Topo

Podcast

UOL Investiga

O podcast com grandes reportagens do UOL


UOL Investiga T1E4: Investigações sobre Flávio conectam Jair Bolsonaro ao esquema

09/07/2021 04h01

O escândalo das rachadinhas, nome popular para a prática criminosa do peculato, revela o passado oculto do presidente Jair Bolsonaro. Este é o tema do podcast "UOL Investiga - A Vida Secreta de Jair". Intitulado "A Verdade Liberta", o quarto e último episódio conecta todas as histórias da família Bolsonaro e do esquema ilegal de devolução de salários nos gabinetes. O programa traz bastidores da prisão de Fabrício Queiroz e um resumo das provas contra ele e Flávio Bolsonaro. Também revela o que se descobriu para conectar o presidente Jair Bolsonaro diretamente ao esquema.

Você pode ouvir o quarto episódio completo no arquivo acima e, mais abaixo, ler na íntegra o roteiro do programa, que chega ao fim nesta sexta (9).

Em formato narrativo, o podcast apresentado pela jornalista Juliana Dal Piva, com ajuda da equipe do núcleo investigativo do UOL, foca em aspectos não revelados do envolvimento direto do presidente da República no esquema ilegal de entrega de salários de assessores na época em que ele exerceu seguidos mandatos de deputado federal (entre os anos de 1991 e 2018).

Você pode ouvir UOL Investiga no Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts, Amazon Music e Youtube.

"A VIDA SECRETA DE JAIR"

EPISÓDIO 4 - A VERDADE LIBERTA

JAIR BOLSONARO, discurso de vitória em outubro de 2018: "Meu muito obrigado a todos no Brasil por essa oportunidade. E, se me permitem, eu quero fazer a leitura do meu discurso da vitória."

JULIANA DAL PIVA: O presidente Jair Bolsonaro costuma contar para a família e para os amigos que ele já leu a Bíblia duas vezes. E tem um trecho que ele cita sempre. É do Novo Testamento: O Evangelho de João, capítulo 8 e versículo 32.

JAIR BOLSONARO, discurso de vitória em outubro de 2018:

"Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. Nunca estive sozinho (...)"

JULIANA DAL PIVA: Esse trecho é tão importante para o Bolsonaro que ele citou logo no início do discurso de vitória da eleição presidencial em 2018. Naquele dia, 28 de outubro, o Bolsonaro estava em casa ao lado da atual primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e de vários apoiadores.

O Bolsonaro estava usando um terno cinza e uma camisa azul. Era o único mais formal. Já era quase verão no Rio de Janeiro e todo mundo em volta dele estava com camisetas brancas ou amarelas com algum slogan da campanha ou adesivos com o número do PSL, o 17, que era o do partido do presidente Bolsonaro.

Logo depois do resultado, as televisões entraram ao vivo com o clima na casa de Bolsonaro. O SBT, por exemplo, mostrou até quando o presidente recém-eleito rezou de mãos dadas com a mulher e o ex-senador Magno Malta.

Ali estava ainda o Gustavo Bebianno, que era presidente do PSL. O deputado Hélio Lopes, grande amigo do Bolsonaro. Tinha o futuro ministro Onyx Lorenzoni e o senador Luis Carlos Heinze, que agora, durante a pandemia de covid-19, ficou conhecido por defender a cloroquina, um remédio que não tem eficácia para combater a doença. No fundo, longe das câmeras, também estava o advogado Frederick Wassef.

E foi na frente de toda essa gente que o Bolsonaro citou que a verdade ia libertar.

JAIR BOLSONARO, discurso de vitória em outubro de 2018: "A verdade vai liberar esse grande país. E a liberdade vai nos transformar em uma grande nação. A verdade foi o farol que nos guiou até aqui e que vai seguir iluminando o nosso caminho."

JULIANA DAL PIVA: O Bolsonaro já tinha citado essa passagem da Bíblia várias outras vezes na campanha e no plenário da Câmara dos Deputados.

Quando o Bolsonaro menciona essa passagem sobre a verdade, o que ele quer é dizer que a visão dele é a "verdadeira". Mesmo que os fatos neguem o que ele chama de "verdade".

E pra conhecer a "verdade" primeiro é preciso encarar os fatos. Mas justamente são os fatos sobre o caso da rachadinha que expuseram um passado que o presidente e a família dele parecem querer esquecer. Ou esconder.

E, investigando essa história, fiquei pensando no que significava conhecer a "verdade" sobre os gabinetes da família Bolsonaro.

Eu sou Juliana Dal Piva, colunista do UOL, e nesse quarto episódio do podcast UOL Investiga: A vida secreta de Jair, vou te contar por que os promotores do Rio de Janeiro denunciaram o senador Flávio Bolsonaro.

O filho mais velho do presidente foi apontado como líder de uma organização criminosa capaz de ter desviado pelo menos 6 milhões de reais dos cofres públicos.

Para fazer essa acusação, os investigadores reuniram milhares de documentos que se tornaram provas contra o Flávio.

Mas, no meio desses papéis, apareceram também indícios que conectavam ao esquema pessoas muito próximas ao presidente Jair Bolsonaro. Assessores, parentes, suas ex-mulheres e até a primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Também vou te mostrar mais gravações inéditas de familiares do presidente. Áudios que mostram uma conexão direta de Jair Bolsonaro com o esquema de devolução de salários.

ANDREA SIQUEIRA VALLE, em gravação: "Não é pouca coisa que eu sei, não. É muita coisa que eu posso ferrar a vida do Flávio, ferrar a vida do Jair, posso ferrar a vida da Cristina. Entendeu? Então, é por isso que eles têm medo aí e mandam eu ficar quietinha, não sei o quê, tal"

JULIANA DAL PIVA: Revelações que apontam para uma conclusão: os gabinetes da família Bolsonaro funcionavam como uma coisa só, sem divisões. E o presidente colocou os filhos na política, mas comandava cada um dos mandatos. Tudo parece um grande negócio de família. Fica comigo até o final que você vai ouvir e também vai entender.

[VINHETA]

JULIANA DAL PIVA: Os gritos assustaram quem passou perto do gabinete presidencial no Palácio do Planalto no fim daquela terça-feira. Era 20 de outubro de 2020.

O presidente estava aos berros naquele início de noite e quem passou perto não pode evitar de ouvir o Bolsonaro gritando que o filho mais velho, o Flávio, era perseguido pelos promotores do Rio de Janeiro.

No dia anterior, o Ministério Público do Rio de Janeiro entregou no Tribunal de Justiça do estado uma denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro.

Não se sabe ao certo como, porque o caso corre em sigilo, mas o presidente Jair Bolsonaro soube de alguns detalhes da denúncia.

Além da raiva, é difícil saber ao certo o que passou na cabeça do Bolsonaro naquele dia.

O rompante do presidente até foi notado pelos auxiliares, mas o motivo dos gritos acabou escondido do público em geral por mais duas semanas.

Depois de 820 dias no caso, o Ministério Público do Rio de Janeiro finalmente decidiu denunciar o Flávio e o amigo de longa data do presidente, Fabrício Queiroz. Além deles, mais 15 pessoas.

E os principais crimes apontados foram desvio de verba pública, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Soa bem pesado e é. Mas não foi uma surpresa.

A família Bolsonaro já dava como certo que o Flávio teria que enfrentar essas acusações na Justiça.

Esse destino parecia selado desde o dia 18 de junho do ano passado, quatro meses antes da denúncia.

TELEJORNAL: "Olá, bom dia. A Polícia Civil e o Ministério Público de São Paulo prenderam agora há pouco Fabrício Queiroz, que foi assessor de Flávio Bolsonaro quando ele era deputado estadual do Rio."

JULIANA DAL PIVA: O Brasil acordou naquela manhã com a resposta para a pergunta que rodou o país por mais de um ano e meio.

PERGUNTA: Cadê o Queiroz?

