UOL Investiga T1E3: Queiroz, amigo com papel central na vida familiar do clã Bolsonaro
O escândalo das rachadinhas, nome popular para a prática criminosa do peculato, revela o passado oculto do presidente Jair Bolsonaro. Este é o tema do podcast "UOL Investiga - A Vida Secreta de Jair". Intitulado "O 01 é o Jair", o terceiro episódio conta como o policial Fabrício Queiroz assume um papel fundamental junto ao clã e os gabinetes após o fim do casamento de Jair Bolsonaro com Ana Cristina Siqueira Valle. Também revela como eram os bastidores, brigas e o relacionamento da família Queiroz com o presidente Jair Bolsonaro.
Você pode ouvir o terceiro episódio completo no arquivo acima e, mais abaixo, ler na íntegra o roteiro do programa (que será publicado até 9 de julho).
Em formato narrativo, o podcast apresentado pela jornalista Juliana Dal Piva, com ajuda da equipe do núcleo investigativo do UOL, foca em aspectos não revelados do envolvimento direto do presidente da República no esquema ilegal de entrega de salários de assessores na época em que ele exerceu seguidos mandatos de deputado federal (entre os anos de 1991 e 2018).
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"A VIDA SECRETA DE JAIR"
EPISÓDIO 3 - "O 01 É O JAIR"
[LOCUÇÃO - JULIANA]
JULIANA DAL PIVA: Um ano antes da eleição presidencial de 2018, a família Bolsonaro já fazia planos e dava ordens preparando tudo para a disputa. E os funcionários obedeciam. Como o policial Fabrício Queiroz.
Em dezembro de 2017, o Queiroz, por exemplo, se preocupou com os funcionários fantasmas da família Bolsonaro. Chegou a mandar mensagens para um deles dizendo que tinha uma espécie de operação pente-fino nos assessores do gabinete do capitão e dos filhos dele.
Parecia que o então candidato Jair Bolsonaro sabia dos pontos sensíveis que podiam atingir ele e a família. É como se eles estivessem estudando um jeito de fazer uma maquiagem no passado.
O trabalho do Queiroz naquele dezembro de 2017 foi quase um presságio do que ia acontecer depois. Em dezembro de 2018, Queiroz passou de um homem forte dos bastidores para ser catapultado ao centro de um escândalo de corrupção por causa da família Bolsonaro.
Ele mesmo desabafou sobre essa mudança de status em uma entrevista para o SBT naquela época.
FABRÍCIO QUEIROZ, em entrevista ao SBT, em dezembro de 2018: "Imagine, eu, amigo do presidente, amigo do deputado, eu era o homem, meu WhatsApp era só coisas bonitas. Aí vem de uma hora pra outra, apareceu na mídia meu nome, vários repórteres atrás de mim, pessoal de moto. Lá eu sou muito conhecido e querido. Pessoas estranhas. Não é repórter, pessoas estranhas. Me refugiei. Não queria dar entrevista, que eu não tenho que dar entrevista, eu tenho que dar declarações ao MP. Como está esse mundo atrás de mim, parecendo que eu sou fugitivo, eu não queria virar o ano com essa coisa chata em cima de mim."
JULIANA DAL PIVA: Mas como falei, Queiroz tinha uma tarefa de tentar conter os "inconvenientes" para a família Bolsonaro. E o próprio Queiroz alertava sobre o que era pra fazer quando alguém falasse com ele no celular ou enviasse uma mensagem no WhatsApp.
FABRÍCIO QUEIROZ, áudio em outubro de 2019: "Todas as pessoas que eu falo eu sempre digo: Meu irmão, apaga. Escreveu, apaga. Eu sei com quem eu conversei esse assunto."
JULIANA DAL PIVA: Mas, por mais que se tentasse, não dava para deletar tudo. Nem sumir com o passado. A história completa desse áudio do Queiroz e das mensagens em 2017 eu vou te contar daqui a pouco. Eu sou Juliana Dal Piva e, neste terceiro episódio, vou te contar como era esse amigo do presidente
Você vai ouvir o Queiroz e a família dele falando detalhes da relação com o Bolsonaro. Tudo isso com direito a briga de família e fogo no parquinho por causa da investigação das rachadinhas.
Também vou contar sobre o Anjo, o homem de confiança da família Bolsonaro, que escondeu a identidade dele e também o Queiroz por mais de um ano.
Fica comigo que essa história é pesada, mas tem até cerveja.
[VINHETA]
JULIANA DAL PIVA: Pra gente começar na mesma página, eu vou fazer um breve resumo do que eu já contei até aqui. No primeiro episódio, falei sobre como um relatório que identificou uma movimentação milionária do Queiroz caiu como uma bomba no Brasil e na família Bolsonaro.
Tudo isso porque os valores eram incompatíveis com o salário dele e tinha vários depósitos de assessores do Flávio para o Queiroz. Isso sugeria a existência de um esquema ilegal de devolução dos salários no gabinete do filho do presidente.
No segundo episódio, te contei sobre a Cristina, a segunda mulher do Bolsonaro, e como o escândalo sobre o Queiroz fez com que todo o envolvimento dela com o caso das rachadinhas também viesse à tona.
Ao mesmo tempo em que essas informações todas começaram a surgir, o Queiroz sumiu. Eu já contei para você que, em dezembro de 2018, o Queiroz tinha sido convocado para depor no Ministério Público. Quatro vezes.
Mas ele não apareceu. O Queiroz foi para São Paulo fazer uns exames e descobriu um câncer. Só que o clima de cobranças por explicações sobre aquele dinheiro todo na conta dele só crescia. E o mais perto que ele fez de tentar explicar algo foi numa entrevista para o SBT.
FABRÍCIO QUEIROZ, em entrevista ao SBT, em dezembro de 2018: "Sou um cara de negócios. Eu faço dinheiro. Compro, revendo, compro, revendo (sic). Compro carro, revendo carro, sempre fui assim. Gosto muito de comprar carro de seguradora. Na minha época, lá atrás, comprava um carrinho, mandava arrumar, revendia, tenho uma segurança."
JULIANA DAL PIVA: O Queiroz deu essa entrevista para tentar acalmar aquele ambiente tenso ao redor dele e da família Bolsonaro. Mas o que ele disse gerou mais perguntas do que respostas, porque essas negociações de carros não tinham registro nenhum.
