Fuga de cérebros no Haiti afeta mercado de trabalho e ensino universitário em meio à crise do país

Milhares de funcionários públicos, comerciantes e diretores de empresas haitianos estão escolhendo partir para o exterior. Esse exílio afeta tanto o mercado de trabalho quanto o ensino superior, já que professores estão em falta em quase todo o país. Como no campus da Universidade Estadual do Haiti, em Limonade, perto de Cabo Haitiano, segunda cidade do país.

Vincent Souriau e Boris Vichith, enviados especiais da RFI ao Haiti

"Não há apenas um problema com os recursos humanos, mas, acima de tudo, há um problema com a transmissão de conhecimento", resume Dylan Bernard, aluno do quinto ano de medicina em Cabo Haitiano, enquanto monta em uma motocicleta com seu jaleco branco, frustrado com a quantidade de professores que estão indo para o exterior. 

"Temos que nos treinar e trabalhar mais, porque o que um professor teria feito por nós com suas habilidades, nós não temos mais", explica ele. "Na verdade, nos encontramos no modo autodidata. Não temos escolha a não ser aprender mais, mas é muito difícil. Todos nós tentamos trabalhar individualmente", lamenta.  

Nos últimos dois anos, houve um êxodo. Os professores universitários haitianos são os mais mal pagos do Caribe. Mas foi a crise sociopolítica que realmente freou o processo, diz o vice-presidente do campus, Claudel Noël. "Alguns professores se mudaram, mas eles podem ser substituídos. Para outros, é mais difícil, como nas faculdades de Ciências, Agronomia e Humanidades. Esse efeito é sentido em toda a universidade".  

A outra fuga de cérebros ocorre entre os próprios estudantes, com uma queda significativa no número de matrículas em universidades. Com o transporte muito caro e a insegurança muito alta, eles estão sonhando com uma vida melhor fora do Haiti

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Haitianos são repatriados à força apesar da crise 

Mais de 50 haitianos expulsos dos Estados Unidos foram repatriados à força de avião na quinta-feira (18) pelo aeroporto internacional de Cabo Haitiano, o único ainda em funcionamento no país. Entre a intransigência de Washington, a crise diplomática com a República Dominicana e a violência de gangues poderosas, os haitianos se encontram em uma situação difícil.

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Washington está retomando as deportações de cidadãos haitianos, apesar da grave crise que afeta Porto Príncipe, a capital, e todo o centro do país. Essa é a primeira vez que isso acontece desde janeiro e pegou muitos de surpresa, dada a piora do clima de segurança no Haiti. E mesmo se muitos desses indivíduos estavam em solo americano de forma irregular, a decisão de Washington provocou um protesto de várias organizações de direitos humanos. 

Essa decisão se soma a medidas semelhantes tomadas pela República Dominicana, país vizinho do Haiti, embora em um contexto diferente, já que uma crise diplomática se arrasta entre os dois vizinhos há meses. Em setembro de 2023, o governo dominicano decidiu fechar suas fronteiras para os haitianos, cujo país já estava em meio a um surto de violência. E isso apesar do fato de a República Dominicana funcionar como um pulmão econômico para os haitianos, muitos dos quais trabalham e compram seus suprimentos no país caribenho, já que a maioria dos produtos vendidos no norte do Haiti e além vem de lá. 

E, desde então, não houve nenhuma flexibilização dos controles de fronteira, apesar da crise causada pelas gangues no Haiti. Houve uma pequena melhora, pelo menos no papel, por motivos econômicos. Após algumas semanas, a presidência dominicana restabeleceu o que chamou de "corredores comerciais provisórios", em teoria com controle militar rigoroso e registro biométrico para evitar travessias ilegais. 

De fato, a situação em Ouanaminthe, na fronteira norte entre o Haiti e a República Dominicana, se assemelha a uma peneira. A linha de demarcação é possível ser cruzada praticamente sem controle. Para os haitianos, isso é uma boa e uma má notícia. A boa notícia é que eles ainda podem comprar produtos comerciais no lado dominicano. A má notícia é que, se conseguirem permanecer na República Dominicana, estarão cada vez mais sujeitos à extorsão e ao tráfico orquestrado pelas máfias locais.

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