JULIANA DAL PIVA: Eram três horas da manhã quando 20 policiais do Garra, o Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos, deixaram a capital paulista. Já era o início do inverno, então fazia frio em São Paulo. O Brasil estava no meio da primeira onda de casos da pandemia de covid-19.

Os policiais saíram sem informação de quem era o alvo da operação. Uma hora depois eles chegaram em Campinas e aí sim receberam instruções de alguns promotores. Só os promotores é que sabiam o nome do alvo da operação num endereço da cidade de Atibaia, no interior de São Paulo.

Mais uma hora passou e todo o grupo chegou ao local. Às seis horas da manhã, policiais e promotores estavam na frente de uma casa numa chácara que fica no número 644, na rua das Figueiras, bairro Jardim dos Pinheiros.

Na frente do endereço tinha uma placa que identificava o lugar como o escritório do Frederick Wassef, o advogado da família Bolsonaro. Por isso, representantes da OAB também acompanharam tudo.

Os policiais, então, tocaram a campainha algumas vezes. E nada. Como ninguém apareceu, eles decidiram entrar. Cortaram uma corrente no portão e depois forçaram a porta da frente da casa.

Quando entraram no imóvel, os agentes encontraram um homem assustado e ainda deitado na cama. Era o Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro. Quem me contou esses detalhes foi o promotor paulista José Cláudio Báglio, que comandou a operação de prisão do Queiroz em Atibaia.

JOSÉ BÁGLIO, em entrevista a Juliana Dal Piva: Ele estava deitado, ainda, no interior de uma casa. Uma casa confortável, mas antiga, de chácara mesmo, típica da região ali. Parecia que algumas coisas estavam meio improvisadas ali, alguns colchões lançados em outros cômodos, etc.

JULIANA DAL PIVA: Quando vocês chegaram e entraram, viram ele deitado, como é que ele reagiu?

JOSÉ BÁGLIO: Ele se mostrou bastante surpreso, não acreditando no que estava acontecendo. Num primeiro momento, ele não queria dizer nada, mas depois ele confirmou que era efetivamente ele. Mesmo porque a gente estava com a identificação positiva de que ele estaria no local e o próprio caseiro disse que não sabia quem era. Se eu não me engano, o caseiro disse que conheceu ele por outro nome. Foram realizadas as buscas. Os documentos e objetos que eram de interesse da investigação foram apreendidos conforme a ordem judicial.

JULIANA DAL PIVA: Ele de algum jeito tentou dizer que não era ele, foi isso?

JOSÉ BÁGLIO: No começo, ele não admitiu que era ele. Mas depois de verificar que a gente já tinha e não adiantava essa negativa, ele confirmou, efetivamente, que era ele. Ele não mostrou nenhuma resistência, nada disso, mesmo porque não tinha qualquer condição.

JULIANA DAL PIVA: O sr. perguntou ou ele explicou como ele estava ali, sendo que a casa não era dele?

JOSÉ BÁGLIO: Não, não foi colhida nenhuma forma de depoimento.

JULIANA DAL PIVA: Ele mencionou o Frederick Wassef nesse momento?

JOSÉ BÁGLIO: Ele disse apenas que estava na chácara de um amigo.

JULIANA DAL PIVA: Parecia um escritório de advocacia?

JOSÉ BÁGLIO: Não. Não tinha nenhum indicativo de escritório de advocacia. Ele disse que tinha sido policial militar e era PM aposentado e que nunca pensou que ia passar por uma situação dessas. Isso ele me disse.

JULIANA DAL PIVA: Enquanto os policiais revistaram a casa, o Queiroz sentou-se numa cadeira da mesa de jantar e cruzou os braços. E, com uma expressão séria, ele esperou os policiais terminarem a busca por documentos e celulares.

Um pouco depois, o Queiroz saiu da casa escoltado pelos policiais. Ele estava de calça jeans, uma camisa azul marinho e um casaco grosso de um tom de marrom escuro. Ele também estava de boné e colocou no rosto uma máscara de proteção contra a covid-19.

Dali, o Queiroz foi levado para o Aeroporto do Campo de Marte, na zona norte da capital paulista. Colocaram o Queiroz num helicóptero para voltar para o Rio. E, já preso, o Queiroz foi levado para Bangu.

TELEJORNAL: "Fabrício Queiroz chegou ao conjunto penitenciário de Bangu por volta das 15h30. Ele está no presídio Pedrolino Werling de Oliveira, chamado de Bangu 8."

JULIANA DAL PIVA: A ação policial foi chamada de "Operação Anjo", em uma referência a como Queiroz e a família dele chamavam o advogado Frederick Wassef. Falei para você sobre isso no episódio anterior. Lá em Bangu, o Queiroz ficou numa cela do lado do Sergio Cabral, que era o governador do Rio de Janeiro, você deve lembrar.

Enquanto o Queiroz descobria a cadeia, as equipes do Ministério Público e da polícia ainda procuravam a mulher dele, a Márcia Aguiar. Ela também teve a prisão decretada, mas ninguém achou a Márcia. A mulher do Queiroz fugiu dos investigadores e ficou foragida da Justiça por 40 dias.

Já tinha meses que a Márcia tinha medo de ser presa. Lembra?

MÁRCIA AGUIAR, em áudio de novembro de 2019: "Então somos foragidos para viver fugindo? Estar em outro lugar? Não é possível isso. Entendeu? Bota isso para eles. Pode falar que é a minha palavra mesmo, quero saber o fundamento disso. Eu não vou sair do Rio para morar em São Paulo e deixar minha filha, meu filho, e também é a minha preocupação o Queiroz, como ele vai ficar aí? Nossa vida é aqui. Então pra mim, isso daí, a não ser que a gente fosse foragido."

JULIANA DAL PIVA: A Márcia fugiu, o Queiroz foi preso. Mas como será que o Ministério Público achou esse endereço? Te contei no episódio anterior que o Ministério Público tinha feito uma busca e apreensão em endereços do Queiroz, do Flávio e até dos parentes da Cristina, a segunda mulher do presidente. Isso foi em dezembro de 2019. Logo depois dessa operação, o advogado Paulo Klein, que defendia o Queiroz, deixou o caso.

Então, por seis meses, ninguém sabia onde o Queiroz estava. E ele também não tinha representação no processo. O Queiroz não era foragido, mas o sumiço era notado pela imprensa e pelos investigadores.

E foi a partir dos dados de uma foto encontrada no celular da Márcia, apreendidos em dezembro pelo Ministério Público, que se achou a localização do Queiroz.

Mas como eu estava contando, naquela manhã de 18 de junho, pouco depois da prisão, o Queiroz não tinha um advogado.

Horas depois, o advogado Paulo Emílio Catta Preta se apresentou como o novo representante do Queiroz no caso.

Essa é mais uma das coincidências dessa história. O Catta Preta era, até quatro meses antes, o defensor do miliciano Adriano Nóbrega. Esse miliciano é aquele amigo do Queiroz.

E, naquele dia da prisão do Queiroz, eu falei com o advogado Paulo Emílio Catta Preta sobre a entrada dele no caso.

JULIANA DAL PIVA: Quando o senhor começou a atuar na defesa do Queiroz?

PAULO EMÍLIO CATTA PRETA: Olha, rigorosamente, primeiro ato mesmo, a partir de hoje. Mas eu já estou sendo procurado pela família há alguns dias, cerca de uns 15 dias, no sentido de eu advogar para ele, defendê-lo nessa questão da Alerj. Ele estava sem advogado porque o defensor tinha renunciado já há algum tempo. Eles me perguntaram se eu podia advogar, falei que sim, pedi para estudar os autos e, enfim, prosseguimos.

JULIANA DAL PIVA: O senhor atendia o ex-capitão do Bope Adriano Nóbrega. O senhor está dizendo que foi procurado pela família do Queiroz, o senhor acha que também teria alguma relação?