O suspense aumentou quando Queiroz e os familiares saíram do Rio de Janeiro. Ninguém sabia onde eles andavam.
E a situação piorou dias depois, quando uma das filhas do Queiroz postou nas redes sociais um vídeo do pai dançando no hospital em pleno Réveillon.
NATHÁLIA QUEIROZ, áudio das redes sociais em dezembro de 2018: "Agora é vídeo...uhuuuuuuu"
JULIANA DAL PIVA: Uma semana depois do Queiroz falar com o SBT, a emissora também foi escolhida pelo presidente Jair Bolsonaro para a primeira entrevista dele.
De terno e gravata, o agora presidente da República recebeu os jornalistas no Palácio da Alvorada. Parecia calmo, receptivo e foi respondendo às perguntas sobre reforma da Previdência, decreto para ampliar posse de armas, futuro do programa Bolsa Família e várias outras coisas. Mas ele teve que falar também do Fabrício Queiroz.
JAIR BOLSONARO, em entrevista ao SBT, em janeiro de 2019: "Ele responde pelos seus atos. Eu não tenho nada a ver com essa história. Eu o conheço desde 1984, foi meu soldado na brigada paraquedista. Depois foi trabalhar no gabinete do meu filho deputado estadual, sempre gozou de toda a minha confiança e mais de uma vez emprestei dinheiro para ele. Já emprestei para outros funcionários, dou essa liberdade, não vejo nada de mais nisso aí, não cobro juros. Ele falou que vendia carros. Eu sei que ele fazia rolos, agora quem tem que responder é ele."
JORNALISTA: "Ele continua gozando da sua confiança?"
JAIR BOLSONARO: "Até que ele prove o contrário, não quero continuar conversando com ele. Peço a Deus que salve a tua vida e que ele dê as devidas explicações ao Ministério Público. A potencialização em cima dele foi pra me atingir."
JULIANA DAL PIVA: Você viu que o presidente disse que sabia que o Queiroz fazia "rolos"? Que rolos eram esses? Ele não explicou.
Bolsonaro também disse que o assessor tinha toda a confiança dele, certo? A confiança veio por uma amizade que era, sobretudo, pública e muito íntima.
Era comum, por exemplo, ver o Queiroz curtindo uma folga com o presidente em Mambucaba, na Vila Histórica em Angra dos Reis.
O mesmo lugar para onde o Bolsonaro viajava com a família e a Cristina, a ex-mulher de quem falamos no segundo episódio.
Queiroz e o presidente gostavam de pescar juntos e foram fotografados várias vezes nesses momentos. As fotos mostram os dois à vontade, de pés descalços, um ao lado do outro em um barco pequeno, manejando as varas de pescar na praia de Angra.
Queiroz também foi companheiro de futebol do Bolsonaro e os dois iam ao Maracanã juntos.
As famílias dele e do presidente conviviam com intimidade.
Por exemplo, o assessor foi com a mulher, a Márcia Aguiar, em festas de aniversário tanto do Bolsonaro como da Michelle, a primeira-dama, e também da filha mais nova do presidente, a Laura.
A família Queiroz também foi convidada de honra da abertura da loja de chocolates de Flávio em um shopping na zona oeste do Rio. Isso foi em 2015.
Naquele dia, foram servidos sanduíches e espumantes e Queiroz posou para fotos com personalidades como o Parreira, ex-técnico da seleção brasileira, e o apresentador de TV Wagner Montes.
E é essa confiança que leva o Bolsonaro a escolher o amigo para trabalhar com o Flávio. O Queiroz chegou quando a Cristina foi embora da vida do Bolsonaro. Quer dizer, quando o casamento acabou e ela foi morar na Noruega.
O próprio Flávio também falou da confiança dele no Queiroz aos promotores, quando teve que depor na investigação da rachadinha.
FLÁVIO BOLSONARO, em depoimento ao Ministério Público do RJ: Conheci por intermédio do meu pai. Queiroz serviu com ele no Exército, na brigada paraquedista. Assim que eu me elegi, como tinha trabalho voltado para a Polícia Militar e tinha também a questão da minha segurança, meu pai apresentou o Queiroz e ele veio trabalhar conosco. Essas características dele, de ser policial militar, uma pessoa relacionada, com a referência, para mim, de uma indicação do meu próprio pai. Como eu falei, ele sempre foi uma pessoa que sempre gozou da minha confiança. Trabalhou comigo muito tempo. Ele convivia mais comigo do que eu com minha própria família.
JULIANA DAL PIVA: Antes de trabalhar com o Flávio, o Queiroz servia na Polícia Militar no Rio. Ele trabalhava no 18º Batalhão da PM, na região de Jacarepaguá e na Cidade de Deus, na zona oeste.
Nessa época, o Queiroz se aproximou do tenente Adriano Nóbrega. Antes de eu continuar, vou chamar a minha colega Gabi Pessoa pra explicar quem é o tenente.
GABRIELA SÁ PESSOA: O Adriano Nóbrega foi um capitão do Bope e serviu com o Queiroz na Polícia Militar do Rio de Janeiro. Em 2014, ele foi expulso da corporação por se envolver em crimes do jogo do bicho. Desde 2018, o Ministério Público passou a investigar o Adriano e apontou ele como o líder do Escritório do Crime, uma milícia que fica na comunidade de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio. Integrantes dessa milícia, inclusive o próprio Adriano, foram acusados de assassinatos e outros crimes de extorsão na comunidade.
JULIANA DAL PIVA: Queiroz e Adriano fizeram algumas operações juntos na PM, inclusive com algumas mortes, os chamados autos de resistência. Dois desses casos estão em aberto até hoje pra saber se não foi execução.
E a amizade entre Queiroz e Adriano vai fazer com que a família Bolsonaro também conheça o ex-capitão do Bope. O Flávio e o Carlos até prestaram homenagens ao Adriano, justificando que era pelas ações dele na PM.
Essa relação do Queiroz com o Adriano e com os Bolsonaro fez com que o Flávio nomeasse a ex-mulher do miliciano no gabinete dele por dez anos. O nome dela é Danielle Nóbrega.
Foi para ela que o Queiroz mandou uma mensagem em dezembro de 2017. Aquilo que eu te contei no início desse episódio.
Um ano antes da eleição, a família Bolsonaro queria saber se ela já estava divorciada do Adriano, porque achava que o sobrenome dela era um "problema".
