Macron expõe a Milei oposição francesa a acordo UE-Mercosul, pressionado por protestos de agricultores

O presidente francês, Emmanuel Macron, reuniu-se neste domingo (17) em Buenos Aires com o presidente argentino, Javier Milei, com o duplo objetivo de "defender" os agricultores franceses mobilizados contra o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul e de convencer o líder ultraliberal a não abandonar o combate às mudanças climáticas. A viagem de Macron, no contexto da cúpula do G20 que acontece esta semana no Rio de Janeiro, é marcada pela pressão da Comissão Europeia para ratificar o tratado até o fim deste ano.

O texto foi assinado em 2019, mas jamais foi ratificado. Pelo lado brasileiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também desejava concluir o processo de ratificação em 2024, apoiado por potências europeias como a Alemanha e a Espanha.

Na França, entretanto, a oposição segue intacta. Mais de 80 manifestações de agricultores estão previstas em todo o país nesta segunda (18) e terça-feira (19), com possíveis bloqueios de rodovias. Menos de um ano depois de uma onda de indignação no campo, que resultou em janeiro de 2024 no bloqueio de autoestradas francesas, a Federação Nacional dos Sindicatos dos Agricultores (FNSEA) e o seu aliado Jovens Agricultores (JA) optaram por relançar o movimento.

O acordo com o Mercosul não é o único alvo: eles também denunciam os impactos da colheita ruim de 2024, os prejuízos ligados às novas doenças animais e a pressão, por parte dos varejistas, de venderem a preços cada vez mais baixos.

Razões da revolta de agricultores

Neste contexto, os produtores rurais temem os efeitos da entrada de carne latino-americana no bloco europeu livres de impostos e alertam sobre a concorrência desleal dos produtos, que não estão sujeitos às rigorosas normas ambientais e sanitárias em vigor na Europa.

Em Buenos Aires e depois no Rio de Janeiro, Emmanuel Macron será o porta-voz desta rejeição, ainda que ele deva convencer principalmente os outros europeus a não ignorarem a oposição francesa. O presidente insiste que Paris rejeita o texto "tal como está" e exige que sejam incluídos o respeito às mesmas normas europeias, além do Acordo de Paris sobre o clima.

Neste domingo, depois de uma homenagem simbólica às vítimas francesas da ditadura militar argentina, o chefe de Estado francês foi recebido por Milei na Casa Rosada, o palácio presidencial argentino. Foi o segundo tête-à-tête entre os dois neste fim de semana, depois de um jantar no sábado (16), no início da viagem de seis dias de Macron pela América Latina.

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"Vamos falar dos nossos interesses comerciais, do nosso comércio, da defesa da nossa agricultura e dos nossos agricultores", havia antecipado Macron nas redes sociais, antes de aterrissar na Argentina. "Nem sempre pensamos a mesma coisa sobre muitos assuntos, mas é muito útil trocar ideias para nos prepararmos" para o G20", do qual os dois líderes participarão na segunda e terça-feira, no Brasil.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula van der Leyen, também participa da cúpula, em nome do bloco europeu.

Como a Comissão Europeia poderá 'atropelar' oposição francesa?

A União Europeia parece determinada a concluir um acordo de comércio livre com o Mercosul, apesar da oposição da França. Entenda como isso poderia ocorrer:

  • Como está a negociação?

A Comissão Europeia é a única negociadora dos acordos comerciais feitos pela União Europeia, após ter recebido um mandato dos Estados-Membros. Um primeiro acordo com o Mercosul foi concluído em 2019, mas até agora não foi ratificado para que entrasse em vigor.

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O mandato adotado não pode, em princípio, ser modificado durante as discussões, lembrou esta semana a presidência húngara do Conselho da União Europeia, que reúne os líderes dos 27 países integrantes do bloco.

Uma vez concluída a negociação com o Mercosul, a Comissão coloca um projeto de texto sobre a mesa do Conselho para acordo.

  • Como é tomada a decisão?

A Comissão Europeia tem duas opções: pode enviar seu projeto de acordo como está ou dividi-lo em duas partes.

No primeiro caso, será necessário que este tratado de comércio livre seja ratificado pelos 27 parlamentos nacionais, porque contém elementos de competência nacional, como a proteção dos investimentos.

No segundo caso, o tratado é dividido em duas partes, incluindo uma parte estritamente comercial, a mais importante, que detalha todas as medidas relativas às trocas comerciais entre os dois blocos, da indústria aos serviços, passando pela agricultura.

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A França alega que esta possibilidade é contrária ao mandato conferido pelos 27 países à Comissão. Esta opção permite a adoção do texto pelo Conselho da UE por maioria qualificada.

A Comissão ainda não indicou se vai tomar esta decisão, mas se optar por uma votação por maioria qualificada, buscaria acelerar o processo de tomada de decisão, travada pela oposição não só francesa, mas de outros países como Hungria, Polônia, Irlanda e Holanda.

  • A França pode bloquear a decisão do Conselho da UE?

Sim. Para isso, precisaria reunir uma minoria de bloqueio no momento da votação dos 27 países. A votação por maioria qualificada prevê adoção se 55% dos Estados-membros, ou 15 países, representando pelo menos 65% da população, votarem a favor.

Para evitar esta adoção, pelo menos quatro países devem ser reunidos - ou seja, mais ao menos três além da França. Mas isso pode não ser suficiente: devem ser países com populações suficientes para impedir que os favoráveis ao acordo cheguem a 65% da população total da UE.

A França deve, portanto, reunir três outros países que não podem ser apenas Malta, Chipre ou Luxemburgo.

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A Polônia e a Áustria manifestaram a sua oposição no passado, mas a pressão dos defensores, Alemanha e Espanha na liderança, tem sido muito forte no sentido de aprovarem o acordo.

  • Como a ratificação é finalizada?

O tratado, dividido ou não, deve ser ratificado pelo Parlamento Europeu. Nesta instância, a França tem outra possibilidade de bloquear o acordo, uma vez que os eurodeputados estão divididos sobre o tema.

A esmagadora maioria dos eurodeputados franceses, de todas as correntes políticas, é contra. Eles devem poder contar com o apoio de muitos dos eurodeputados da esquerda radical e ambientalistas.

Mas entre os representantes do centro, da direita e da extrema-direita, não há uma tendência de voto definida sobre o tema.

Com informações da AFP

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