'A vergonha não é nossa, é deles', diz francesa drogada pelo marido e estuprada por dezenas de homens

"O estuprador não é alguém que você encontra em um estacionamento tarde da noite. Ele também pode estar na família, entre amigos", também insistiu Gisèle Pélicot, que testemunhou nesta quarta-feira (23) perante o tribunal criminal de Vaucluse, no sul da França, durante o julgamento de seu marido, Dominique, que a drogou e convidou dezenas de homens a estuprá-la, quando ela se encontrava inconsciente, durante 10 anos.

 

"Não sei como vou me reconstruir, como vou superar tudo isso", explicou Gisèle Pelicot, 71 anos, perante o tribunal criminal de Vaucluse.

Ela enfatizou seu desejo de que o julgamento fosse realizado a portas abertas para que "todas as mulheres vítimas de estupro pudessem dizer a si mesmas: 'Madame Pélicot conseguiu, nós podemos conseguir'. Não quero que elas sintam mais vergonha. A vergonha não é nossa, é deles. (...) Acima de tudo, estou expressando minha determinação de mudar a sociedade", declarou perante o tribunal.

"Como ele pôde me trair assim?"

"Gostaria de me dirigir ao Sr. Pélicot", disse Gisèle Pélicot, a alguns metros de distância de seu ex-marido e principal réu no julgamento, Dominique Pélicot, que baixou os olhos durante todo o discurso de sua ex-mulher.

"Passei quatro anos me preparando para este julgamento. Mas ainda não entendi o porquê disso tudo", continuou ela, com a voz menos confiante do que no início de seu depoimento. 

"Estou tentando entender como esse homem, que era o homem perfeito para mim, pode ter chegado a esse ponto. Como ele pôde me trair tanto? Como pôde deixar pessoas entrarem em meu quarto? O senhor sabia da minha aversão ao swing", continuou a septuagenária, oscilando entre sua primeira mensagem direta para o homem com quem viveu por 50 anos, e seu discurso para a plateia no tribunal. 

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"Tivemos três filhos e sete netos. (...) Como ele pode ter me traído tanto?", pergunta Gisèle Pélicot. "Não sei se minha vida será suficiente para entender", disse ainda ela, acrescentando que vai 'ao psiquiatra toda segunda-feira'.

Eu quero dizer a ele [seu marido e réu no processo, Dominique Pélicot]: "Sempre tentei puxar você para cima, para a luz. Você escolheu as profundezas da alma humana", insistiu ela.

Um estuprador não é alguém que você encontra em um estacionamento tarde da noite. Ele também pode estar na família, entre amigos

Gisèle Pélicot também falou sobre as muitas mulheres da comitiva do acusado que testemunharam em seu nome no banco dos réus. "Eu vi essas mulheres, essas mães, essas irmãs, testemunharem no banco dos réus que seu filho, seu irmão, seu pai, seu marido era um homem excepcional", disse ela.

"Eu tinha o mesmo homem em casa. Um estuprador não é alguém que você encontra em um estacionamento tarde da noite. Ele também pode estar na família, entre amigos", disse a septuagenária.

Quando eles pedem desculpas, pedem desculpas a si mesmos...

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Ela também fez um balanço das primeiras semanas do julgamento, durante as quais às vezes era confrontada com perguntas inquisitivas da defesa. "Disseram-me que eu era uma espécie de cúmplice voluntária. Eles até tentaram me dizer que eu era alcoólatra. É preciso ser forte para estar aqui hoje neste tribunal criminal", sublinhou.

O promotor público lhe perguntou o que ela achava das desculpas apresentadas a ela por alguns dos réus. "Elas são inaudíveis. Porque quando eles pedem desculpas, pedem desculpas a si mesmos...", disse Gisèle Pelicot.

"A senhora conseguiu se expressar duas vezes, com grande dignidade e força. Como está hoje?", continuou o magistrado. "Ouço muitas mulheres e homens me dizerem: 'Você tem muita coragem'. Não é coragem, é a vontade e a determinação de fazer esta sociedade avançar", disse Gisèle Pelicot com uma voz confiante.

(Com agências)

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