A Danielle também nunca trabalhou e era outra funcionária fantasma.
Só que, de algum jeito, ele conseguiu manter ela no gabinete.
A Danielle só saiu quando o escândalo do próprio Queiroz estava prestes a ser descoberto.
Essa história da proximidade do Queiroz, Adriano e do Bolsonaro rende sozinha um episódio inteiro.
Embora eles admitam a relação com o miliciano, nenhum deles gosta muito de explicar.
Nem isso, nem nada que envolva a devolução de salários.
A última vez que eu tentei falar com o Queiroz e com a família dele foi em março deste ano. Quase consegui.
JULIANA DAL PIVA: Oi, boa tarde. Tudo bem? Pode falar com o 508? Do seu Queiroz, dona Nathália, dona Márcia.
PORTEIRO: Qual é seu nome?
JULIANA DAL PIVA: É Juliana.
PORTEIRO: Eu estou aqui com a Juliana. Ela queria falar com a??
JULIANA DAL PIVA: Dona Nathalia ou com a dona Márcia.
PORTEIRO: Ah, tá, é para aguardar aqui que ela está descendo.
O interfone toca novamente.
PORTEIRO: Você veio entregar alguma coisa?
JULIANA: Não vim entregar, não. Eu queria fazer um pedido de entrevista para ela.
PORTEIRO, ao interfone: Você conhece a Juliana? É um pedido de entrevista.
JULIANA DAL PIVA: O que ela falou? Ah, não pode? Pode deixar um recado? O senhor tem um bilhete, aí, alguma coisa? Eu passo um bilhete.
Interfone toca novamente.
PORTEIRO: Tudo bem, seu Queiroz. Não, ela queria fazer uma? Ela tá aqui deixando um bilhete. Depois entrego aí. De que se trata?
JULIANA DAL PIVA: Eu sou jornalista, queria deixar um pedido de entrevista. Deixei meu nome, meu telefone.
PORTEIRO: Tá bom, daqui a pouco eu entrego lá.
JULIANA DAL PIVA: Procurar o Queiroz é uma espécie de fardo que eu carrego desde 2018.
E, claro, que eu não fui a única. Até porque desde que o escândalo veio à tona, as perguntas sobre ele só se acumularam.
Agora, a gente até sabe onde ele mora, mas nem sempre foi assim.
O próprio Bolsonaro já viveu alguns episódios de cobrança sobre o amigo. Um deles ficou conhecido e mostra a falta de paciência do presidente com o tema.
Num sábado, 5 de outubro de 2019, o presidente resolveu dar uma volta de moto na pista interna do Palácio da Alvorada.
Você deve saber, é a residência oficial.
Não sei bem como é isso para um presidente, mas ele parecia estar de folga. O Bolsonaro estava usando um calção cinza, camisa amarela da Seleção e vestia um colete a prova de balas da cor creme.
Nesse dia, o presidente também usava capacete.
Ainda em cima da moto, ele fez uma paradinha bem em frente ao portão. Perto daquele famoso cercadinho, onde ficava a imprensa.
Tava cheio de gente no local e um ciclista que estava ali no portão, de frente para vários seguranças, gritou para o presidente a pergunta que irrita o Bolsonaro, mas que todo mundo queria saber.
CICLISTA, para Jair Bolsonaro: "E o Queiroz?"
JAIR BOLSONARO: "Tá com a tua mãe?".
JULIANA DAL PIVA: Bom, é claro que o Queiroz não estava com a mãe do ciclista.
Eu já contei para você que ele estava tratando um câncer em São Paulo.
Mas essa informação era um pouco vaga e a gente que é da imprensa tinha obrigação de checar. Até para saber se era verdade.
Só que quando eu perguntava para os conhecidos do Queiroz sobre o lugar que ele estava em São Paulo, ninguém sabia dizer. E também era curioso porque o Queiroz tinha perdido o emprego e a família dele também. Então era uma despesa enorme. Estadia, tratamento.
E as circunstâncias suspeitas só se ampliavam. O repórter Chico Otávio, do Globo, descobriu por essa época, em meados de 2019, que o Queiroz pagou em dinheiro vivo o tratamento no hospital Albert Einstein. Quase 170 mil reais em espécie — e dinheiro vivo não dá pra rastrear de onde veio.
Aos poucos, começaram a surgir algumas pistas de onde o Queiroz se escondia.
A primeira história que me contaram é que, de vez em quando, ele ia ao Rio para ver o filho dele jogar futebol, numa cidade da região dos Lagos chamada Saquarema.
O filho mais novo dele realmente jogava futebol num clube de um deputado aliado do Bolsonaro.
Em agosto de 2019, eu até cheguei a passar um sábado inteiro naquele estádio para ver se o Queiroz aparecia. Ele não deu as caras e o filho dele ainda ficou no banco de reservas.
Outra versão que me contaram era que o Queiroz estava mesmo em SP.
Mas não em qualquer lugar. Quem contava essa narrativa, dizia que o Queiroz estava escondido num local indicado pelo Frederick Wassef, o advogado do presidente e do Flávio.
Antes de eu seguir, vou chamar a Gabi Pessoa pra gente lembrar bem quem é o Wassef.
GABRIELA SÁ PESSOA: Wassef é um advogado da família Bolsonaro. Como contamos no primeiro episódio, ele é o cara que venceu a queda de braço entre os advogados da família em dezembro de 2018, para assumir o caso do Flávio. A estratégia de defesa dele era dizer que o relatório que mostrou a movimentação milionária do Queiroz tinha sido ilegal. Com isso, ele trancaria a investigação. Anular essa prova era uma obsessão, uma tese que Wassef sempre defendeu a todo custo.
JULIANA DAL PIVA: Como a Gabi disse, o Wassef era advogado da família e se tornou bem próximo do presidente Jair Bolsonaro já há alguns anos.
Em 2017, ele se apresentou como um "advogado em off". O site Intercept divulgou uma gravação dele falando sobre isso.
FREDERICK WASSEF, em gravação divulgada pelo The Intercept: "Sou advogado criminalista desde 92 e ajudo o Bolsonaro há alguns anos aí, sou parceiro dele e advogado em off."
JULIANA DAL PIVA: Lembra que eu já expliquei? O off the record é quando o jornalista guarda o sigilo da fonte da informação.
