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"Esse ouro tem sangue Yanomami", diz representante indígena sobre garimpo ilegal

Arquivo; Indígena yanomami acompanha agentes do Ibama durante operação contra garimpo ilegal na floresta amazônica - REUTERS/Bruno Kelly
Arquivo; Indígena yanomami acompanha agentes do Ibama durante operação contra garimpo ilegal na floresta amazônica Imagem: REUTERS/Bruno Kelly

Raquel Miura

Correspondente da RFI em Brasília

13/04/2022 08h27

Índios e entidades fazem apelo para que o mundo pare de comprar ouro de garimpos ilegais do Brasil. Comunidades indígenas vivem rotina de terror com estupros, mortes e fome devido ao avanço da atividade em suas terras.

Representantes indígenas estão acampados em Brasília em defesa da proteção da terra e do meio ambiente, em um momento em que o garimpo ilegal avança na Amazônia. A presença de garimpeiros clandestinos na Amazônia já é escancarada, mas hoje conta com o apoio da presidência da República.

Mas mesmo quem conhece essa realidade se surpreendeu com os relatos dos indígenas, que participam do ato na capital federal, acerca do impacto dramático e cruel dessa atividade ilegal nas comunidades.

O líder indígena e diretor da Hutukara Associação Yanomami, Maurício Ye'kwana, disse à RFI que há "muito medo devido à violência, à perda de nossos jovens que estão sendo aliciados. Em alguns locais há essa violência contra as mulheres, essa questão de relação sexual com nossas meninas. Em troca de comida, de um fardo de arroz, garimpeiros pressionam por casamento, por dormir com as mulheres yanomami".

Ainda que não seja de hoje a presença de garimpos ilegais na floresta, Ye'kwana disse que a situação piorou muito nos últimos anos. "Com essa atuação do presidente Bolsonaro, que diz que vai autorizar mineração e garimpo dentro das terras indígenas, isso tem motivado muito essas pessoas, grandes empresários".

Um relatório da Hutukara Associação Yanomami mostra casos de estupros, assassinatos, aliciamento, agressões, além de todo dano ao meio ambiente. São detalhes chocantes como a denúncia de que um garimpeiro que trabalhou no rio Apiaú ofereceu drogas e bebidas aos indígenas e depois, com os adultos inertes, estuprou uma criança. Há também descrições de que garimpeiros exigem sexo de adolescentes indígenas em troca de comida e forçam casamento com mulheres da comunidade sob promessa de envio de alimentos ao local.

Na região conhecida como polo-base Kayanaú, pesquisadores e antropólogos entrevistaram vários indígenas da região e ouviram que ao menos três crianças e adolescentes entre 10 anos e 13 anos morreram depois que foram abusadas por garimpeiros.

Tragédia humanitária

A vulnerabilidade dos indígenas vem da própria presença do garimpo, que destrói a base alimentar das comunidades, gerando desnutrição severa em crianças e adultos que, famintos, se tornam presas diante dos exploradores de ouro.

"Essas invasões cresceram mais de 300% nesses primeiros três anos do governo Bolsonaro. A situação é extremamente grave. Rios inteiros estão sendo completamente destruídos. O mercúrio contamina a água, os peixes e as pessoas, comprometendo a base alimentar desses povos", disse à RFI Marcio Santilli, ativista e sócio fundador do Instituto Socioambiental, que ajudou na elaboração desse levantamento nas terras Yanomami.

"Essas práticas acabam desestruturando por completo o sistema tradicional de roças e de sobrevivência. E isso leva a uma dependência crescente de cesta básica e insumos trazidos de fora para dentro. É um câncer mineral", afirma.

O Ministério Público Federal em Boa Vista entrou com ação na justiça para exigir providências urgentes ao governo federal na proteção dos índios, sob alegação de que está em curso uma tragédia humanitária contra essas comunidades.

Apoio internacional

Os indígenas estendem o apelo a governos e população de outros países, que se interessam pela defesa da Amazônia e seus povos nativos. "Não é uma parte. É a maior parte do ouro que é exportada para outros países. Esse ouro vai manchado com sangue Yanomami, com sangue Mundurucu, com sangue dos Caiapós. Então gostaríamos que outros países, outras populações possam pensar nisso antes de comprar uma joia, como um anel ou colares feitos de ouro. Isso não é uma riqueza, isso é uma vida que foi perdida dentro da terra indígena".

Países que não rastreiam a origem do ouro, estimulam garimpos ilegais e ajudam a construir o discurso do governo brasileiro, avalia Marcio Santilli do ISA. "Os demais países, a comunidade internacional não tem sido capaz, até aqui, de desenvolver mecanismos eficazes para rastrear a origem desse ouro", afirma.

Ele lembra que, semana passada, "um ministro do Supremo Tribunal Federal ligado a Bolsonaro, no julgamento de ações ambientais, pediu mais tempo para analisar os casos e já adiantou que pretende alegar, ao devolver o processo, que não é só o governo federal que é responsável pelo que está acontecendo na Amazônia, mas também os governos de outros países."

"Essa vista grossa do mundo em relação ao comércio internacional de ouro, de madeira, de outros produtos extraídos ilegalmente na Amazônia vai dando argumento para os próprios representantes da predação se defenderem e não se responsabilizarem pelo que está acontecendo", explica.

Márcio Santilli diz que o garimpo ilegal, que não respeita lei trabalhista nem tributária, acaba pressionando empresas legalizadas do setor numa disputal desleal cujo resultado pode ser muito ruim para os índios e para todo o meio ambiente.