Sofisticados e modernos, túneis tornam Hamas 'quase impenetrável' por Israel

O exército israelense começou sua operação terrestre na Faixa de Gaza e seu principal alvo é a rede subterrânea de túneis do Hamas. Ainda que este tipo de construção seja uma antiga estratégia de grupos radicais, a situação dos túneis da organização islâmica palestina é mais complexa, diz a especialista em conflitos bélicos em ambiente urbano Daphné Richemond-Barack, professora do Instituto Internacional de Contra-terrorismo da Universidade de Reichman, em Tel Aviv.

Ela explica que conhecer a estrutura e destruí-la é essencial para vencer a guerra, mas é uma missão extremamente complicada porque existe um desafio triplo.

1. Estão em zona urbana onde há população. "Mesmo que solicitássemos a evacuação, certamente restariam habitantes. São terrenos com casas, mesquitas e outras instalações habitadas", explica.

2. Há reféns ali. "Há prioridades a levar em conta, que incluem as vidas dos reféns e dos civis inocentes que se encontram na Faixa de Gaza, além dos riscos aos quais os soldados israelenses se sujeitam nestes túneis preparados pelo Hamas", completa.

3. As prioridades são 'completamente excludentes'. Israel, portanto, deve enfrentar um "quase insuperável do ponto de vista militar" para vencer o conflito.

"Eu estive dentro dos túneis que estão na fronteira entre Gaza e Israel, do lado israelense, os que passam embaixo da fronteira. Eu também estive em túneis que foram feitos pelo Hezbollah, na fronteira com o território israelense. Há 20 anos, o Hamas trabalha nesses túneis, então não é uma grande surpresa para o mundo que eles existam", diz.

" É um trabalho longo realizado pelo Hamas para construir uma rede subterrânea extremamente complexa, extremamente sofisticada e que torna esse grupo quase impenetrável."

A estratégia permite ao Hamas reduzir a vantagem militar de Israel, que tem um dos exércitos mais poderosos do mundo.

Diferentes túneis e finalidades

A especialista explica que os túneis podem ser usados para todo tipo de finalidade: cometer um ataque, fazer uma emboscada, sequestrar civis e soldados ou servir de passagem para o tráfico.

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"Mas os túneis não são iguais e a maneira de combatê-los, de detectá-los, de eliminá-los não é sempre a mesma", diz.

Alguns dos túneis mais conhecidos na fronteira entre a Faixa de Gaza e Israel foram descobertos em 2013, como o de Ein Hashlosha, e em 2014, durante a Operação Margem Protetora.

Existem também os que estão no território do sul do Líbano, mais antigos.

Alguns foram construídos pelo Hamas ligando Gaza ao Egito e são utilizados principalmente para o contrabando de armas.

O Egito tentou eliminá-los, sem muito sucesso. Esta rede provavelmente foi usada pelo Hamas para importar armas para o ataque do 7 de outubro, afirma a especialista.

Apesar de a Faixa de Gaza ser um território pequeno, com apenas 365 km², o circuito é imenso porque foi construído em zigue-zague e em diferentes níveis. Esta informação foi confirmada pelos reféns libertados que contaram ter andado por quilômetros embaixo da terra.

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"Há quilômetros de túneis e eles não são novos, se os compararmos com os do grupo Estado Islâmico, na Síria e no Iraque. Lá, seus integrantes também viviam nos túneis, talvez durante algumas semanas, alguns meses. O que está acontecendo em Gaza é em um nível totalmente diferente. É muito mais sofisticado e moderno", compara.

'Uma verdadeira base militar'

"É uma verdadeira base militar. Uma base militar sob uma população civil, o que por si só já é um crime de guerra, mas acima de tudo põe em perigo a população de Gaza. Sob seus pés, os expõe a explosões, desmoronamentos e ataques militares do exército israelense. Eles são as primeiras vítimas dessa guerra subterrânea", diz Richemond-Barack.

Segundo ela, a maioria das passagens subterrâneas não são muito largas. Mas é possível que existam lugares onde uma moto ou até um caminhão possa passar.

"Isso não está confirmado, mas é possível. É possível que existam locais onde as armas sejam fabricadas e armazenadas. Trata-se de um esforço militar digno de um Estado", diz.

Para conseguir erradicar os túneis completamente, Israel deve, antes de tudo, localizá-los. "Você tem que saber para onde eles estão indo, de onde estão saindo exatamente. Monitorar constantemente a fronteira para ver se há caminhões transportando terra, para ver se há galpões sendo criados para esconder um pouco essa atividade de construção de túneis. É um trabalho enorme", explica.

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Ela alerta que os túneis estão ficando cada vez mais profundos.

"O Hamas se beneficia de todo esse know-how obtido na Síria e no Iraque e pode haver influência do Irã. Não estamos necessariamente no fim das nossas surpresas e, mesmo que Israel tenha melhorado suas capacidades nessa área, deve saber que o Hamas também aprendeu e investiu. Essa é a realidade de uma corrida entre os dois lados", conclui.

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