No caso de um advogado, nem sei bem o que isso quer dizer.
Na ocasião do áudio que você ouviu, o Wassef estava contando de quando escolheu um advogado para defender o Bolsonaro num processo no Supremo Tribunal Federal.
O Wassef chegou a chamar o Bolsonaro de parceiro. Um pouco estranho.
Há uns dois meses, eu perguntei ao Wassef como foi que ele conheceu o presidente, mas o advogado ficou um pouco irritado com a pergunta.
JULIANA DAL PIVA: O senhor conheceu o presidente por volta de 2014, na época do seu tratamento de câncer
FREDERICK WASSEF: Não, não. Eu não quero me manifestar sobre a palavra "presidente" porque eu sei como vai ser desvirtuada a matéria. A nossa entrevista hoje é pautada pelo Flávio, minha atuação, Supremo, próximos passos.
JULIANA DAL PIVA: Se o senhor não quer responder tudo bem. É só o senhor dizer que não quer responder.
FREDERICK WASSEF: Não, eu não estou dizendo que não quero responder. Essa história é pública e todo mundo sabe. Desde 2014, eu conheço o Jair e toda a família e desde então eu sempre atuei como advogado, consultor jurídico, em todas as causas que você imaginar ou não. Sempre foi assim.
JULIANA DAL PIVA: Quando me contaram a história de que o Wassef estava escondendo o Queiroz, eu confesso que duvidei muito.
Primeiro porque eu sabia que alguns colegas da imprensa tinham feito campana na frente da casa dele para tentar flagrar alguma coisa.
Mais de um tentou e não conseguiu. O Wassef até reclamava disso.
Em segundo lugar, parecia perigoso, e até absurdo, imaginar que o advogado do Flávio ia fazer algo desse tipo.
Até porque no primeiro semestre de 2019, o Wassef já tinha deixado de atuar só nos bastidores. Em "off", como ele dizia.
A imprensa acabou descobrindo o papel dele na defesa do Flávio da rachadinha na Alerj e no fim o Wassef resolveu assumir publicamente que era o advogado do filho do presidente.
E nesse início de trabalho ele conseguiu uma vitória importante no Supremo.
O Wassef simplesmente obteve uma decisão que parou o caso por cinco meses.
Após um pedido do Wassef, o ministro Dias Toffoli determinou a paralisação de todas as investigações do país que foram abertas a partir de relatórios do Coaf.
TELEJORNAL: "O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, suspendeu todas as investigações com dados compartilhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, sem autorização judicial. O ministro acolheu um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro."
JULIANA DAL PIVA: Isso incluía o caso do Flávio, processos da Lava Jato e até uma das apurações sobre a morte da vereadora Marielle Franco.
O Coaf era o Conselho de Controle de Atividades Financeiras. E ele faz uma análise de movimentação financeira atípica.
Isso acontece quando você faz algo fora do comum na sua conta. Um exemplo: quando você recebe um depósito de valor muito alto de uma única vez. Ou então quando você faz vários saques iguais e em sequência. Não é ilegal, mas pode ser suspeito.
O ministro decidiu o seguinte: todos os casos deviam ficar parados até o STF discutir se era legal ou não o Coaf compartilhar aqueles dados com o Ministério Público. Porque é só o MP que pode investigar.
Então o caso do Flávio e do Queiroz parou no fim de julho de 2019. E o julgamento no Supremo foi marcado para novembro daquele ano.
Os aliados do presidente naquela época avaliavam que até lá era preciso controlar o Queiroz. Fazer uma espécie de contenção de danos no ex-assessor e na família dele. Aguentar a onda de questionamentos sobre onde andava o Queiroz.
A versão de que Queiroz estava em São Paulo, fazendo tratamento, acabou sendo reforçada depois de uma matéria da revista Veja.
Em agosto de 2019, a Veja publicou fotos do Queiroz dentro do hospital Albert Einstein em São Paulo. A reportagem dizia que ele seguia em atendimento médico por lá.
Mas a matéria não tinha entrevista dele. E até aquele dia o Queiroz não tinha aparecido para depor.
Alguns meses antes, ele entregou ao Ministério Público um documento por escrito admitindo que ficava com uma parte dos salários dos funcionários do Flávio.
Mas o Queiroz tentou dar uma explicação. Disse que era pra fazer por fora da Alerj umas contratações de funcionários que supostamente também iam trabalhar pro Flávio.
Só que isso não é permitido e ele nunca apresentou prova nenhuma dessa versão.
E, enquanto o Queiroz estava em SP, o advogado Frederick Wassef era constantemente visto circulando no Palácio do Planalto.
Ele atuava como uma espécie de consultor jurídico, uma figura com acesso e intimidade junto ao presidente.
Escuta um pouco aqui o que o general Rego Barros, durante uma entrevista. Ele era nessa época o porta-voz da Presidência da República.
JORNALISTA: "O advogado do Flávio Bolsonaro esteve no Alvorada neste fim de semana, queria saber se o presidente Bolsonaro tem interferido de alguma forma na atuação do advogado em relação ao caso Queiroz."
REGO BARROS: "O advogado é advogado do presidente Jair Messias Bolsonaro, que firmou uma procuração para o que o advogado o represente no Tribunal Regional Federal-1 no caso da tentativa de assassinato do senhor Adélio ao nosso presidente da República.
JULIANA DAL PIVA: Nesse posto de homem influente, Wassef passou a dar entrevistas falando do caso da rachadinha e em nome da família Bolsonaro.
Em setembro de 2019, ele concedeu uma entrevista para a jornalista Andreia Sadi, da TV Globo.
Ela também questionou o advogado sobre o sumiço de Fabrício Queiroz.
ANDREIA SADI: "Dr. Fred, o senhor vai negar, claro, mas o senhor hoje é um dos homens fortes do presidente Bolsonaro. Como defensor do combate à corrupção, como fica esse discurso com o sumiço do Queiroz? Eu queria que o sr. explicasse isso. As pessoas cobram explicações do Fabricio Queiroz. Como fica esse discurso?"
FREDERICK WASSEF: "Não existe a frase 'o sumiço do Queiroz'. Isso não corresponde à verdade real."
ANDREIA SADI: "Mas onde ele tá?"
FREDERICK WASSEF: "Não sei, não sou advogado dele."
