Jamil Chade

Jamil Chade

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Extrema direita prepara ofensiva global com eventual volta de Trump

Nos últimos dias do governo de Donald Trump, em 2021, a então subsecretária para Família, Valerie Huber, enviou um email a seus aliados para se despedir. O primeiro mandato do republicano havia chegado ao fim, diante da derrota para Joe Biden. Mas, na mensagem, a representante ultraconservadora pedia que a mobilização de grupos reacionários não fosse desfeita e sugeriu que todos continuassem em contato com o governo de Jair Bolsonaro para manter viva a aliança global de extrema direita.

Agora, a esperança de uma eventual nova vitória de Trump, nas eleições em duas semanas, reascende as articulações de grupos de extrema direita no Brasil, Espanha, Argentina, Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Hungria, Eslováquia, Áustria e Holanda para costurar uma ofensiva ultraconservadora de dimensão global.

Numa guerra cultural declarada, o objetivo é o de retomar alianças que possam atuar dentro da ONU (Organização das Nações Unidas), OMS (Organização Mundial da Saúde) e outros organismos internacionais contra qualquer avanço nos direitos das mulheres ou na ampliação de direitos humanos para grupos vulneráveis, como LGBTQI+. A previsão é de cortes para programas sobre saúde sexual, direitos reprodutivos e agendas que promovem o conceito de gênero.

O cálculo é de que, com a diplomacia americana sobre o controle da extrema direita, grupos pelo mundo poderão reforçar seu posicionamento, receber apoio em eleições locais, ampliar barreiras à imigração e minar pautas de defesa de minorias.

O UOL acompanhou algumas das principais reuniões dos movimentos ultraconservadores nos últimos meses e constatou como o objetivo foi o de formar um arco de extrema direita entre a Europa, América Latina e os EUA.

Com uma intensa articulação nos bastidores, alguns dos principais nomes do movimento americano, como Steve Bannon, já vinha alertando que o êxito nas urnas na Europa de grupos de extrema direita era um sinal de que, se Trump saísse vencedor, uma transformação na agenda internacional poderia ocorrer. "As placas tectônicas estão se movendo", disse.

Os ultraconservadores americanos têm até mesmo seu articulador internacional. Richard Grenell, que foi embaixador de Trump na Alemanha, é cotado para assumir a diplomacia americana caso o republicano vença.

Nos últimos meses, ele tem circulado pela América Central, promovido turbulências na Guatemala e tem acusado o governo Biden de estimular "ideias de esquerda" na América Latina. Ele é ainda apontado como o homem que tem trabalho para criar uma rede de líderes de extrema direita, incluindo o húngaro Viktor Orbán.

"Se Trump voltar, abriremos várias garrafas de champanhe", disse Orbán durante uma entrevista coletiva em 10 de outubro. O líder húngaro visitou Trump em Mar-a-Lago em julho, depois de participar de uma cúpula da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em Washington.

Continua após a publicidade

Nos bastidores, porém, a articulação já vem ocorrendo há anos, muitas vezes sem alarde. Ainda em 2018, numa entrevista a um site mantido pelos movimentos mais reacionários nos EUA, Grenell expressou grande entusiasmo com a onda de conservadorismo na Europa, dizendo que desejava "capacitar" os líderes do movimento.

"Há muitos conservadores em toda a Europa que entraram em contato comigo para dizer que sentem que há um ressurgimento. Quero muito capacitar outros conservadores da Europa, outros líderes. Acho que há uma onda de políticas conservadoras que estão se firmando por causa das políticas fracassadas da esquerda", disse, ao assumir seu cargo de embaixador.

Dois anos depois, ele era um dos convidados de Trump para uma recepção na Flórida para o então presidente Jair Bolsonaro.

O envolvimento de bolsonaristas também foi notado quando, no mês passado, grupos de extrema direita se reuniram em Buenos Aires para o Foro Madrid. No documento final do evento organizado por movimentos ultraconservadores de 15 países da região e da Europa, os participantes declararam seu apoio à eleição de Trump e alertaram para um "duro golpe" para a região se Kamala Harris vencer.

O evento foi montado pela Fundación Disenso, comandada pelo Vox, partido herdeiro do franquismo na Espanha. A entidade tem, em sua direção, o ex-chanceler brasileiro Ernesto Araújo.

No documento aprovado, o grupo ainda aponta para o "nexo" de Harris com a "esquerda radical" e diz que a Ibero-América é central para fazer "retroceder o socialismo".

Continua após a publicidade

"Reafirmamos a vontade de continuar a implacável batalha cultural pela defesa do Ocidente contra o marxismo cultural destrutivo e a engenharia social totalitária em todas as suas manifestações, seja o 'wokismo' [movimento ideológico que defende uma tomada de consciência e a intervenção face a questões de discriminação ou injustiça social], o progressismo ou o socialismo de qualquer tipo", diz o documento.

O movimento não é apenas diplomático. Autoridades americanas notaram que, conforme o candidato republicano vem recuperando espaço nas pesquisas, membros do grupo Proud Boys passaram a fazer parte dos comícios de Trump. Quatro ex-dirigentes do movimento radical e supremacista foram condenados pela invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Cada um deles pegou mais de 15 anos de prisão.

Agora, a esperança do grupo é de que, se Trump for eleito, ele perdoará os criminosos. O republicano, na semana passada, qualificou o dia 6 de janeiro como "o dia do amor".

Outra constatação é o aumento do movimento no interior dos Estados Unidos no recrutamento por parte de grupos de ódio.

Depois das mentiras de Trump sobre os haitianos em Ohio, indicando que eles estariam comendo animais de estimação dos americanos, grupos radicais passaram a ameaçar os estrangeiros no estado. No mesmo estado, o grupo neonazista Active Club também passou a recrutar, alegando que existe uma "invasão" do território americano por estrangeiros.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes