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Documentário francês expõe conversas entre Macron e Putin e irrita Rússia

"A etiqueta diplomática não permite vazamentos unilaterais de [tais] gravações", disse o chanceler russo - Mikhail Klimentyev/Gonzalo Fuentes/AFP
'A etiqueta diplomática não permite vazamentos unilaterais de [tais] gravações', disse o chanceler russo Imagem: Mikhail Klimentyev/Gonzalo Fuentes/AFP

06/07/2022 11h04

O documentário deveria mostrar os bastidores dos seis meses em que a França assumiu a presidência do Conselho da União Europeia, acompanhando os passos do presidente Emmanuel Macron e seu chanceler. Contudo, o filme mostra algo bem mais interessante: algumas das conversas entre Macron e Vladimir Putin nas semanas que antecederam a invasão russa à Ucrânia.

O documentário "Um presidente, a Europa e a Guerra" (em tradução livre), de Guy Lagache, foi ao ar na televisão pública francesa no dia 30 de junho e mostrou uma conversa telefônica de nove minutos entre os dois presidentes que aconteceu quatro dias antes da Rússia invadir o território ucraniano.

A exposição irritou o governo russo. Nesta quarta-feira (6), o chanceler Serguei Lavrov acusou a França de quebrar unilateralmente o sigilo das negociações. "A etiqueta diplomática não permite vazamentos unilaterais de [tais] gravações", disse Lavrov, que está em viagem ao Vietnã.

Uma conversa tensa e surpreendente

Gravada no dia 20 de fevereiro, a conversa telefônica mostra uma tentativa de Macron em evitar o conflito na Ucrânia, enquanto a Rússia amplia os exercícios militares na região da fronteira com o país vizinho.

O diálogo começa em tom amical, mas rapidamente muda de temperatura e termina com o presidente francês usando um discurso duro e nervoso contra Putin, que mantém um tom calmo e até cínico.

No filme, a conversa é mostrada a partir da sala dos conselheiros diplomáticos de Emmanuel Macron, que ouvem a conversa no viva-voz em outra sala do Palácio do Eliseu, enquanto tomam nota e enviam mensagens ao chefe de Estado francês.

O presidente francês inicia a conversa direto ao ponto: "Gostaria que você me desse sua leitura da atual situação primeiro e talvez de forma bastante direta, como nós dois costumamos fazer, me dissesse quais são suas intenções", diz Macron.

"O que posso dizer? Você pode ver por si mesmo o que está acontecendo", responde Putin com tom calmo, em referência aos acordos de Minsk, que seriam a base de negociação para garantir a paz possível no leste da Ucrânia. O russo acusa o presidente francês de tentar "rever os acordos" feitos após a anexação da Crimeia e pede que as propostas feitas pelos separatistas da Ucrânia sejam levadas em consideração para a construção da paz.

Macron sobe o tom e mostra irritação: "Eu não sei onde seu jurista aprendeu Direito. Eu leio o texto e tento aplicá-lo. Eu não sei que jurista poderia lhe dizer que em um país soberano as leis são propostas por grupos separatistas e não por autoridades democraticamente eleitas". A frase provoca risos entre os conselheiros diplomáticos franceses.

Putin responde que o governo de Volodymyr Zelensky não foi democraticamente eleito e chegou ao poder por meio de um violento golpe de estado. O russo volta a reclamar que os separatistas pró-russos não são ouvidos.

"Não queremos saber das propostas dos separatistas", diz o presidente francês, acrescentando que elas não estão previstas no acordo. Tentando se mostrar conciliador, Macron propõe uma reunião entre todas as partes. "Vou exigir isto de Zelensky [o presidente ucraniano]", afirma.

A reunião nunca aconteceu e, quatro dias mais tarde, a Rússia invadiu a Ucrânia, mostrando que a ofensiva estava preparada, apesar das numerosas negativas do Kremlim.

Não temos do que nos envergonhar

Apesar de mostrar incômodo com o filme, o chanceler afirmou que seu país não tinha motivos para esconder o conteúdo da conversa entre os dois líderes. "Sempre conduzimos as negociações de tal forma que nunca temos que nos envergonhar. Dizemos sempre o que pensamos, estamos prontos para responder por nossas palavras e explicar nossa posição", declarou Lavrov.

A Guerra na Ucrânia já completou mais de quatro meses, deixando milhares de mortos e longe de parecer ter solução.