Denúncia contra Bolsonaro impõe desafios à direita e dá respiro ao governo

Com a certeza que haverá condenação do ex-presidente, direita e esquerda avaliam estratégias para montar narrativa eleitoralmente eficaz sobre tentativa de golpe de Estado de olho na disputa do ano que vem. O Supremo Tribunal Federal também tem de decidir questões importantes sobre o tema, como o número de ministros que vão participar do julgamento.

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

Para quem enfrenta uma maré de notícias negativas, sair um pouco do holofote é um respiro e tanto. Dividir o palco das críticas é comemorar vitória. É isso que a denúncia do Ministério Público contra Jair Bolsonaro e mais 33 pessoas significa hoje para o governo Lula. Tanto que há uma certa cautela para calibrar as reações governistas e não desgastá-las no circo da polarização.

É que o assunto com certeza será usado daqui até o ano que vem para tentar desqualificar adversários eleitorais. A direita, por sua vez, também tem importantes decisões a tomar a partir da denúncia de Paulo Gonet, especialmente mostrar o tempo de duração do apoio a Jair Bolsonaro.

"Considerando que é 100% garantido que o ex-presidente vai ser condenado, até porque o Supremo Tribunal Federal inegavelmente é julgador, mas também se percebe como vítima dentro desse processo, a direita vai ter que se posicionar até onde vai seu apoio a Bolsonaro, até onde vão as críticas ao STF, até onde eles vão na aprovação de uma anistia e até onde eles vão na defesa do ex-presidente. Eles vão fazer como o PT fez na ocasião que Lula foi preso, vão para cadeia junto com o ex-presidente?", indaga o cientista político Leonardo Barreto, da consultoria Think Policy.

Para o analista, a denúncia apresentada esta semana coloca o debate sobre a culpa ou não de Bolsonaro no debate político e, a partir daí, os grupos traçam suas estratégias. "A fala do presidente Lula sobre esse tema é sintomática. Ele disse que se eles forem inocentados de tentarem matar o presidente, o vice e o ministro, talvez possam ficar livres. Lula busca pontuar o seu papel de vítima no processo."

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"Tudo isso com o objetivo de renovar uma percepção na população de que as forças que ameaçaram a democracia no 8 de janeiro continuam ativas, são perigosas e precisam ser derrotadas de novo em 2026. Não há dúvida de que essa será a narrativa da esquerda, e, se for possível, grudar a pecha de não-democráticos também em políticos oposicionistas que não estão envolvidos com os eventos de 8 de janeiro", analisa Barreto.

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Sobre o andamento processual, a principal expectativa é quanto ao tempo que o Supremo levará para analisar o caso, além de decidir quais ministros vão participar do julgamento. "O próprio STF diz que tem interesse em concluir o julgamento ainda este ano para que não haja contaminação com o processo eleitoral de 2026. Acho difícil porque é um processo muito longo, são 34 pessoas, um rol de testemunhas, um rol de provas a serem analisadas. Se houver um esforço concentrado pode ser até possível, mas não é fácil", projeta o advogado e cientista político Valdir Pucci.

O analista também comentou as provas elencadas na denúncia: "Há elementos muito fortes na peça de Gonet. Há ali provas documentais e a apresentação dos próprios depoimentos. Agora tudo vai ficar mais esclarecido quando pudermos ler e analisar as condições da delação premiada de Mauro Cid. Mas se a base for a peça do Ministério Público e tudo for provado, há sim elementos robustos, com destaque para a minuta do golpe e as mensagens de WhatsApp", ressalta Pucci.

Para o advogado, "tudo isso dá muita consistência ao que foi apresentado. A questão que será julgada é se, de fato, há correlação disso com tentativa de golpe de Estado."

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