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Partido Republicano está se tornando uma legenda contra a ciência

 Rick Perry, governador do Texas que deve anuciar sua candidatura à presidência dos EUA - Richard Carson/Reuters
Rick Perry, governador do Texas que deve anuciar sua candidatura à presidência dos EUA Imagem: Richard Carson/Reuters

Paul Krugman

30/08/2011 01h07

Jon Huntsman Jr., ex-governador do Estado de Utah e embaixador dos Estados Unidos na China, não será um candidato forte nas eleições primárias nas quais será escolhido o candidato presidencial republicano. E isto é uma pena, porque Huntsman tem se mostrado disposto a dizer aquilo que ninguém diz a respeito do Partido Republicano – ou seja, que a legenda está se transformando em um “partido anticiência”. Esse é um fenômeno de uma importância enorme. E que deveria aterrorizar a todos nós.

Para sabermos o que Huntsman quer dizer com isso, vejamos as recentes declarações feitas por dois homens que serão candidatos sérios nas primárias do Partido Republicano: Rick Perry e Mitt Romney.

Perry, o governador do Texas, recentemente foi manchete de jornais por ter desprezado a evolução como sendo “apenas uma teoria” que “possui algumas lacunas” - uma observação que se constitui em uma novidade para a esmagadora maioria dos biólogos. Mas o que realmente chamou a atenção das pessoas foi aquilo que ele declarou a respeito da mudança climática: “Eu creio que existe uma quantidade substancial de cientistas que manipularam dados para que nós continuássemos injetando dólares nos projetos deles. E eu acredito que nós estamos presenciando coisas desse tipo quase que semanalmente, ou mesmo diariamente. Cientistas estão se manifestando e questionando a ideia original de que o aquecimento global provocado pelo ser humano é o que está fazendo com que o clima mude”.

Essa é uma declaração notável – ou talvez o adjetivo correto para classificá-la seja “vil”.

A segunda parte da declaração de Perry é simplesmente falsa: o consenso científico quanto ao aquecimento global provocado pelo ser humano - que incluiu de 97% a 98% dos pesquisadores da área, segundo a Academia Nacional de Ciência – está ficando mais forte, e não diminuindo, à medida que as evidências relativas à alteração climática mundial continuam a se acumular.

De fato, quem acompanha a ciência climática sabe que a tendência mais notável nos últimos anos tem sido a preocupação cada vez maior com a possibilidade de que as projeções a respeito do clima futuro estejam subestimando o nível provável de aquecimento que o planeta experimentará. Os alertas de que nós poderemos enfrentar uma mudança de temperaturas que ameace a civilização humana até o final deste século, uma possibilidade que no passado já foi considerada absurda, estão sendo feitos agora por grupos de pesquisa tradicionais consagrados.

Mas, segundo Perry, nada disso tem importância; os cientistas estão agindo dessa forma só por causa do dinheiro, “manipulando dados” para criar uma falsa ameaça. No seu livro “Fed Up” (literalmente, “De Saco Cheio”), ele critica a ciência climática, classificando-a de “balbúrdia falsa e fabricada que está desmoronando”.

Eu poderia observar que Perry está defendendo uma teoria da conspiração totalmente maluca, segundo a qual milhares de cientistas de todo o mundo estariam montando uma farsa, sem que nem um único deles se mostrasse disposto a quebrar o pacto de silêncio. Eu também poderia observar que múltiplas investigações de acusações de que parte de cientistas climáticos estariam exibindo falta de ética intelectual acabaram absolvendo os acusados de toda e qualquer culpa. Mas, nada disso importa: Perry, e aqueles que pensam como ele, sabem no que desejam acreditar, e a resposta deles a qualquer pessoas que os contradiz é dar início a uma caça às bruxas.

Sendo assim, como foi que Romney, o outro principal candidato na disputa da vaga republicana, respondeu às alegações de Perry? De uma forma que é uma marca registrada dele: fugindo. No passado, Romney, ex-governador de Massachusetts, apoiava fortemente a ideia de que a mudança climática provocada pelo ser humano se constitui em uma preocupação real. Mas, na semana passada, ele relativizou a sua postura, afirmando acreditar que o mundo está ficando de fato mais quente, mas frisando: “Eu não tenho certeza disso, e eu não sei se isso seria causado principalmente pela atividade humana”. E há quem fale em coragem moral!

É claro que sabemos o que está motivando essa falta de convicção súbita de Romney. Segundo o instituto de pesquisas de opinião Public Policy Polling, apenas 21% dos eleitores republicanos de Iowa acreditam no aquecimento global (e apenas 35% acreditam na evolução). Dentro do Partido Republicano, a ignorância voluntária se transformou em um teste para a aprovação dos candidatos, um teste no qual Romney está disposto a passar de qualquer maneira.

Portanto, atualmente é bastante possível que o candidato presidencial de um dos nossos dois maiores partidos políticos venha a ser um homem que acredita naquilo que deseja acreditar, mesmo que as evidências científicas o contradigam, ou um homem que finge acreditar naquilo que ele acha que a base partidária deseja que ele acredite.

E o anti-intelectualismo crescente da direita, tanto dentro quanto fora do Partido Republicano, vai bem além da questão da mudança climática.

Por exemplo, recentemente um editorial do “The Wall Street Journal” extrapolou a sua antiga preferência pelas ideias econômicas de “charlatões e excêntricos” - conforme disse um dos principais assessores econômicos do ex-presidente George W. Bush – e passou a denegrir de forma generalizada qualquer pensamento profundo a respeito das questões econômicas. Não deem atenção a “teorias fantásticas” que conflitam com o “senso comum”, nos disse o jornal. Isso porque quem poderia imaginar que nós precisamos de algo mais do que a mera intuição para analisar coisas como crises financeiras e recessões?

Bom, nós não sabemos quem vencerá a eleição presidencial do ano que vem. Mas existe a grande chance de que em algum momento nos próximos anos a mais poderosa nação do mundo poderá se ver governada por um partido que é agressivo em relação à ciência, e que é de fato contra o conhecimento. E, em uma era de graves desafios – ambientais, econômicos e outros –, essa é uma perspectiva aterrorizante.