PAULO EMÍLIO CATTA PRETA: Não fui informado sobre isso, mas posso supor que, por eles terem visto a minha atuação no caso do Adriano, eles eram amigos, talvez isso tenha sido um dos motivos de eles terem me procurado. Mas não me foi dito isso.

JULIANA DAL PIVA: O senhor foi procurado por quem especificamente da família?

PAULO EMÍLIO CATTA PRETA: ui procurado pelas filhas inicialmente, depois falei com ele ao telefone. Não estive com ele ainda não, até porque achava que tinha tempo para estudar o processo e, enfim, acho que a medida (prisão) de hoje abrevia o meu tempo.

JULIANA DAL PIVA: O senhor foi procurado em Brasília?

PAULO EMÍLIO CATTA PRETA: Em Brasília.

JULIANA DAL PIVA: Pessoalmente, por telefone?

PAULO EMÍLIO CATTA PRETA: Por telefone.

JULIANA DAL PIVA: Entendi. or tinha conhecimento de que ele estava no imóvel do Wassef?

PAULO EMÍLIO CATTA PRETA: Não, não tinha conhecimento.

JULIANA DAL PIVA: Quando as filhas procuraram, elas não disseram isso pro senhor?

PAULO EMÍLIO CATTA PRETA: Não, elas não falaram onde ele estava e eu também não perguntei. Foi uma conversa inicial de tentar procurar um advogado, basicamente contar o caso e dizer o que é que tem e vai querer essa defesa. Não cheguei a perguntar isso [onde ele estava] e eles [família] também não me falaram.

JULIANA DAL PIVA: Esse é um trecho de uma entrevista que o advogado Paulo Emílio Catta Preta me deu naquele dia. A íntegra foi publicada na revista Época.

Antes de continuar, tem uma coisa importante que eu preciso te contar. Quatro meses antes do Queiroz ser preso, o Adriano morreu numa operação policial na Bahia.

O Adriano era foragido da Justiça fazia um ano. A polícia diz que ele reagiu e houve um confronto. Já a família do Adriano diz que ele foi executado.

Mas essa é uma história longa, cheia de polêmicas que rende sozinha um episódio inteiro. Vai ter que ficar pra outro dia.

O que interessava naquele 18 de junho de 2020 era a prisão de Queiroz na casa do advogado da família Bolsonaro.

Todo mundo procurou o Wassef por uma explicação. Afinal de contas, fazia meses que ele dizia que não sabia onde o Queiroz estava. Aí o Queiroz foi preso e o Wassef mudou a versão. O advogado passou a dizer que emprestou a casa para o Queiroz ficar durante os tratamentos de saúde que ele fazia em São Paulo. O Wassef inclusive repetiu isso em uma entrevista para minha coluna no UOL este ano.

JULIANA DAL PIVA: O senhor nunca se encontrou com nenhum desses assessores que é investigado, além do Queiroz?

FREDERICK WASSEF: Quem te disse? Eu falei que eu me encontrei com o Queiroz? Nunca falei isso. Você nunca ouviu falar que eu me encontrei com o Queiroz, isso é mentira. Nunca disse a ninguém que me encontrei com o Queiroz.

JULIANA DAL PIVA: O Queiroz esteve na sua casa, como o senhor bem sabe, ele foi preso em Atibaia.

FREDERICK WASSEF: Eu falei? Você acabou de fazer uma afirmação que eu não disse.

JULIANA DAL PIVA: Eu estou corrigindo, é uma pergunta, o senhor pode responder e dizer: o senhor nunca esteve com o Queiroz.

FREDERICK WASSEF: Olha o que eu vou falar sobre o Queiroz, preste bem atenção. Fui vítima de fake news. Jamais escondi Queiroz. Jamais Queiroz esteve escondido, procurado ou foragido. Queiroz não era indiciado. Não era denunciado. Não era réu em ação penal. Não era nada. Era apenas um averiguado, assim como Flávio e outras 40 pessoas. A senhora deveria saber Juliana que jamais existiu uma determinação judicial que impedisse Queiroz de viajar, ir, vir ou que ele tivesse que declarar ao juízo "senhor juiz vou sair hoje, vou passar uma semana em São Paulo pelos motivos tais e retorno na data tal". Nunca teve nada disso. Portanto, jamais houve qualquer ilegalidade no Queiroz viajar. Então vou fazer um breve resumo da história Queiroz para combater a fake news. O Queiroz morava no Rio, em endereço declinado à Justiça, e era lá que ele morava e sempre esteve. Jamais morou comigo e muito menos se escondeu comigo. São mentiras criminosas e fake news. Vou dar duas informações importantes para a senhora. Onde estava Queiroz antes de ele ser preso em Atibaia? Por que falaram que ele morava em Atibaia há um ano? Mentira. Ele estava no Rio de Janeiro. O Queiroz chegou em Atibaia e foi preso apenas três dias após a sua chegada. Ele foi preso no quarto dia. Onde o Queiroz estava antes? Na residência dele, no Rio de Janeiro, no endereço fornecido nos autos do processo. Quanto tempo ele esteve lá? Dois meses. E antes disso? Sim, ele esteve em Atibaia, 10, 12 dias. Não sei, porque não estava lá. Não vi. Não falei com ele. Mas e antes? Rio de Janeiro. Então vou resumir para a senhora: o Queiroz viajava. Morava no Rio e fazia viagens. Ficava a maior parte do tempo no Rio. Aí vinha a Atibaia, fazia seu tratamento de saúde, passava uns dias e voltava. Ele apenas viajava e transitava. Permitir o uso de uma propriedade, para que uma pessoa em tratamento de câncer, pudesse ter um abrigo, não é irregular, imoral ou crime. Não é nada.

JULIANA DAL PIVA: O Wassef não gosta de falar desse assunto. Até porque é no mínimo difícil de imaginar que ele emprestasse a casa e não falasse com o Queiroz. Eu até já te mostrei uma mensagem do Queiroz falando de uma conversa com o "Anjo".

FABRÍCIO QUEIROZ, em áudio de outubro de 2019: "O 'Anjo' também a primeira coisa que o 'Anjo' chegou pra mim e falou na minha cara foi: você foi traído, você foi traído ontem à noite!"

JULIANA DAL PIVA: Mas vamos voltar aqui para a prisão do Queiroz. Lembra que eu falei que desde esse dia a família Bolsonaro sentia que o Flávio ia ser denunciado?

O motivo dessa suspeita estava em grande parte escrito na decisão do juiz Flávio Itabaiana, responsável naquela época pelo caso.

O juiz decidiu prender Queiroz depois de uma série de provas que o Ministério Público apresentou. A principal foi a análise da conta bancária do Queiroz, da Márcia e de outros 11 ex-assessores do Flávio.

Os promotores do Grupo de Combate à Corrupção do Ministério Público do Rio de Janeiro constataram que mais de 2 milhões de reais saíram das contas dessas 11 pessoas e foram parar na conta bancária de Queiroz.

E isso aconteceu sistematicamente ao longo de anos, entre 2007 e 2018. Todos os meses esse grupo de pessoas entregava dinheiro para o Queiroz logo depois de receber o pagamento da Alerj.

O Ministério Público também assistiu horas e horas de gravação de um banco da Alerj. E achou imagens do Queiroz em outubro de 2018 no caixa da agência, pagando em dinheiro vivo alguns boletos da escola das filhas do Flávio: 7 mil reais em cash.

Só que os promotores descobriram que pagar essas contas com dinheiro na mão era algo comum para o Flávio. Mais 114 boletos foram pagos assim, em dinheiro vivo. Dá um total de 261 mil reais em espécie. O Ministério Público ainda não sabe quem pagou esses outros boletos, só viu que não saiu da conta do Flávio ou da mulher dele.

Os promotores também apontaram no pedido de prisão as mensagens da família do Queiroz que você ouviu no episódio passado. Os investigadores mostraram pro juiz que o Queiroz ainda tinha muita influência política. Eles acusaram o amigo da família Bolsonaro de tentar obstruir as investigações.

