província de Kunduz, no norte do país. Os rebeldes saquearam ou incendiaram casas de civis que eles acusam de colaborar com o governo. "O que mais nos preocupa é o risco de uma espiral de vingança, de assassinatos, incêndios criminosos e pilhagem de casas", alerta Patricia Gossman, diretora da Human Rights Watch para a Ásia. Os fundamentalistas islâmicos já controlaram a província de Kunduz há 20 anos. Gossman teme que os atos de retaliação em grande escala estejam se tornando uma realidade.
Enquanto isso, a retirada das tropas americanas continua, apesar do avanço implacável dos talibãs e dos golpes sofridos pelas forças afegãs, que não contam mais com o crucial apoio aéreo dos americanos.
Na última semana, as forças estrangeiras abandonaram várias posições, incluindo a base aérea de Bagram, perto de Cabul. Bagram foi a instalação militar mais importante da coalizão internacional no Afeganistão e centro nevrálgico de suas operações neste país desde a invasão americana na esteira dos ataques de 11 de setembro de 2001.
A Casa Branca garante que a retirada de suas tropas será concluída até o final de agosto. Isso colocará um ponto final a 20 anos de presença americana no Afeganistão, a guerra mais longa da história dos Estados Unidos.
Reunião em Teerã não obtém avanços
O vizinho Irã, que tem interesses no Afeganistão, tenta intermediar uma solução aos conflito. Teerã promoveu uma reunião na quarta-feira (7) entre representantes talibãs e uma delegação do governo afegão. Apesar de ambos os lados terem manifestado a intenção de encerrar os combates, as negociações de paz entre os grupos politicamente constituídos e as facções afegãs, iniciadas em setembro de 2020 em Doha, seguem em ponto morto.
De acordo com Romain Malejacq, professor da Universidade de Radboud, na Holanda, pode parecer paradoxal que um país de maioria xiita como o Irã tenha apoiado o movimento sunita talibã, mas isto ocorreu porque ambos tinham o grupo Estado Islâmico como um inimigo comum.
Com a retirada das tropas ocidentais, é provável, segundo Malejacq, que tanto o Irã quanto o Paquistão, a Turquia, a Rússia e até a China tentem aumentar sua influência no Afeganistão.
Com informações da RFI e AFP
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