JULIANA DAL PIVA: Você notou que o Wassef disse que não sabia onde o Queiroz estava?
Ele passou a repetir a mesma coisa sempre que era questionado sobre o assunto. Até para os nossos colunistas aqui do UOL, como o Tales Faria.
TALES FARIA: "Se o Queiroz não tem essa importância, ele bem que podia aparecer."
FREDERICK WASSEF: "Eu também acho, também acho que ele podia aparecer."
JULIANA DAL PIVA: E, durante boa parte desse tempo, o Queiroz estava em alguma das propriedades do Wassef.
O advogado e a família dele possuem vários imóveis no estado de São Paulo. E o que se descobriu depois é que o Queiroz se escondeu em mais de um desses locais.
Na época da entrevista ao SBT, o antigo assessor do Flávio estava hospedado em um hotel em Atibaia.
Depois da cirurgia no Einstein, o Queiroz foi para um apartamento da família do Wassef no Guarujá. Ele ficou por lá até fevereiro de 2019.
Ele também esteve algumas vezes na capital paulista.
E depois, em junho daquele ano, o Queiroz foi para Atibaia de novo. Quando ele voltou para aquela cidade, o Queiroz passou a ficar numa casa do Wassef. Na frente, tinha uma placa que dizia que o lugar era um escritório de advocacia. E foi lá que ele ficou a maior parte do tempo.
Durante esse período em SP, de vez em quando, o Queiroz dava umas escapadas para o Rio.
Desde que chegou em Atibaia, Queiroz começou a evitar de falar ao telefone. Tinha medo de estar grampeado.
Provavelmente por causa desse medo, ele também orientava a Márcia, mulher dele, a desligar o celular antes de chegar em Atibaia. Era para evitar que alguém pudesse rastrear os dois.
Em uma das ocasiões em que ele estava em Atibaia e a Márcia, no Rio, um conhecido do Queiroz mandou uma mensagem para ela. Essa pessoa se queixou do tratamento dado por uns "meninos" na comunidade de Rio das Pedras.
Esse conhecido do Queiroz queria que ele falasse com os "meninos" que mandam lá por conta da confusão. Para o Ministério Público, essa foi uma referência aos milicianos da região.
O Queiroz recebeu o recado e disse para Márcia que ele não podia falar no telefone.
FABRÍCIO QUEIROZ, em áudio para Márcia Aguiar: "Ô, Márcia, avisa a ele que é impossível ligar pra alguém, entendeu? Isso aí vai, uma ligação dessa acontece de eu estar grampeado, vai querer me envolver em alguma coisa aí, porque o pessoal daí vai estar tudo grampeado. Isso aí a gente, eu posso ir quando estiver lá pessoalmente. Não tem condições. Problemático para caramba, vai me envolver numa coisa que eu não tenho envolvimento nenhum."
JULIANA DAL PIVA: Mas, mesmo com todos esses cuidados, a verdade é que o Queiroz estava incomodado com aquele isolamento em São Paulo.
Ele sentia falta da vida agitada no Rio de Janeiro. De participar da política e de ser um player, mesmo. E se queixava para os amigos daquela situação.
Durante uma troca de mensagens em junho de 2019, ele gravou um áudio dizendo que estava preocupado com a história da rachadinha.
FABRÍCIO QUEIROZ, em áudio para amigo: "Se eu não estou com esses problemas aí, a gente de bobeira, não ia ter que fazer muita coisa, com eles lá em Brasília, podia estar aí igual a você aí, andando e ia dar para investigar, infiltrar, botar um 'calunga' no meio deles, entendeu? Para levantar tudo. A gente mesmo levantava essa parada aí. O cara lá [Adélio] tá hiperprotegido. Eu não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar aí. Vê, tal. É só porrada, cara, o MP está com uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente e não vem ninguém agindo."
JULIANA DAL PIVA: Você notou que o Queiroz reclama que o "cara" lá tá "ultraprotegido"? Ele estava de algum jeito comparando a situação dele com a do Adélio, o homem que atacou o presidente durante a campanha eleitoral de 2018.
No círculo mais próximo do Bolsonaro, existe uma teoria de que o atentado foi premeditado e teve um mandante.
A Polícia Federal investigou várias vezes o caso e não achou nada que comprovasse essa suspeita. Mesmo assim, o Bolsonaro não acredita e os aliados do presidente insistem na teoria do mandante.
Como eu estava contando, o Queiroz reclamava nesses dias em Atibaia de estar longe da política.
E a situação financeira da família também andava difícil.
Desde que o escândalo estourou, a família dele inteira, que era empregada no gabinete do Flávio, perdeu os cargos.
Era até contraditório. Uma pessoa com movimentação milionária na conta bancária e mesmo assim em dificuldades.
Numa conversa com uma pessoa que a gente não pode identificar, ele fez uma sugestão:
FABRÍCIO QUEIROZ, em gravação: "Tem mais de 500 cargos lá, cara, na Câmara e no Senado. Pode indicar para qualquer comissão ou, alguma coisa, sem vincular a eles [família Bolsonaro] em nada. 20 continho aí para gente caía bem para caralho. Caía como uva."
JULIANA DAL PIVA: Naquela época, eu ainda trabalhava no jornal O Globo e quando eu revelei esse áudio a história chacoalhou o mundo político.
Entre os advogados do caso, aquilo pegou muito mal, também.
Lembra que o caso estava parado? Faltava cerca de um mês para o julgamento do Supremo que podia até acabar de vez com a investigação da rachadinha.
O áudio mostrava um Queiroz diferente da imagem no hospital. Não era um homem doente, mas sim um articulador político ativo, apesar de todas as investigações sobre ele.
Nem na própria família aquilo caiu bem. Boa parte dos parentes do Queiroz também estavam sendo investigados.
Então, essa história de ele continuar tentando escolher pessoas para cargos comissionados gerou até uma briga.
A filha mais velha dele, a personal trainer Nathália Queiroz, ficou indignada e não poupou o pai para a madrasta, a Márcia.
Você vai escutar aqui, pela primeira vez, os áudios dessa conversa.
NATHÁLIA QUEIROZ, em áudio para Márcia Aguiar: "Márcia, na boa, cara. Meu pai é muito burro. O que que ele tem que falar essas coisas? Ele não aprendeu com esse monte de merda que aconteceu? Que ele tem que continuar falando de política? Que prazer é esse que ele tem?"