Lembra da Márcia reclamando que o Queiroz continuava indicando pessoas para cargos comissionados, agora no Congresso?

MÁRCIA AGUIAR, áudio em outubro de 2019: "Confiar em amigos, entendeu? Nessa vida, a gente não tem que confiar em ninguém. Se bobear, nem na própria família. Ainda mais num caso desse daí. Ele fala da política como se estivesse lá dentro trabalhando e resolvendo. Um exemplo que eu tenho, parece aquele bandido que tá preso dando ordens aqui fora. Resolvendo tudo."

JULIANA DAL PIVA: Mas todos esses dados da investigação sobre os 2 milhões que o Queiroz recebeu e os boletos pagos em espécie eram só o começo.

O início de uma avalanche de fatos e informações que o senador Flávio tem muita dificuldade de explicar. Mas não só ele. Toda a família.

Um ponto em especial é o tanto de dinheiro vivo que os Bolsonaro usaram para comprar imóveis e pagar despesas. Tipo essa história dos boletos que eu falei agora há pouco. O que eles já usaram em dinheiro vivo para pagar imóveis dá uns 3 milhões de reais. Tem até quem brinque que a família Bolsonaro possui aversão ao sistema bancário.

E perguntar sobre isso para o presidente e os filhos tira todos eles do sério. Mas não é de agora. Mesmo antes de saber dessa montanha de dinheiro vivo, já faz alguns anos que o presidente fica bastante alterado quando perguntam dos assessores e do patrimônio da família.

Eu vou voltar rapidinho ao início de 2018. Alguns meses antes da eleição.

Os repórteres Camila Mattoso, Italo Nogueira e Ranier Bragon, da Folha de São Paulo, fizeram uma reportagem sobre o patrimônio do Bolsonaro e dos três filhos mais velhos.

Eles encontraram, naquela época, um total de 13 imóveis que valiam cerca de 15 milhões de reais.

Os jornalistas tentaram fazer algumas perguntas para o Bolsonaro sobre o assunto.

ITALO NOGUEIRA, entrevista com Jair Bolsonaro em janeiro de 2018: "Então vamos falar do seu patrimônio. O senhor estava criticando o fato de a Folha ter divulgado o valor do patrimônio do senhor, da sua família."

JAIR BOLSONARO: "Peraí? Você tem que divulgar é o meu patrimônio. Daqui a pouco você vai querer pegar a minha mãe. Meus pais, meu pai já morreu. Meus irmãos. Tem que pegar o meu, esquece meus filhos (...)"

JAIR BOLSONARO: "Você tá enchendo o saco, porra. Tá procurando cabelo em ovo."

JULIANA DAL PIVA: Nessa ocasião, a Camila Mattoso perguntou por que ele recebia auxílio-moradia se tinha um apartamento em Brasília e o Bolsonaro respondeu na maior grosseria.

CAMILA MATTOSO, entrevista com Jair Bolsonaro em janeiro de 2018: "E o senhor utilizou em algum momento, deputado, o dinheiro do auxílio-moradia para esse primeiro apartamento?"

JAIR BOLSONARO: "Como eu estava solteiro naquela época, esse dinheiro de auxílio-moradia eu usava para comer gente. Você está satisfeita agora? É a resposta que você merece. O dinheiro do auxílio-moradia eu dormi em hotel, eu dormi em casa de colegas meus militares. O dinheiro foi gasto em alguma coisa. Você quer que eu preste a continha? Recebi 3 mil, eu gastei 2 mil de hotel, vou devolver mil. Tem cabimento?"

ITALO NOGUEIRA: "Diversos colegas seus fazem isso".

JULIANA DAL PIVA: Nessa entrevista, o presidente Jair Bolsonaro também falou uma coisa que me fez pensar sobre como ele e os filhos atuavam juntos.

JAIR BOLSONARO, entrevista janeiro de 2018: "Não há diferença, muitas vezes um funcionário que trabalha para mim, trabalha para os dois também."

JULIANA DAL PIVA: Nesse dia, o comentário do Bolsonaro não chamou a atenção necessária sobre o que realmente significava não ter diferença trabalhar para ele ou para os filhos. Não parecia nada demais que eles compartilhassem algum serviço entre os assessores.

Só que com o tempo e a investigação sobre a rachadinha, isso foi se mostrando um modus operandi. A filha do Queiroz, por exemplo. A Nathália.

NATHÁLIA QUEIROZ, em áudio: "Meu pai é muito burro, cara. Muito burro. O que é que ele tem que ficar falando essas coisas? Ele não aprendeu com esse monte de merda que aconteceu? Vai e ainda fica falando mais de política, gente, que prazer é esse que ele tem?"

JULIANA DAL PIVA: Ela sempre foi personal trainer. Mas passou um tempo nomeada no gabinete do Flávio e depois virou funcionária do Bolsonaro. Se ela trabalhasse normalmente como assessora parlamentar, isso não importava. A questão é que as provas mostraram que ela sempre foi personal. Era, portanto, funcionária fantasma na Alerj e na Câmara dos Deputados.

Então, desde 2018, a situação dos funcionários dos Bolsonaro deixava dúvidas. E o patrimônio da família do agora presidente também.

Só que faz pouco tempo que a gente sabe em detalhes as suspeitas em algumas dessas negociações de imóveis. E o Bolsonaro já tinha sido eleito presidente da República quando os problemas vieram à tona.

O fato inegável antes da eleição de 2018 era que o Bolsonaro e os três filhos construíram quase todo aquele patrimônio depois de entrar para a política.

A primeira vez que o presidente Jair Bolsonaro disputou uma eleição foi em 1988. Ele concorreu a vereador no Rio de Janeiro e disse para a Justiça Eleitoral que tudo o que ele tinha era um Fiat Panorama, uma moto e dois terrenos em Resende, no sul do estado.

Já o Flávio e o Carlos foram eleitos pela primeira vez no início dos anos 2000. Ainda eram estudantes universitários e nunca tiveram outro emprego fora da política.

Décadas passaram. Hoje o Flávio é senador e teve antes quatro mandatos de deputado estadual.

FLÁVIO BOLSONARO, em discurso no Senado em junho de 2021: "É fácil depor quando você está com a verdade do lado, então eu senti isso do general Pazuello, muita tranquilidade."

JULIANA DAL PIVA: O Carlos já está no sexto mandato de vereador.

CARLOS BOLSONARO, em discurso na Câmara de Vereadores em 2012: "Não trata-se aqui de sermos héteros ou homossexuais, trata-se de caráter."

JULIANA DAL PIVA: O Eduardo foi para o segundo mandato de deputado federal. Ele se tornou deputado em 2015. Antes, foi policial federal concursado por quatro anos.

EDUARDO BOLSONARO, em uma aula em 2018: "Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Não manda nem um jipe, manda um cabo e um soldado."

JULIANA DAL PIVA: Essa carreira de políticos profissionais da família Bolsonaro rendeu. Todos eles enriqueceram na política. Esse também é outro fato.

O Bolsonaro só não tem um patrimônio maior porque na separação da Cristina ela ficou com dois terços do total, mais de 2 milhões de reais na época. É aquela segunda mulher dele de quem eu te falei no segundo episódio.

O patrimônio de Bolsonaro hoje é um apartamento em Brasília, duas casas num condomínio na Barra da Tijuca, uma casa onde funciona um escritório político dele em Bento Ribeiro, na zona norte do Rio, e a casa de praia em Angra dos Reis. Aquela onde ele fazia um tour mostrando as armas pros convidados. Tudo isso, mais umas ações e uns carros, soma, segundo o Bolsonaro, uns 2,2 milhões de reais.

Mas é o tamanho do empreendedorismo do Flávio que causou mais surpresa. Lá em 2003, tudo que o estudante de Direito Flávio Bolsonaro tinha era um carro. Um Gol 1.0.

