'Faça amor, não baseados': venda de cannabis 'light' vira alvo do governo italiano

O governo da Itália anunciou que pretende proibir o cultivo e a venda de "cannabis light", como são chamados os suprimentos de cannabis com níveis de THC muito baixos, inferiores à 0,6%. A iniciativa põe em perigo um setor que emprega até 15 mil pessoas.

Na Itália, além do tabaco tradicional, é possível fumar legalmente a "cannabis light", ou seja, uma maconha leve com baixa concentração de THC. Trata-se de uma variedade da planta mãe, a Cannabis sativa. O tetraidrocanabinol, mais conhecido como THC, é uma das moléculas contidas na cannabis que produz efeitos psicotrópicos.

Segundo a legislação italiana, quando o THC está presente na cannabis em quantidade inferior a 0,6% não é considerada droga ilícita. Portanto, a chamada cannabis light é liberada para produção e venda, na forma de inflorescências, óleo ou chás de ervas. Pelo menos por enquanto, porque o governo de extrema-direita quer proibir.

A medida foi apresentada em 1° de agosto como emenda a um projeto de lei que poderá ser aprovado em setembro no parlamento. Esta medida faz parte de um pacote de disposições sobre segurança, atualmente em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.

Se for aprovada, a emenda vai equiparar a cannabis light à maconha em geral, ou seja, uma droga ilegal no país.

Na Itália, desde 2017, o cultivo e comércio de maconha leve é permitido por lei, o que possibilitou que centenas de empresas agrícolas italianas produzissem e trabalhassem com a cannabis com baixos níveis de THC.

Consequências da proibição da maconha leve

Caso proíbam, o impacto econômico desta decisão será significativo porque este é um mercado em rápida expansão em Itália. A cadeia de cultivo da cannabis light, transformação e venda gera um volume de negócios estimado em cerca de 500 milhões de euros por ano, aproximadamente R$ 3 bilhões.

Raffaele Desiante, presidente da associação dos empresários do setor de cannabis light industrial (Imprenditori Canapa Italia - ICI) disse ao jornal italiano La Repubblica que poderão ser afetadas cerca de 3.000 empresas que empregam 10.000 trabalhadores permanentes e mais 5.000 no período de verão. Ele explicou também que a colheita está prevista para o final de setembro.

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Se a lei for aprovada acarretará grandes problemas: os investimentos já realizados e armazéns cheios de inflorescências serão perdidos. Isto afetará diversas áreas, como a cosmética, fitoterapia, e suplementos alimentares. Nos últimos anos, em todo o país, foram abertas muitas lojas especializadas na venda de maconha leve e produtos derivados. Estas serão forçadas a fechar.

Além disso, todas as empresas que trabalham com a cannabis light de repente deverão encerrar as atividades ou serão consideradas ilegais com pesadas implicações criminais para todo o setor.

Vale lembrar que na Itália quem cultiva ilegalmente maconha, arrisca uma pena de dois a seis anos de prisão e uma multa que pode chegar até cerca de 77 mil euros, aproximadamente R$ 470 mil.

Efeitos do CBD

A cannabis light não é narcótica e se tornou popular por vários motivos. Ao longo dos anos, os pesquisadores identificaram vários canabinóides na planta de cannabis, incluindo o canabidinol CBD que tem despertado interesse devido à falta de efeitos psicoativos e ao seu potencial terapêutico.

Muitas pessoas o utilizam o CBD contido na maconha leve como uma alternativa natural para aliviar a dor, a ansiedade e a inflamação, entre muitas outras doenças. Além disso, muita gente considera a cannabis light útil para relaxar. Os cientistas continuam estudando os benefícios e os ricos do CBD.

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Decisão é ideológica, apontam especialistas

Para muitos especialistas, a decisão do governo é ideológica e não tem base científica. A medida é fortemente contestada por todos os partidos da oposição de centro-esquerda. O deputado Riccardo Magi, líder do partido progressista +Europa ressaltou: "O governo, dominado pela fúria ideológica, mata o setor da cannabis light, cancela 11 mil empregos e ainda acha que lutou contra as drogas".

Já a colisão de direita e extrema-direita defende a medida com convicção. Para o senador Maurizio Gasparri, do partido Força Itália, "as regras para esmagar o mercado de cannabis light são boas". Ele disse que "é uma ação contra cadeias comerciais paralelas que acabam por promover o uso de drogas".

A deputada Augusta Montaruli do partido Irmãos de Itália, relatora da emenda no projeto de lei, frisou: "São medidas essenciais para o governo".

Não é a primeira vez que a extrema-direita italiana tenta proibir o cultivo e venda da cannabis light. Em maio de 2019 o então ministro do Interior, Matteo Salvini, líder do partido Liga, anunciou que acabaria com o comércio de cannabis light porque "é um incentivo ao uso de drogas".

Foi então que, a ministra da Saúde, Giulia Grillo, do Movimento 5 Estrelas, partido antissistema que na época era aliado da Liga no governo, respondeu: "Não devemos dar informações erradas, porque nas lojas de cannabis light não se vende droga".

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Em 5 de junho, uma jovem ativista do "LegaleMeglio" que luta pela legalização da maconha leve desafiou Matteo Salvini durante uma coletiva na associação da imprensa estrangeira (Stampa Estera) em Roma. Ela protestou contra o projeto de lei anunciado que visa a proibição. A mulher exibiu um cartaz e entregou ao secretário da Liga um vaso com uma pequena planta de cannabis light "made in Italy". "Essa planta é produzida por empresários italianos que você quer criminalizar", disse a ativista.

Salvini respondeu: "Fume a cannabis na tua casa. Na minha casa, as drogas estão mortas". Ele acrescentou: "Faça amor, não faça baseados". Em seguida, o político esmagou a plantinha com as mãos e dirigiu-se aos jornalistas: "Acho que expressei minha opinião contra qualquer tipo de legalização das drogas. Elas são prejudiciais. Dito isto, essa é a beleza da democracia", frisou o líder populista.

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