Mortes, estupros e pânico: Haiti acumula assassinatos na capital em nova onda de violência
Desde domingo (24), a periferia da capital do Haiti, Porto Príncipe, virou uma verdadeira zona de guerra. Os moradores sobrevivem como reféns em meio a tiroteios e atos de violência perpetrados por dois grupos armados que brigam pelo controle da região. Ao menos 18 pessoas foram assassinadas até o momento.
Com informações de Stefanie Schüler, da RFI.
"Fomos acordados de madrugada pelos tiroteios violentíssimos. No domingo pela manhã, fomos para a igreja, mas durante a missa eles começaram a trocar tiros bem ali ao lado. Ficamos presos na igreja. Desde então, a situação só piora. E nem sempre sabemos de onde vêm os tiros", conta esse morador da região nordeste de Porto Príncipe, que pede para ficar em anonimato para garantir sua segurança.
A onda de violência atinge toda a região nordeste da capital haitiana, incluindo bairros como Santo, Marin, Shada, Croix-des-Mission, Butte Boyer, Bon Repos. A área é alvo de disputa entre dois grupos criminosos: os 400 Mawozo que tentam recuperar o controle do território que hoje é dominado por um homem que se autointitula "o Cão Malvado".
Nas redes sociais, vídeos mostram as ruas vazias cobertas por cápsulas de balas, testemunhas da violência que tomou conta dessa área.
Balas perdidas e traumas
"Na minha rua, um membro da gangue foi queimado vivo, com sua motocicleta. Foi aterrorizante. Meus filhos gritaram. Foi o pânico", conta um morador da região com maior número de tiroteios.
Há quatro dias, os moradores dessa área estão escondidos dentro de suas casas, cujas paredes nem sempre são suficientes para protegê-los da violência.
"Uma mulher que conheço bem morreu ontem", disse uma moradora, entre lágrimas: "Ela estava grávida e foi atingida por uma bala perdida. Conseguimos levá-la ao hospital, mas ela morreu e seu bebê também".
Outro habitante conta que sua casa foi incendiada por "homens armados da gangue 400 Mawozo ". "Eles mataram vários dos meus vizinhos antes de incendiar também suas casas", disse.
"Eles estupram as mulheres quando conseguem invadir as casas", afirma este homem que, por medo da violência, decidiu deixar sua casa com a mãe doente e dormir no meio de uma praça, em outra área da cidade.
Toda a área, conhecida como Plaine du Cul-de-Sac, está sitiada. O líder criminoso Cão Malvado montou barricadas em várias estradas para evitar que os 400 Mawozo chegassem com reforços.
"As escolas estão fechadas, as lojas e as pequenas empresas. Ninguém pode ir ao trabalho. Eu deveria ter saído hoje para ir trabalhar, mas não posso. Estamos completamente bloqueados, não podemos ir ao trabalho. Só ouvimos os tiros", explica este morador.
Com o bloqueio, habitantes começam a ficar sem água e comida.
"Decidimos reduzir nosso consumo. Mas depois de três dias, nossas reservas no armário foram consideravelmente reduzidas", explica um residente.
"Já não tenho água potável em casa", seu vizinho se preocupa: "A água que nos resta é apenas para beber. Não sei como vamos fazer amanhã".
Diante dessa onda de violência sem fim, algumas famílias preferem deixar suas casas e ir morar provisoriamente nas ruas em outros locais da cidade.
"Há habitantes desta área que deixaram suas casas para se refugiar na praça pública de Clercine e também na prefeitura de Tabarre", relata um residente.
Silêncio do governo
A violência na área Plaine du Cul-de-Sac lembra a guerra de gangues que perturba a vida dos moradores de Martissant: grupos criminosos controlam a península sul do Haiti desde junho de 2021. Os moradores de Plaine du Cul-de-Sac temem que algo parecido aconteça nesta área.
"Quero que as autoridades deste país digam algo", revolta-se uma mulher. "Há alguns meses, foi Martissant, depois foi Croix des Bouquets e agora está acontecendo conosco. Não suporto mais isto."
Na terça-feira, o governo provisório do primeiro-ministro Ariel Henry emitiu uma declaração que deveria sublinhar a vontade das autoridades de garantir a ordem pública. Mas o texto não menciona a situação na região.
"Estamos abandonados nas mãos de gangues que nos impedem de viver normalmente", suspira uma jovem haitiana. "Eu não espero por mais nada", diz um homem mais velho.
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