Hoje, o Flávio é dono de uma mansão de 6 milhões de reais em Brasília. E, desde 2005, ele negociou 20 imóveis. Também montou uma loja de chocolates, em 2015. E é justamente essa ascensão financeira do Flávio o coração da investigação do Ministério Público sobre a rachadinha.

FLÁVIO BOLSONARO, em entrevista para a TV Record em janeiro de 2019: "Eu explico mais uma vez. Eu sou empresário, o que eu ganho na minha empresa é muito mais do que ganho como deputado estadual. Eu não vivo só do meu salário de deputado."

JULIANA DAL PIVA: Esse é o Flávio, em janeiro de 2019, tentando explicar por que tinha feito 48 depósitos de 2 mil ao longo de alguns dias.

Imagina essa cena. O Flávio, um deputado estadual, sozinho na frente de um caixa eletrônico, depositando um envelope de 2 mil. Depois outro, mais um e assim por diante. Eu nunca nem vi 96 mil reais em dinheiro vivo. Você não acha mais simples ir direto no caixa fazer esse depósito todo de uma vez?

A versão do Flávio sobre esse dinheiro é que ele recebeu na venda de um apartamento. O comprador até confirmou. Só disse que não pagou de 2 em 2 mil reais.

Mas essa não era a única história contraditória nas negociações de imóveis do Flávio. Mais e mais dinheiro vivo foi aparecendo em várias outras negociações de apartamentos. Os promotores acharam até o uso de 640 mil reais em dinheiro vivo na compra de dois apartamentos em Copacabana.

A loja de chocolates também tinha lá suas suspeitas, porque recebia valores incompatíveis com as vendas declaradas.

Escuta o que o promotor Luis Fernando Ferreira Gomes disse para o Flávio depois de analisar os dados financeiros e o patrimônio dele.

LUIS FERNANDO GOMES: "As suas declarações, os valores declarados pelo senhor nas suas declarações pessoais do Imposto de Renda, não batem com o valor declarado pela empresa. As suas declarações são maiores do que as distribuições de lucro da empresa. Não sei se o senhor compreendeu."

FLÁVIO BOLSONARO: "Eu compreendi. Mas por mim isso não tava, tem que checar se isso está correto, doutor. Eu sempre declarei no Imposto de Renda o que eu recebi de distribuição de lucros."

LUIS FERNANDO GOMES: "Então, ninguém passava para o senhor que é que?"

FLÁVIO BOLSONARO: "Ele, o Santini, transfere para a minha conta os valores conforme dá lucro, maior ou menor. E às vezes eu pegava em espécie na loja."

JULIANA DAL PIVA: Essas informações todas, como contei no início desse episódio, acabaram numa denúncia contra o Flávio no Tribunal de Justiça do Rio. Quase 300 páginas resumindo inúmeras provas de um desvio de quase 6 milhões de reais.

Os promotores descobriram que, apesar de todos esses pagamentos em dinheiro vivo, o Flávio não sacava esses valores da conta dele. Para você ter uma ideia, a mulher do Flávio chegou a ficar quatro anos sem fazer um único saque da conta dela.

Então de onde vinha o dinheiro vivo para pagar por tudo isso? Essa é a grande questão. Para o Ministério Público, não tinha mais dúvida. Um grupo de assessores não trabalhava, mas recebia e devolvia a maior parte do salário para o Queiroz, que entregava em dinheiro vivo para o Flávio.

Um fato novo, importante, que apareceu na denúncia foi o depoimento da ex-assessora Luiza Paes. Vou pedir para a Gabi Pessoa relembrar quem é a Luiza.

GABRIELA SÁ PESSOA: A Luiza começou a trabalhar na Assembleia em 2011, no gabinete do Flávio Bolsonaro. Ela ficou trabalhando diretamente com o Flávio até 2012, depois ela ganhou outros cargos. A investigação do Ministério Público do Rio apontou que ela era um dos funcionários fantasmas que participavam do esquema de rachadinha no Legislativo do Rio. De acordo com a investigação, ela entregou para Queiroz um total de 160 mil reais. Ela é filha de um amigo do Queiroz e é aí que ela se aproxima da família.

JULIANA DAL PIVA: Eu te contei que eu fui à casa da Luiza lá em dezembro de 2018. A mãe dela ficou irritada e até mentiu para mim que a filha dela não estava enrolada na história.

LEONORA PAES: Não tem nada a ver com a minha filha, não.

JULIANA DAL PIVA: Depois do avanço das investigações, a Luiza começou a ter dificuldade para trabalhar. A história do gabinete perseguia a Luiza onde quer que ela fosse e ela começou a ficar com medo. Especialmente de ser presa. Pessoas que conhecem a Luiza me contaram que ela entrou no esquema sem saber direito o que estava fazendo.

O Queiroz e o pai da Luiza são amigos do tempo da polícia e o que tinha sido oferecido para ela era só um estágio. Só que quando a Luiza chegou no gabinete para tomar posse, em 2011, contaram que ela não precisava aparecer na Alerj.

O que a Luiza contou é que disseram para ela que, se alguma atividade surgisse, alguém do gabinete ia procurar por ela. A única tarefa obrigatória da Luiza era sacar todo mês o salário e depositar para o Queiroz. A Luiza tinha que entregar a maior parte dos quase 5 mil reais que ela ganhava. Para ex-assessora, ficava uma mesada de 700 reais.

Então, quando a Luiza sentiu que os promotores já tinham muitas provas contra ela, decidiu depor. Em setembro do ano passado, a Luiza foi ao Ministério Público e prestou um depoimento admitindo que devolveu cerca de 160 mil reais para Queiroz. Confessou que nunca trabalhou e, portanto, era uma funcionária fantasma.

A Luiza apontou que sabia que a situação de outras pessoas era igual à dela, como a Nathália, filha do Queiroz.

A Luiza revelou, ainda, que tinha que devolver o que recebia de férias, 13º, vale-alimentação e, pasme, até a restituição do Imposto de Renda.

Foi a única assessora a admitir claramente o esquema para os investigadores.

A Luiza também contou que foi orientada pela equipe de defesa do Flávio em dezembro de 2018 a não prestar depoimento. A ex-assessora disse que, no dia que tinha que ir depor, foi chamada para conversar com Frederick Wassef num hotel no Rio de Janeiro.

Depois de saber disso, eu perguntei para o Wassef sobre esse encontro.

JULIANA DAL PIVA: O senhor nunca se encontrou com a assessora chamada Luiza Souza Paes?

FREDERICK WASSEF: Não sei quem é a Luiza. De verdade, não me recordo. Você está me perguntando se eu me encontrei com uma pessoa há dois ou três anos, eu não sei. O que vou dizer é o seguinte: a fake news criminosa, o crime de calúnia que eu ouvi, você percebe? Quer dizer, você quer misturar numa matéria do presente, puxar algo lá de trás...

JULIANA DAL PIVA: Mas isso diz respeito ao mérito da investigação. É uma assessora do Flávio que admitiu crimes à Justiça.

FREDERICK WASSEF: Não, ela não admitiu crime nenhum.

JULIANA DAL PIVA: Ela admitiu.

FREDERICK WASSEF: Não, não. Desculpa. Ela apenas - então é que não tenho acesso. Você vai me perguntar sobre algo que não tenho conhecimento, fica difícil.

JULIANA DAL PIVA: Eu perguntei ao senhor se o senhor teve acesso a esse depoimento, mas isso é um fato. Isso faz parte da denúncia. Foi entregue esse depoimento ao Órgão Especial do TJ-RJ.

FREDERICK WASSEF: O depoimento dessa moça que eu não conheço, não tenho nenhuma relação. Não sei nem quem é.

JULIANA DAL PIVA: É que ela citou seu nome e disse que encontrou o senhor no dia em que ela tinha que prestar depoimento no Ministério Público.

FREDERICK WASSEF: Isso é mentira. É armação. Pode esquecer, que eu nunca na vida encontrei ninguém em dia de Ministério Público.