JULIANA DAL PIVA: A Márcia recebeu a mensagem da enteada e contou que tinha acabado de saber de tudo pela Melissa, a filha mais nova do Queiroz.
Quando a Márcia ouviu o áudio, ficou com muita raiva do marido e fez coro às críticas da Nathália.
MÁRCIA AGUIAR, em áudio para Nathália Queiroz: "Agora eu levantei e vi esse negócio que a Melissa me mostrou aí, eu tô no Rio. Cara, é foda. Não sei quando teu pai vai aprender a fechar o caralho da boca dele. Quando a gente está prestes a conseguir alguma coisa, vem essa bomba aí."
JULIANA DAL PIVA: Depois, a Márcia tentou acalmar a Nathália, dizendo que na opinião dela nem tinha nada muito comprometedor.
MÁRCIA AGUIAR, em áudio para Nathália Queiroz: "Sabe, eu fico puta com ele, mas eu fico com pena, entendeu? Mas fico com pena, tem que estar do lado dele agora. Vamos pedir a Deus. Apesar que não tem nada comprometendo ele falando de nada, de nenhum deputado, mas já perceberam que ele tem acesso com outros deputados também. Enfim, Nathalia, é foda."
JULIANA DAL PIVA: Só que a filha do Queiroz seguia muito irritada e não poupou o pai.
NATHÁLIA QUEIROZ, em áudio para Márcia Aguiar: "Márcia, eu vou te falar. De coração. Eu não consigo mais ter pena do meu pai, porque ele não aprende. Meu pai é burro! Meu pai é burro! Ele não ouve. Ele não faz as coisas que tem que fazer. Ele continua falando de política. Ele continua se achando o cara da política. Então, assim, parece que ele gosta de estar no holofote, de estar no site, de aparecer. Não é possível. Isso não é normal. Não consigo ter pena mais. Antes eu tinha. Agora, não consigo, porque isso daí é toda hora que eu vejo é ele falando de política, é ele falando negócio de vaga, é não sei mais o quê. No aniversário dele foi isso. Quando eu encontro com ele, toda vez é isso. Então, ele não sossega. Parece que não aprendeu. Tomou uma porrada dessa e não aprendeu. E continua fazendo a mesma coisa. Cara, eu fico com vergonha, eu fico com vergonha, eu imagino as pessoas vendo isso."
JULIANA DAL PIVA: A Nathália não aceitava o comportamento do pai. Para ela, o pai não tinha aprendido nada com toda a pressão que a família estava sofrendo.
Depois do desabafo da Nathália, a mulher do Queiroz concordou com a enteada. A Márcia começou a dizer que o marido não entendia que a vida deles tinha mudado para sempre.
A Márcia ainda falou para a Nathália que o presidente Jair Bolsonaro não iria deixar o Queiroz voltar tão cedo para a política. Você vai ouvir agora ela e Nathália chamando o presidente de "01".
MÁRCIA AGUIAR, em áudio para Nathália Queiroz: "É chato também, concordo. É que ainda não caiu a ficha dele que agora voltar para a política, voltar para o que ele fazia tão cedo, esquece. Bota anos para ele voltar. Até porque o 01, o Jair, não vai deixar. Tá entendendo? Não pelo Flávio, mas, enfim, não caiu essa ficha não. Fazer o quê? Eu tenho que estar do lado dele. Eu fico puta Nathália. Concordo com o que você tá falando, também acho. Mas hoje já falei com ele, dei um esporro nele. Tá na merda coisa nenhuma, pode ficar muito pior. É foda. Cada hora é uma? Confiar em amigos, entendeu? Nessa vida, a gente não tem que confiar em ninguém. Se bobear, nem na própria família. Ainda mais num caso desse daí. Ele fala da política como se tivesse lá dentro trabalhando e resolvendo. Um exemplo que eu tenho, que parece. Parece aquele bandido que tá preso dando ordens aqui fora. Resolvendo tudo. Eu to com pena, sim. Ele não escuta, mas quando está na merda, fazer o quê? Se eu der as costas, fudeu, né?"
NATHÁLIA QUEIROZ, em áudio para Márcia Aguiar: "Ai Márcia, é foda. é foda. Quando tá tudo quietinho, para piorar as coisas, vem a bomba vindo do meu pai. O advogado, o 01, todo mundo vai comer o cu dele. E ele ainda vai achar normal. Você conhece meu pai. Vai falar 'não falei nada demais'. Sempre acha que não é nada demais."
JULIANA DAL PIVA: Quando eu ouvi esses áudios pela primeira vez, eu fiquei impactada.
Primeiro, pela intimidade com que elas se referem ao presidente, chamando ele de Jair.
Mas também fiquei intrigada ao ouvir a Márcia comparando o Queiroz com um preso que dava ordens do lado de fora.
Nessa conversa, a Márcia também confessou para a Nathália que já está rezando desde outubro de 2018.
Foi nessa época que vazou o tal relatório sobre a movimentação milionária do Queiroz.
MÁRCIA AGUIAR, em áudio para Nathália Queiroz: "Mas enfim, pedir a Deus. Tô acendendo minhas velas, fui pagar a minha promessa, ano passado eu fiz, eu acendi vela do começo de outubro até dezembro e agora tô acendendo também. Acaba uma acende outra de 7 dias até dia 21 de novembro, pedir a Deus aí. Esse negócio qualquer coisa é motivo para falar, né? Vamos ver."
JULIANA DAL PIVA: No dia em que o áudio do Queiroz falando dos 500 cargos foi divulgado, ele estava em Atibaia.
Para tentar acalmar a mulher e as filhas, o Queiroz mandou uma mensagem dizendo que foi traído. Vamos escutar.
FABRÍCIO QUEIROZ, em áudio para Márcia Aguiar: "É muito chato isso, Marcia. Tu falou tudo: é traição. A pior coisa nisso tudo aí é a traição. E todas as pessoas que eu falo eu sempre falo: meu irmão, apaga! Escreveu, apaga! Eu sei com quem eu conversei esse assunto aí. Entendeu? Chateadão também por causa disso. Tu lembra que eu falo: apaga, apaga, apaga, apaga...? Aí deu nisso aí. Mas tudo bem. O Anjo também a primeira coisa que o Anjo chegou pra mim e falou na minha cara foi: 'Você foi traído, você foi traído ontem à noite!'."
