Universitária que se despiu em protesto no Irã vira ícone da resistência
No sábado passado (2), a jovem estudante Ahou Daryaei foi presa por andar de roupas íntimas em uma universidade do Irã. Ela é mais uma vítima do regime dos aiatolás, que têm uma polícia de costumes, lá chamada de manutenção da moral.
Para os aiatolás — e com apoio em fundamentalismo religioso — o corpo da mulher, caso exibido, torna-se pecaminoso.
Caso seja mostrado em público de maneira entendida como despudorada e desrespeitosa, o corpo da mulher vira símbolo de vergonha. O véu em desalinho vira causa de assassinato em nome de Alá. Há exemplos nos últimos dois anos.
Ahou estuda literatura francesa na Universidade Islâmica Azad. No campus, foi presa pela polícia dos costumes dos aiatolás.
O protesto de Ahou
Segundo informado reservadamente pelos estudantes, Ahou foi abordada por estar com um moletom de capuz, e não o véu a cobrir a cabeça.
Em protesto, Ahou saiu ao pátio externo e brevemente desfilou, apenas com roupas íntimas e sem véu, pela calçada do campus. Na sequência, sentou-se, recostando-se numa parede.
As imagens gravadas em celulares de diversos alunos mostraram que Ahou ficou seminua.
Uma caminhonete de cor branca, tipo camburão, usada pela polícia dos costumes, recolheu Ahou e a conduziu, pelo presumido, a uma prisão. Até agora não se sabe em qual prisão está. O certo mesmo é estar Ahou incomunicável.
Aiatolás e surto psiquiátrico
Para os aiatolás, alguém que se despe em público, em protesto, tem problemas psiquiátricos -- uma velha resposta para disfarçar o obscurantismo e querer encobrir flagrante atentado à liberdade pessoal.
Pasmem: no regime dos aiatolás, um surto psiquiátrico é atendido em cadeia, e não em hospital.
Com entendimento nada científico a respeito de surtos psiquiátricos, a estudante Ahou deverá, certamente, suportar anos em "tratamento" considerado psiquiátrico. Na verdade, passará por lavagem cerebral e a sua prisão, para os aiatolás, servirá de exemplo na "educação" às jovens iranianas.
Não esperavam os aiatolás que Ahou virasse um ícone da resistência de todos os cultores e ativistas dos direitos humanos.
Ahou conta com o apoio das mulheres mundo afora. Em breve, acredito, teremos a respeito os sempre brilhantes textos da Milly Lacombe, colunista do UOL. A estudante já tem a solidariedade da iraniana Narges Mohammadi, ativista de direitos humanos, escritora e vice-presidente do Centro de Defesa dos Direitos Humanos.
O Centro é liderado por Shirin Ebadi, prêmio Nobel da Paz de 2003. E merecido prêmio pela luta em favor das mulheres, crianças, refugiados, discriminados e oprimidos pelas ditaduras.
Toda nudez será castigada
No estado teocrático iraniano, para controle da moralidade, existe, como já frisado acima, uma polícia com poder repressor brutal. Uma polícia peculiar, vil, pois prende, tortura, violenta sexualmente e mata.
Para os aiatolás, e tomado de empréstimo o título do filme dirigido por Arnaldo Jabor, "toda nudez será castigada".
Nos dois últimos anos, por exemplo, essa rotulada polícia da moral e dos costumes, matou Mahsa Amini, em setembro de 2022; Armita Garawand, assassinada aos 17 anos, em outubro de 2023; e Nika Shakarami, abusada sexualmente e assassinada em setembro de 2022.
Assassinatos em nome de Alá
Só para recordar, em outubro de 2023 e ao sair do metrô, Armita Garawand, de 17 anos, foi espancada, e faleceu pelos traumas, pela polícia dos aiatolás.
O seu pecado mortal foi usar véu de maneira desalinhada e estar a caminho de uma manifestação pela liberdade da mulher e em homenagem a Marhsa Amini, uma curda-iraniana de 22 anos, presa e espancada até a morte pela polícia dos costumes, também por usar o véu de forma inadequada.
Pelo braço repressor da polícia dos costumes, os aiatolás das trevas, do obscurantismo medieval, reprimem com violência as manifestações de mulheres em busca de liberdade e ainda as obriga saírem veladas pelas ruas.
Momento político
Para os aiatolás, o caso Ahou vem em mau momento: o líder supremo, Ali Kamenei está enfermo e busca emplacar seu filho na sucessão.
Internamente, e informam os 007 da inteligência do Ocidente, a morte do ex-presidente Ebrahim Raisi, em acidente de helicóptero ocorrido em 19 de maio deste ano, ainda é misteriosa.
Raisi, que mantinha dissensos dentro da teocracia, era apontado como sucessor de Kamenei. Pela versão oficial, o acidente decorreu do mau tempo: Raisi, de 63 anos, retornava da inauguração de uma barragem na divisa com o Azerbaijão.
Kamenei aguarda o cumprimento da ordem enviada ao Conselho de Segurança Nacional. Ordem para atacar militarmente, em resposta a Israel pelo bombardeamento, em 26 de outubro último, às bases militares iranianas.
A teocracia iraniana atravessa -- e Kamenei sabe disso -- por momento de reprovação internacional. O Irã é considerado financiador do Hamas, dos houthis do Iêmen, do Hezbollah, das milícias iraquianas e das frentes sírias. E usa essas organizações para dominar e deter o seu controle regional, territorial e religioso, do Oriente Médio.
Além disso, o primeiro-ministro de Israel, o igualmente sanguinário Benjamin Netanyahu, quis, quando do ataque de 26 de outubro, conquistar os oprimidos cidadãos iranianos. Falou que eles vivem em um regime sem liberdade.
Como se percebe, Kamenei, que ainda não engoliu o assassinato sob suas barbas do líder político do Hamas, Ismail Haniya, passa por turbulência, descrédito e a prisão de Ahou é a prova provada da sua vilania.
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