JULIANA DAL PIVA: Eu soube que a Luiza entregou até os dados do celular que mostravam o deslocamento dela até o hotel do encontro. Mas sobre isso, talvez seja melhor a Luiza e o Wassef discutirem no processo com o juiz do caso.

Eu queria muito te mostrar o áudio do depoimento da Luiza, mas ele está sob segredo de Justiça. Ela também não quis gravar entrevista. Mas eu vou continuar tentando.

Agora que eu resumi as acusações do Ministério Público contra o Flávio, deixa eu te explicar o quanto parte dessas provas complicaram também o presidente Jair Bolsonaro.

Os promotores não podiam investigar o presidente. A competência disso é do procurador-geral da República. Mas na coleta de provas acabou surgindo muita coisa ligada ao Bolsonaro. Os investigadores não citavam, mas nós da imprensa ficamos de olho.

Um dos pontos mais delicados para o Bolsonaro foi a descoberta feita pelo repórter Fábio Serapião, em uma reportagem que saiu na revista Crusoé. No meio dos dados da conta bancária do Queiroz e da mulher dele apareceram 27 cheques no total de 89 mil reais para ninguém menos que a primeira-dama Michelle Bolsonaro.

ENTREVISTADOR: "Foi rápido, você diria, o começo do namoro?"

MICHELLE BOLSONARO: "Foi rápido. Nos conhecemos, namoramos, noivamos e nos casamos em cinco meses."

Antes de continuar, deixa eu chamar a minha colega Gabi Pessoa pra falar da história da primeira-dama.

GABRIELA SÁ PESSOA: A Michelle Bolsonaro é a terceira esposa do presidente. Ela é mãe da filha caçula, a Laura, a única mulher entre os herdeiros do Bolsonaro. Ele já chegou a dizer que a filha tinha sido uma "fraquejada" dele. A Michelle nasceu no Distrito Federal e trabalhava como assessora parlamentar na Câmara dos Deputados. Ela foi trabalhar no gabinete do Jair Bolsonaro em setembro de 2007. Nove dias depois, o casal assinou um acordo pré-nupcial, que acabou virando casamento no civil dali a dois meses. Só que a festa mesmo só foi acontecer anos depois, em 2013, em uma união celebrada pelo pastor Silas Malafaia.

JULIANA DAL PIVA: Quer dizer, então a versão que o presidente disse, lá em dezembro de 2018, sobre ter feito um empréstimo de 40 mil pro Queiroz, não era bem assim. Se o Queiroz pegou 40 mil reais emprestados do Bolsonaro, por que ele iria devolver mais do que o dobro para a mulher do presidente?

Só que perguntar para o Bolsonaro sobre esse assunto se tornou um risco.

Por dois meses, o Bolsonaro foi blindado pela equipe e evitou entrevistas. Mas num domingo, no fim de agosto do ano passado, o Bolsonaro saiu para uma caminhada perto da Catedral de Brasília. O "passeio" gerou uma das inúmeras aglomerações provocadas por ele na pandemia.

Nessa ocasião, um repórter do jornal O Globo perguntou sobre os cheques e foi ameaçado.

JAIR BOLSONARO, em resposta a jornalista: "Minha vontade é encher sua boca com uma porrada, tá?"

JULIANA DAL PIVA: E a verdade é que até hoje, um ano depois, o presidente Jair Bolsonaro nunca explicou esses outros cheques. A primeira-dama também, nada. Tudo é silêncio.

Mas essa não era a única questão sensível para o presidente. O próprio Flávio acabou envolvendo o pai quando foi depor no Ministério Público.

PROMOTOR LUIS FERNANDO GOMES: "As corretoras imobiliárias, foram duas, informaram que os pagamentos do financiamento dessas salas foram financiados pelas próprias corretoras. Parte deles (pagamentos) foi feita com dinheiro em espécie, mais especificamente no ano de 2008, R$ 86.779,43. Outra parte foi feita com cheques, especificamente R$ 8.800, e outros pagamentos foram feitos por boletos bancários. Inicialmente o senhor se recorda de quem eram os cheques utilizados nesses pagamentos?"

FLÁVIO BOLSONARO: "Os cheques eram meus."

PROMOTOR LUIS FERNANDO GOMES: "Eram seus? Tá. E os depósitos em espécie?"

FLÁVIO BOLSONARO: "Eu saí pedindo emprestado para o meu irmão, para o meu pai, eles me emprestaram esse dinheiro. Tá tudo declarado no meu Imposto de Renda, que foi comprado dessa forma. Depois eu fui pagando a eles esses empréstimos. Acho que o Jorge [Francisco], que era chefe de gabinete do meu pai, também me ajudou."

PROMOTOR LUIS FERNANDO GOMES: "O senhor mencionou que efetuou empréstimos, que está inclusive declarado na sua declaração de Imposto de Renda. E tem depois nos anos seguintes, tem as declarações dos pagamentos desses empréstimos, da devolução. Essas transações foram feitas sempre em dinheiro ou era transferência bancária?"

FLÁVIO BOLSONARO: "Não. Era em espécie, em dinheiro."

PROMOTOR EDUARDO CARVALHO: "O declarante sabe informar se esse empréstimo foi recebido de uma vez só ou parceladamente? E se ele foi pago de uma vez só ou parceladamente?"

FLÁVIO BOLSONARO: Como era em família, não lembro agora exatamente como foi feito. Se foi parcelado ou uma vez só."

JULIANA DAL PIVA: Vamos recapitular aqui. O Flávio disse que pegou 86 mil, emprestado, também em dinheiro vivo. Notou que é sempre em espécie?

Mas retomando, esse dinheiro para pagar as salas, o Flávio disse que pegou emprestado com o pai, o presidente Jair Bolsonaro, um irmão, que só pode ser o Carlos, porque o Eduardo era estudante nessa época, e o chefe de gabinete do Bolsonaro na Câmara do Deputados, que era o Jorge Francisco, nesse tempo.

Antes de continuar, deixa só pedir para a Gabi Pessoa explicar quem era esse assessor.

GABRIELA SÁ PESSOA: Jorge Francisco é um capitão do Exército, assim como o Bolsonaro, e foi chefe de gabinete do presidente enquanto ele era deputado federal. Ele trabalhou com Bolsonaro entre 2001 e 2018, e só saiu quando morreu. Ele é pai do ministro do TCU, Jorge Francisco, um dos mais próximos do presidente Bolsonaro.

JULIANA DAL PIVA: Mas o Flávio também pegou dinheiro com um outro funcionário do Bolsonaro, o Wolmar Villar Júnior. A Gabi vai explicar quem ele é.

GABRIELA SÁ PESSOA: Wolmar é assessor de Bolsonaro desde 1992, ainda na Câmara dos Deputados. É um dos mais antigos. Desde que Bolsonaro assumiu a Presidência, ele se tornou assessor especial da Presidência.

JULIANA DAL PIVA: Mas os empréstimos que o Flávio pegou eram até maiores que esses 86 mil. O valor total dava 250 mil reais. E apesar de o senador até ter declarado esses empréstimos no Imposto de Renda, esse montante nunca entrou na conta do Flávio. Então foi mais dinheiro vivo.

Mas, fora esses dados sobre os funcionários do Bolsonaro, também fiquei intrigada com a situação dos parentes da Cristina, a segunda mulher do Bolsonaro. Falamos dela no episódio 2.

Os promotores identificaram que um grupo de dez familiares dela, que apareciam como funcionários do Flávio, sacaram mais 4 milhões de reais em espécie entre 2007 e 2018. Uma média de 90% do que recebiam como assessores.

Em janeiro deste ano eu tentei falar com a Cristina sobre toda a situação.

JULIANA DAL PIVA: essas acusações Ana que fazem em relação à sua família, dentro da investigação do Flávio?

ANA CRISTINA VALLE: Então, querida, o que eu costumo falar é que nós estamos à disposição da Justiça. Quem não deve não teme. Eu mesma fui depor no Ministério Público pela segunda vez e o MP não compareceu, aquele depoimento online por causa da covid. Aguardei o tempo limite, né, e eles não apareceram. Estou à disposição da Justiça a qualquer momento.

