Topo

Esse conteúdo é antigo

Na mira dos russos, moradores de Mariupol, na Ucrânia, não acreditam que haverá guerra

20.fev.22 - Moradores locais caminham pelo porto da cidade industrial de Mariupol, localizada a cerca de 20 quilômetros das áreas controladas pelos rebeldes no leste da Ucrânia - CARLOS BARRIA/REUTERS
20.fev.22 - Moradores locais caminham pelo porto da cidade industrial de Mariupol, localizada a cerca de 20 quilômetros das áreas controladas pelos rebeldes no leste da Ucrânia Imagem: CARLOS BARRIA/REUTERS

Anastasia Becchio e Boris Vichith

Enviados especiais da RFI a Mariupol

21/02/2022 12h46Atualizada em 21/02/2022 13h05

Mariupol, a última grande cidade do leste da Ucrânia sob controle de Kiev, é considerada estratégica. Situada a cerca de 20 quilômetros da fronteira com a Rússia, ela seria um dos principais alvos em caso de uma invasão. A RFI foi até o local conversar com os moradores, que se recusam a acreditar na possibilidade de um ataque do país vizinho.

Mariupol é uma cidade portuária do mar de Azov e chegou a ser tomada durante pouco tempo pelos separatistas no início do conflito na Ucrânia, há oito anos. Mas, desde que voltou ao controle de Kiev, as autoridades tentam fazer dela um exemplo para as repúblicas autoproclamadas pró-russas. Um dos homens mais ricos do país, o oligarca ucraniano Rinat Akhmetov, que possui diversas usinas metalúrgicas, anunciou mais de US$ 1 bilhão de investimentos no local em 2022.

Até agora, Mariupol foi poupada pelo aumento das tensões entre a Rússia e a Ucrânia, apesar de, nos últimos dias, os moradores terem ouvido tiros e bombardeios na cidade. Eles convivem com a guerra há oito anos, o que os ajuda a relativizar a situação.

No domingo (20), muitos deles participaram dos eventos em homenagem ao aniversário dos incidentes da Revolução da Praça Maidan, em 2014, que na época se tornou palco de manifestações contra o governo e deixou dezenas de mortos. Religiosos, militares, autoridades locais e civis prestaram homenagem às vítimas do conflito.

Entre os moradores de Mariupol, o sentimento pró-europeu parece ser a regra. A jovem estudante Elisaveta Piskous conta à RFI que deixou a região separatista de Donetsk com a família, quando tinha 11 anos. "Infelizmente, a Ucrânia está menos forte hoje, mas esperamos que desta vez possamos resistir para não perder outros territórios, como aconteceu com Donetsk e a Crimeia", diz.

A aposentada Lioudmila Galbaï diz esperar que as regiões separatistas de Donetsk e Lugansk não voltem a ser integradas à Ucrânia. "Essas pessoas já estão muito longe de nós, pensam diferente da gente. Não imagino um futuro perto deles", afirma.

Trauma de bombardeios

Em 2015, o bairro de Vostochny foi bombardeado pelos rebeldes pró-russos, matando 32 pessoas e causando diversos estragos. No entanto, se o trauma continua vivo na memória dos moradores de Mariupol, muitos não se deixam impressionar pelo aumento das tensões entre Kiev e Moscou.

"Há alguns dias, as explosões foram tão fortes que as janelas e as paredes das casas tremeram. De vez em quando ouvimos tiros. Agora estamos acostumados. Mas não acredito que haverá uma invasão, os dois lados só estão tentando mostrar quem é o mais forte", pondera o aposentado Anatoli.

A jornalista ucraniana Anna Androtchuk diz que os moradores parecem não ter a inteção de fugir do local. "O bairro de Vostochny acabou se habituando a esse clima. Até eu, quando acordo com bombardeios às 4h da manhã, acabo voltando a dormir. Nem preparei uma "mochila de emergência", só juntei meus papeis de identidade. As pessoas não sabem direito o que esperar, nem o que fazer. Para eles, está claro que entrar em pânico não é a melhor solução", avalia.

Forte tensão nas regiões separatistas

Apesar da aparente calma dos civis, a tensão é forte entre os rebeldes e as forças ucranianas. Desde que o cessar-fogo começou a ser desrespeitado, na última sexta-feira (18), os ataques não dão trégua.

Nesta segunda-feira (21), o exército russo afirmou ter "eliminado" cinco militares ucranianos que ultrapassaram a fronteira na região de Rostov. Kiev desmentiu a informação. Os líderes ocidentais dizem temer há semanas que um incidente - verdadeiro ou não - seja utilizado por Moscou para justificar uma ofensiva russa na Ucrânia.

Logo depois, dirigentes de suas regiões separatistas de Donetsk e Lugansk pediram que o presidente russo, Vladimir Putin, os reconheça como independentes. Se isso ocorrer, a Rússia poderá enviar tropas a esses locais. Moscou diz que está avaliando essa possibilidade.