JULIANA DAL PIVA: Você deve ter notado que o Queiroz ficou um tanto inconformado com o áudio sobre os cargos ter vazado.
Percebeu como ele orienta as pessoas a apagar tudo?
Outra coisa que me chamou atenção foi o trecho em que o Queiroz disse que o Anjo contou que ele tinha sido traído.
O Queiroz chegou a contar que o Anjo falou isso na cara dele.
No início desse episódio, eu te disse que ia explicar a história do Anjo. Se você chegou até aqui e acompanhou o noticiário no ano passado, talvez você já saiba quem é ele.
Anjo era o codinome do Wassef entre os parentes do Queiroz.
Toda vez que eles precisavam falar no celular algo sobre o advogado, no lugar de escrever ou falar "Doutor Fred ou Wassef", eles diziam "Anjo".
Só que nesse ambiente de pressão, nem sempre a família do Queiroz tomava todos os cuidados que ele próprio mandava ter.
Alguns dias depois do vazamento do áudio, ainda muito nervoso com tudo aquilo, o Queiroz decidiu ir ao Rio ver a família. E a Márcia deixou escapar que o Anjo era o Fred.
MÁRCIA AGUIAR, em áudio: "Ele e o Felipe foram levar a Ana em São Paulo que o Anjo queria falar com ela. Aí eu sabia. Aí ele disse que deixou a Ana lá na casa do Fred, subiu e quando tava indo embora: 'Felipe, vamos pro Rio?' Aí vieram sem mochila, sem nada. Ele é louco, cara. Chegou hoje de manhã aqui. Mas ele falou que não é para falar com ninguém não que ele está aqui."
JULIANA DAL PIVA: A mensagem da Márcia era para o advogado Luiz Gustavo Botto Maia. Vou chamar a Gabi para explicar para você quem é ele.
GABRIELA SÁ PESSOA: Luiz Gustavo Botto Maia já tinha representado o Flávio Bolsonaro em algumas ações eleitorais, mas nessa época ele era uma espécie de mensageiro do Queiroz. O Botto Maia também se encontrou com vários assessores investigados no caso das rachadinhas e até instruiu um deles a fraudar um ponto da Alerj, para não mostrar que era funcionário fantasma.
JULIANA DAL PIVA: O Gustavo, como eles chamam, ouviu desabafos da Márcia ao longo de 2019 e também acompanhou ela em algumas viagens. Já vou te contar sobre isso.
Agora eu queria falar um pouco mais da Márcia, a mulher do Queiroz. É ela quem deixou mais claro o clima tenso vivido pela família.
Depois da confusão sobre o áudio do Queiroz, eles viveram dias de expectativa pelo julgamento do Coaf no Supremo.
O julgamento começou no dia 20 de novembro e não demorou para a família do Queiroz entender que o plano do Wassef não ia dar certo. Com essa compreensão, o desespero bateu forte.
Seis dias depois, a Márcia desabafou com uma amiga e disse que não queria mais que o Queiroz ficasse em São Paulo.
Um pedaço desse áudio foi noticiado pelo jornal O Estado de S. Paulo no ano passado, mas agora você escuta ele na íntegra pela primeira vez.
MÁRCIA AGUIAR, em áudio: "Só que eu também não tô aguentando. Eu tô muito preocupada com ele e a minha saúde também está abalada, tá entendendo? A gente não pode mais viver sendo marionete do Anjo. 'Ah você tem que ficar aqui e traz a família'. Esquece, cara, deixa a gente viver a nossa vida. Qual o problema? Vão matar? Ninguém vai matar ninguém, se tivesse que matar já tinha pego um filho meu aqui, tá entendendo? Então deixa a gente viver a nossa vida com a nossa família. Todo mundo tá vivendo a sua vida com seus filhos, com sua família. Só a gente que tá separado, Ana. Isso está acabando comigo. Tá entendendo? Tá acabando com a minha saúde, com meu emocional. E tá acabando com ele também. Uma coisa é a gente tá com problema na Justiça e a gente não sabe quando vai resolver. Outra coisa é a gente estar com problema na justiça e filhos longe da gente, as filhas dele são problemáticas, ele precisa estar perto. Eu fico muito preocupada com a saúde dele, daqui um tempo ficou longe de casa e aparece essa doença de novo mais grave e aí? Eu ando assim abalada."
JULIANA DAL PIVA: A Márcia falou de um jeito que demonstrava que o Queiroz estava sendo obrigado a ficar em São Paulo. Não era exatamente um desejo dele.
E esse desabafo que ela fez, perguntando se podiam matar alguém da família dela, é até assustador.
A Márcia parecia realmente não aguentar mais aquela situação.
E ela se queixou para a amiga que as outras pessoas envolvidas na história seguiram com suas vidas apesar da investigação.
A Márcia falou até em "pessoas que mudaram de estado por trabalho". Pareceu uma referência à família do Bolsonaro, que foi para Brasília.
A mulher do Queiroz contou para a amiga que o plano do Wassef era levar toda a família deles para morar em São Paulo. Mas a Márcia não queria isso de jeito nenhum.
MÁRCIA AGUIAR, em áudio: "Isso não tem pé nem cabeça. A gente está foragido? A gente tá com a prisão decretada depois dessa decisão se for positivo ou negativo? Porque, poxa, eu tô vendo que todo mundo tá vivendo sua vida. Alguns se mudaram para outro estado porque é trabalho. Agora a gente não, a gente está há um ano nessa luta aí. Então somos foragidos para viver fugindo? Estar em outro lugar? Não é possível isso. Bota isso para eles. Pode falar que é a minha palavra mesmo, quero saber o fundamento disso. Eu não vou sair do Rio para morar em São Paulo e deixar minha filha, meu filho, e também é a minha preocupação o Queiroz, como ele vai ficar aí? Nossa vida é aqui. A não ser que a gente fosse foragido."
JULIANA DAL PIVA: O julgamento do Supremo decidiu que era legal, sim, o compartilhamento de dados do Coaf. Por isso, a investigação da rachadinha do Flávio e do Queiroz voltou a tramitar.
A esperança do Wassef, do Flávio e da família do Queiroz era que o caso fosse arquivado, o que não aconteceu.
Então, a ideia do advogado de fazer com que toda a família do Queiroz mudasse para São Paulo voltou a ser discutida.