JULIANA DAL PIVA: Ninguém mais te procurou para fazer tentativa de depoimento?

ANA CRISTINA VALLE: Não. Ninguém mais. Mas eu estou à disposição da Justiça.

JULIANA DAL PIVA: E essas acusações que fazem sobre seus parentes serem funcionários fantasmas?

ANA CRISTINA VALLE: Eu acho que cada um vai responder na hora certa.

JULIANA DAL PIVA: o pessoal que era lá do Carlos. Tinha uma cunhada sua que morava em Juiz de Fora?

ANA CRISTINA VALLE: Minha querida, você queria saber se eu vou pra Brasília e esse assunto eu não quero falar não.

JULIANA DAL PIVA: Você não quer falar disso?

ANA CRISTINA VALLE: Não.

JULIANA DAL PIVA: Eu queria te fazer uma última pergunta. Também acharam na investigação do Flávio, um momento em que um caixa registrou que você sacou 50 mil reais da?

ANA CRISTINA VALLE: Eu?

JULIANA DAL PIVA: ..da conta da sua irmã, Andrea, uma conta que ela tinha em Brasília...

ANA CRISTINA VALLE: Eu?

JULIANA DAL PIVA: ...do período em que ela foi funcionária do Bolsonaro.

ANA CRISTINA VALLE: Eu, querida?

JULIANA DAL PIVA: , ficou registrado no banco isso.

ANA CRISTINA VALLE: Então o banco tem que mostrar esse registro aí, porque eu desconheço.

JULIANA DAL PIVA: Esse registro existe dentro da investigação do Flávio, porque ela teve o sigilo quebrado lá, você sabe, né?

ANA CRISTINA VALLE: Sim, eu sei. Mas é o que eu te falei, esse assunto você tem que ligar para o meu advogado.

JULIANA DAL PIVA: á bom.

ANA CRISTINA VALLE: Esse assunto eu não quero falar. Não quero comentar, porque está na Justiça, entendeu? Nós vamos responder lá.

JULIANA DAL PIVA: Eu queria ter feito várias outras perguntas, mas ela foi me cortando. A questão é que, por mais que ela tente fugir do tema, mais perguntas sobre o papel dela no esquema vão surgindo.

Uma coisa que estava um pouco solta, lá no meio dos documentos do caso do Flávio, era a situação do coronel da reserva do Exército chamado Guilherme Hudson. Deixa eu chamar a Gabi Pessoa pra explicar quem ele é.

GABRIELA SÁ PESSOA: O Guilherme Hudson é um coronel da reserva do Exército e estudou na Aman na mesma época em que o Bolsonaro. Eles foram contemporâneos, como se diz no Exército. O Hudson é casado com Ana Maria Siqueira Hudson, uma das tias da Cristina, a segunda esposa do Bolsonaro. Tanto ele como sua mulher e dois de seus filhos chegaram a constar na lista de funcionários da família Bolsonaro em algum período.

GUILHERME HUDSON, em entrevista em 2018 para o portal G1: "Eu sempre gostei de esportes, principalmente atletismo, onde o Jair Bolsonaro sempre foi cadete de destaque. A gente até brincava um pouco com o apelido da turma de 77 que chamava ele de 'Cavalão', porque ele realmente tinha vigor físico absurdo. Ele era um dos atletas de ponta, principalmente na parte referente ao pentatlo."

JULIANA DAL PIVA: Esse é o seu Hudson elogiando o Bolsonaro, logo depois da eleição de 2018. Mas ele nunca mais deu entrevistas.

Como o Hudson foi funcionário do Flávio em 2018, ele também teve o sigilo bancário quebrado. E aí apareceu que o coronel Hudson costumava fazer saques de mais de 10 mil reais em espécie. Foram 16 saques num total de 260 mil reais em dinheiro vivo no tempo em que a família dele aparecia na lista de funcionários dos Bolsonaro.

É um padrão um pouco diferente dos outros parentes que costumavam tirar quase todo o salário da conta com saques de quinhentos ou de mil reais.

E nessa gravação inédita da Andrea, irmã da Cristina, você vai entender o motivo.

ANDREA SIQUEIRA VALLE, em gravação: "Não é pouca coisa que eu sei, não. É muita coisa que eu posso ferrar a vida do Flávio, ferrar a vida do Jair, posso ferrar a vida da Cristina. Entendeu? Então, é por isso que eles têm medo aí e mandam eu ficar quietinha, não sei o quê, tal. Entendeu? É esse negócio aí. O tio Hudson também que já até tirou o corpo fora porque quem pegava a bolada era ele. Quem me levava e me buscava no banco era ele."

JULIANA DAL PIVA: Vamos analisar com calma. A Andrea falou muitas coisas importantes. A primeira é que ela sabe muito. Coisas que podem, nas palavras dela, "ferrar" a vida da Cristina, do Bolsonaro e do Flávio.

Depois, a Andrea disse que eles têm medo e estão mandando ela ficar quieta. Talvez por isso a reação dela quando eu tentei a entrevista.

ANDREA SIQUEIRA VALLE: Eu não sou obrigada a dar entrevista para você. Se você continuar incomodando meus amigos eu vou chamar a polícia pra você.

JULIANA DAL PIVA: Mas nessa gravação inédita da Andrea, ela também disse que era o Hudson que levava ela no banco para sacar o salário. O que a ex-cunhada do presidente contou é que ela entregava para o coronel o dinheiro do salário que ela sacava.

Como te contei no segundo episódio, a Andrea vivia de uns bicos de faxina e da mesada de uns mil reais do gabinete. A Andrea foi funcionária fantasma dos Bolsonaro por 20 anos.

ANDREA SIQUEIRA VALLE, em gravação: "Eu moro de aluguel, não tenho um carro, não tenho nada. Para onde foi todo esse dinheiro meu? Entendeu?"

JULIANA DAL PIVA: Só que não acabou ainda o que eu tenho pra te mostrar. A Andrea ainda contou que um outro irmão dela e da Cristina também tinha a obrigação de devolver o salário. Só que esse irmão fez isso quando era funcionário do então deputado federal Jair Bolsonaro.

ANDREA SIQUEIRA VALLE, em gravação: "O André dava muito problema, porque o André nunca devolveu o dinheiro certo que tinha que ser devolvido, entendeu? Tinha que devolver 6 mil, ele devolvia 2,3 mil. Foi um tempão assim, até que o Jair pegou e falou: 'Chega, pode tirar ele porque ele nunca me devolve o dinheiro certo'."

JULIANA DAL PIVA: O André Siqueira Valle é aquele que eu te contei que casou na eleição de 2018. Mostrei para você no início do episódio 2.

O André é produtor de eventos e é o irmão caçula da Cristina. Ele foi assessor do Carlos na Câmara de Vereadores de 2001 a 2006, ao mesmo tempo em que Cristina era a chefe de tudo por lá.

Depois disso, o André passou para o gabinete do Bolsonaro na Câmara de Deputados e ficou de novembro de 2006 a outubro de 2007. O salário dele nesse período era de 6 mil reais. Ele é outro que eu já tentei falar, mas não consegui.

Todas as vezes em que eu procurei o advogado Magnum Cardoso, que defende a Cristina e a família dela, ele negou as acusações e criticou o vazamento de informações sigilosas. Esse advogado também defende o Guilherme Hudson.

Eu procurei o advogado Frederick Wassef para falar sobre o conteúdo das gravações da Andrea Siqueira Valle e ele disse o seguinte.

FREDERICK WASSEF: Trata-se de uma gravação clandestina à qual eu não tenho acesso. Não conheço o conteúdo, não foi feita perícia e não valido tal gravação. De tudo que ouvi, são narrativas de fatos inverídicos e inexistentes. Jamais existiu qualquer esquema de rachadinha no gabinete do deputado Jair Bolsonaro ou de qualquer de seus filhos. O que está havendo no Brasil, na verdade, é a antecipação da campanha presidencial de 2022 onde estão sendo usados todos os artifícios e artimanhas para atingir a honra, imagem e reputação do presidente da República e da família Bolsonaro.

JULIANA DAL PIVA: Mas eu ainda não terminei de te contar sobre a montanha de documentos do caso do Flávio que trazem problemas para o presidente Jair Bolsonaro.

No meio dos autos da investigação, surgiu um dado suspeito sobre a primeira mulher do presidente: a Rogéria. Vou chamar a Gabi para você conhecer a história dela.

GABRIELA SÁ PESSOA: A Rogéria foi a primeira mulher do presidente Jair Bolsonaro. Ela é mãe do Flávio, do Carlos e do Eduardo. Ela também foi a primeira pessoa da família que o Bolsonaro colocou na política. Foi vereadora entre 1993 e 2000. Ela e Bolsonaro se separaram em 1997. No ano passado, ela tentou um novo mandato na Câmara de Vereadores do Rio, mas não conseguiu se eleger.

JULIANA DAL PIVA: O Imposto de Renda do Flávio tinha uma informação de que ele fez uma doação de 700 mil reais em espécie para a mãe dele, a Rogéria, em 2010.

Dependendo do tamanho, esse volume de dinheiro mal cabe direito numa mala. Só para você ter uma ideia, aquelas malas que foram encontradas com um assessor do ex-presidente Michel Temer tinham 500 mil reais.

Eu perguntei para os advogados do Flávio o motivo dessa doação. Eles criticaram o vazamento da informação e disseram que não podiam comentar informações sigilosas. A Rogéria também não quis dizer nada.

A mãe do Flávio também não quis explicar outra coisa. Em 1997, no fim do casamento dela e de Bolsonaro, a Rogéria pagou em dinheiro vivo um total de 90 mil reais por um apartamento na Vila Isabel, na zona norte do Rio de Janeiro. E, nessa época, a Rogéria era vereadora.

Eu sei que os cheques do Queiroz para a atual primeira-dama se tornaram uma história bem mal explicada.

Mas as ex-mulheres do presidente também se envolveram em situações suspeitas, mesmo sem cheques do Queiroz.

Parece um modus operandi. Vários gabinetes com funcionários fantasmas e muito dinheiro vivo em compras de imóveis.

Vários dados apontam para uma origem do esquema antes do Flávio ser deputado e do Queiroz ser assessor. E tudo é muito conectado.

O presidente Jair Bolsonaro comprou 14 imóveis com a Cristina e cinco foram em dinheiro vivo.

A Rogéria também usou dinheiro em espécie para comprar um apartamento. Coisa que o Flávio, filho mais velho dela, fez várias vezes depois.

E o Carlos e o Eduardo Bolsonaro também repetiram esse padrão. Os dois usaram 300 mil reais em dinheiro vivo para comprar apartamentos no Rio de Janeiro.

Tá muito rápido ou deu pra entender que tudo parece interligado, como se fosse uma coisa só? Como o próprio Bolsonaro já disse.

JAIR BOLSONARO, em entrevista à Folha de S.Paulo: "Não há diferença. Muitas vezes um funcionário que trabalha para mim, trabalha para os dois também."

JULIANA DAL PIVA: Em fevereiro de 2021, o Superior Tribunal de Justiça anulou a decisão do juiz que quebrou o sigilo do Flávio, do Queiroz e dos demais investigados. O tribunal entendeu que a decisão não foi bem fundamentada. O Queiroz e a mulher também foram colocados em liberdade.

Isso criou um nó para ser desatado. Todo mundo pergunta esses dias: será que essa história não vai dar em nada?

Sinceramente, eu não sei o que vai acontecer com o processo no Judiciário. Os recursos contra a anulação dessas provas ainda estão em discussão. A denúncia contra o senador e o Queiroz ainda não foi avaliada.

E o Supremo Tribunal Federal também vai discutir qual é o foro correto pro caso do Flávio ser julgado. Os próximos meses prometem ser animados.

O senador nunca falou publicamente sobre as acusações da denúncia, alegando segredo de Justiça. Mas os advogados dele no Rio de Janeiro - a Luciana Pires, o Rodrigo Roca e a Juliana Bierrenbach - fizeram uma nota dizendo que era "insustentável". E eles disseram que vão rebater no momento que eles considerarem adequado.

Vou ler um trecho dessa nota para você: "Dentre vícios processuais e erros de narrativa e matemáticos, a tese acusatória forjada contra o senador se mostra inviável e não passa de uma crônica macabra e mal engendrada, influenciada por grupos que têm claros interesses políticos e que, agora, tentam voltar ao poder. A denúncia, com tantos erros e vícios, não deve ser sequer recebida."

Mas, mesmo com essa negativa, ainda restam muitas perguntas sem resposta. E, depois de tudo que eu te contei, parece que a história está muito longe de acabar.

O Carlos, a Cristina e os irmãos dela, a Andrea e o André, também são alvo do Ministério Público por uma investigação que apura a existência de rachadinha e funcionários fantasmas no gabinete do Carlos.

Não sei você, eu acredito que faltam respostas sobre as coisas que a Andrea contou nessas gravações inéditas. É preciso saber melhor o papel desse coronel Hudson. Segundo a Andrea, é o Hudson que ficava com o salário dela na época em que ela aparecia como assessora do Flávio. O papel do Hudson lembra a acusação feita contra o Queiroz. Do jeito que a Andrea falou, parece que tinham mais operadores no esquema.

Tem ainda a situação do André, esse irmão da Cristina que não "devolvia o dinheiro direito". Será que as autoridades vão investigar?

Não sei. A única certeza que eu tenho é que essa história sempre vai perseguir o Bolsonaro e a família por onde eles forem. Uma amostra disso já aconteceu na CPI da Pandemia.

FLÁVIO BOLSONARO, durante sessão da CPI da covid-19 no Senado: "Imagina a situação: um cidadão honesto ser preso por um vagabundo como Renan Calheiros. Olha a desmoralização."

RENAN CALHEIROS: "Aceito isso como um elogio. Vagabundo é você, que roubou dinheiro do pessoal do seu gabinete."

RANDOLFE RODRIGUES: "Acabo de receber a notícia que o senhor Frederick Wassef está nesta Comissão Parlamentar de Inquérito nas proximidades aqui do corredor, do banheiro feminino, andando sem máscara. É importante esta Comissão entender o que o senhor Frederick Wassef veio fazer no Senado Federal exatamente numa sexta-feira, a essa hora, durante um dos depoimentos mais importantes da CPI."

JULIANA DAL PIVA: Mas mesmo que o Ministério Público não apure as informações das gravações da Andrea, muitos fatos já foram revelados. A caixa de segredos do Bolsonaro foi aberta. Você ouviu a história até da boca de alguns protagonistas dela e pode tirar as suas próprias conclusões. Pode conhecer a verdade e refletir.

JAIR BOLSONARO, em discurso: "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará."

O podcast UOL Investiga - A Vida Secreta de Jair é apresentado por Juliana Dal Piva e pela jornalista Gabriela Sá Pessoa. A reportagem, pesquisa e roteiro foram feitos por Juliana Dal Piva e também tiveram o trabalho da Amanda Rossi e da Gabriela Sá Pessoa. A edição de áudio é do João Pedro Pinheiro. A coordenação foi da Juliana Carpanez, do Flávio Costa e de Marcos Sérgio Silva. O design é do Eric Fiori. O vídeo de apresentação tem motion design do Santhiago Lopes, roteiro da Juliana Dal Piva e da Natália Mota. A direção de arte é da Gisele Pungan e do René Cardillo. O projeto também contou com Alexandre Gimenez e Antoine Morel, gerentes de conteúdo, e Murilo Garavello, diretor de conteúdo do UOL. Agradecimentos a Cláudia Cotes.