Ao mesmo tempo, Queiroz pediu a Márcia que ela encontrasse o advogado Luiz Gustavo Botto Maia. O Queiroz queria que o Gustavo fizesse uns contatos para ele.
A Márcia também ficou responsável por procurar alguns aliados do Queiroz. A primeira pessoa que ela procurou foi uma mulher chamada Raimunda Veras Magalhães Nóbrega.
Vou pedir pra Gabi Pessoa contar quem ela é
GABRIELA SÁ PESSOA: A Raimunda, também conhecida como Vera, é a mãe do ex-capitão Adriano, aquele do começo desse episódio, amigo do Queiroz do Bope. Ela também foi nomeada no gabinete do Flávio na Assembleia e foi funcionária fantasma entre 2016 e 2018. Ela é uma das pessoas citadas no relatório sobre funcionários que devolviam parte de seus salários para o Queiroz.
JULIANA DAL PIVA: A família do Queiroz e a do Adriano se conheciam há bastante tempo. E a Vera e a Márcia eram amigas.
Tanto que a mãe do Adriano chegou a convidar o casal Queiroz para ir a Minas Gerais visitar a amiga.
RAIMUNDA VERAS MAGALHÃES, em áudio: "A cidade que a minha irmã mora chama Astolfo Dutra, tá? É antes de Cataguases, entra pra esquerda ai pega direto e sai aqui. Aí te dou as coordenadas direitinho, quando quiser vir é só avisar. A casa já tá arrumada, tá às ordens, quando chegar aqui a gente faz um churrasquinho pra gente, tá bom? Vem, sim, que tô com saudade de vocês."
JULIANA DAL PIVA: Nas mensagens da Vera, da Márcia e do Queiroz, a gente fica com a impressão de que a Vera também estava em Astolfo Dutra para fugir da investigação da rachadinha.
Quando o Supremo estava finalizando o julgamento do Coaf, o Queiroz chegou a dizer para a Márcia avisar a Vera que ela podia voltar ao Rio.
O Queiroz só alertou que seria bom a Vera aguardar uns dias porque as investigações tinham voltado há pouco tempo.
Mas como eu estava falando antes, o Queiroz pediu nessa época, depois do julgamento, para a Márcia e o Gustavo fazerem alguns contatos para ele.
Então a Márcia e a Vera marcaram um encontro em Astolfo Dutra, no início de dezembro de 2019. Quem também foi nessa viagem foi o Gustavo Botto Maia e a nova mulher do Adriano Nóbrega, que se chama Julia.
Segundo as investigações do Ministério Público, o que eles foram discutir lá na casa da Vera era um plano de fuga para a família do Queiroz.
Mas até para discutir um assunto complicado desse o Gustavo tinha certo humor.
LUÍS GUSTAVO BOTTO MAIA, em áudio: "Bom dia minha amiga, tudo bem? Falando nisso, tem uma reunião amanhã e é importante eu levar cerveja ou já tem cerveja lá?"
JULIANA DAL PIVA: Mais tarde, já na casa da Vera, os três posaram para uma foto segurando uma garrafa de cerveja e mandaram o registro para o Queiroz.
Só que a conversa não resolveu tudo.
Os três enviaram um recado pro Adriano. Quem ficou com a mensagem foi a Júlia, a mulher dele. O Adriano, sim, já era um foragido da Justiça há quase um ano.
E a Márcia, a Vera e o Gustavo continuaram se encontrando no Rio para falar sobre o possível plano de fuga.
Uns dez dias depois, a Márcia pediu para encontrar a Vera outra vez e disse que ia levar o Gustavo.
MÁRCIA AGUIAR, em áudio: "Vera tudo bem? O Gustavo vai se atrasar um pouquinho, deve chegar umas 9 horas. Assim que ele chegar aqui eu já te aviso, tá bom?"
JULIANA DAL PIVA: Só que enquanto eles estavam marcando esses encontros, o Ministério Público fez uma busca e apreensão em vários endereços da família do Queiroz e também dos parentes da Cristina, a ex-mulher do Bolsonaro.
A operação pegou todo mundo de surpresa e acabou com os planos do Queiroz. Tamanho foi o susto que os promotores conseguiram recolher muitas provas.
Uma das principais é justamente o celular da Márcia. Boa parte desse material de áudio que você ouviu estava no celular dela. A Márcia não apagou tudo, como o Queiroz pedia.
Além dos áudios, o celular da Márcia também tinha registros da localização do Queiroz. A partir desses dados, os promotores descobriram o paradeiro dele e, meses depois, pediram a prisão.
Nem o Queiroz ou a família Bolsonaro imaginava, mas naquele momento o Ministério Público já tinha muitas provas sobre o esquema todo.
Além do que já era alvo da investigação em si, no meio das provas também surgiram várias informações sobre pessoas centrais na vida do presidente Jair Bolsonaro.
Surgiram mais cheques do Queiroz para Michelle e milhões em dinheiro vivo dos parentes da Cristina. Até a Rogéria, mãe do Flávio, Carlos e do Eduardo, apareceu.
A quantidade de problemas para o Bolsonaro não parava de se multiplicar.
Mas será que tudo já foi revelado?
Acho que não.
No próximo episódio vou te mostrar mais gravações inéditas. Tem uma pessoa que garante que sabe muito mais do que já se descobriu. E sabe coisas que ameaçam o Bolsonaro. Parece que o passado voltou para assombrar o futuro do presidente.
O podcast UOL Investiga - A Vida Secreta de Jair é apresentado por Juliana Dal Piva e pela jornalista Gabriela Sá Pessoa. A reportagem, pesquisa e roteiro foram feitos por Juliana Dal Piva e também tiveram o trabalho da Amanda Rossi e da Gabriela Sá Pessoa. A edição de áudio é do João Pedro Pinheiro. A coordenação foi da Juliana Carpanez, do Flávio Costa e de Marcos Sérgio Silva. O design é do Eric Fiori. O vídeo de apresentação tem motion design do Santhiago Lopes, roteiro da Juliana Dal Piva e da Natália Mota. A direção de arte é da Gisele Pungan e do René Cardillo. O projeto também contou com Alexandre Gimenez e Antoine Morel, gerentes de conteúdo, e Murilo Garavello, diretor de conteúdo do UOL. Agradecimentos a Cláudia Cotes.
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