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Opinião: precisamos de mais pausas para entender fraquezas da privacidade

4.set.2014 - A atriz Kaley Cuoco, de ""Big Bang Theory"", ironiza vazamentos de fotos de centenas de celebridades, após invasão das contas delas do iCloud, serviço da Apple que armazena arquivos remotamente. Kaley alterou partes da foto para dar impressão de que ela e o marido, Ryan Sweeting, estavam nus. ""Parece que esquecemos algo?"", escreveu. Na foto original, ambos estão com trajes de banho - Reprodução/Instagram/@normancook
4.set.2014 - A atriz Kaley Cuoco, de ''Big Bang Theory'', ironiza vazamentos de fotos de centenas de celebridades, após invasão das contas delas do iCloud, serviço da Apple que armazena arquivos remotamente. Kaley alterou partes da foto para dar impressão de que ela e o marido, Ryan Sweeting, estavam nus. ''Parece que esquecemos algo?'', escreveu. Na foto original, ambos estão com trajes de banho Imagem: Reprodução/Instagram/@normancook

Thomas L. Friedman

08/01/2015 00h01

Você poderia facilmente escrever um livro ou, melhor ainda, fazer um filme sobre o drama que envolveu a Sony Pictures e "A Entrevista", o filme da Sony sobre o assassinato fictício do ditador real da Coreia do Norte. Toda a saga reflete muitas das mudanças que estão perturbando e reformulando o mundo de hoje antes de termos aprendido a nos adaptar a elas.

Pense nisto: em novembro de 2013, hackers roubaram 40 milhões de números de cartões de crédito e débito do sistema de vendas Target. A partir do final de agosto de 2014, fotos de nus que teriam sido armazenadas por celebridades na iCloud da Apple foram espalhadas pela rede. O Dia de Ação de Graças nos trouxe a invasão da Sony, quando, como relatou o "Times", "tudo e qualquer coisa foi levada: contratos, listas de salários, orçamentos de filmes, fichas médicas, números da Previdência Social, e-mails pessoais, cinco filmes inteiros".

E no Natal as redes de jogos PlayStation da Sony e Xbox da Microsoft foram fechadas por hackers. Mas a ascensão do cibercrime é apenas uma parte da história. Todos os dias, uma figura pública pede desculpas por alguma coisa maluca ou errada que ele ou ela murmurou, balbuciou, tuitou ou gritou e se tornou viral - inclusive as imprecações de um dono da NBA na sala de visitas de sua namorada.

O que está acontecendo? Estamos no meio de uma mudança em escala Gutenberg em como a informação é gerada, armazenada, compartilhada, protegida e transformada em produtos e serviços. Estamos vendo os indivíduos se tornarem superpoderosos, desafiando governos e corporações. E estamos vendo a ascensão de aplicativos que colocam estranhos em uma proximidade íntima nas respectivas casas (como o Airbnb) e nos respectivos carros (Uber) e nas respectivas cabeças (Facebook, Twitter, Instagram). Graças à integração das redes, smartphones, bancos e mercados, o mundo nunca esteve tão estreitamente conectado. Como eles dizem, "perdido ali, sentido aqui". Murmurado lá, escutado aqui. E agora a coisa atingiu um ponto de inflexão.

"O mundo não está apenas mudando rapidamente; está sendo reformulado drasticamente", argumentou Dov Seidman, autor do livro "How" e presidente da LRN, que assessora empresas globais sobre ética e liderança, em uma conversa recente comigo. "Ele opera de modo diferente. Não apenas está interconectado, está interdependente. Mais que nunca, nós subimos e descemos juntos. Hoje, poucos podem de maneira fácil e profunda afetar muitos a grande distância."
Mas, ele acrescentou: "Tudo aconteceu mais depressa do que reformulamos a nós mesmos e desenvolvemos as normas, comportamentos, leis e instituições necessárias para nos adaptarmos".

As implicações para a liderança e a operação são enormes. Para começar, nossos muros de privacidade estão se mostrando frágeis diante das novas tecnologias. "Hoje, não apenas temos visão de raio-x do comportamento dos outros", disse Seidman. "Estamos tendo MRI de alta definição do funcionamento interno de palácios, salas de diretoria e organizações e da mentalidade dos que as comandam."

Então como alguém se adapta? Basta se desconectar? "Tentar se desconectar para evitar a exposição em um mundo conectado é a estratégia errada", afirmou Seidman. "Se você fizer isso, como vai gerar valor e realizar alguma coisa?" A estratégia certa é "aprofundar e reforçar todas essas conexões".

Mas como? "Se estamos em um mundo interdependente, a única estratégia para países, empresas e indivíduos é construir interdependência saudável, para subirmos juntos, e não cairmos", acrescentou Seidman. "Isto se resume a comportamento. Significa ser conduzido por valores sustentáveis como humildade, integridade e respeito no trabalho com os outros: valores que constroem interdependências saudáveis." Significa evitar "'valores situacionais' - fazer apenas o que a situação permite".

O relacionamento americano-canadense é uma interdependência saudável. O relacionamento entre as forças policiais e os jovens negros hoje é uma interdependência doentia. O relacionamento entre o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, e sua polícia é uma interdependência doentia.

Mas existe outra parte crítica. É como aprendemos a reagir a todos os segredos que estão sendo revelados: o e-mail do presidente da empresa que não apenas o faz parecer tolo, mas também revela que as mulheres ganham menos que os homens nos mesmos empregos; o vídeo de um suspeito sendo morto pela polícia; a gravação no elevador de um jogador de futebol batendo em sua namorada; fotos privadas de estrelas de cinema. Todos têm um significado moral e social diferente. Precisamos lidar com eles de modo diferente.

"Precisamos fazer mais pausas para entender o significado de todas as revelações a que somos expostos", afirmou Seidman. Na pausa, "refletimos e imaginamos um caminho melhor". Em alguns casos, isso pode significar demonstrar empatia pelo fato de que os seres humanos são imperfeitos. Em outros, pode significar "assumir posições com princípios" em relação àqueles cujos comportamentos "tornam este mundo interdependente inseguro, instável ou não livre".

Em suma, nunca houve um momento em que fosse mais necessário viver pela Regra Áurea: faça aos outros o que gostaria que eles fizessem a si próprio. Porque no mundo atual mais pessoas podem enxergar dentro de você e "fazer" coisas a você que antes. De outro modo, vamos acabar com uma sociedade de "pega-pega", tropeçando de indignação em indignação, onde para sobreviver você terá de se desconectar ou se censurar constantemente, porque qualquer ação ou frase descuidada poderia arruinar sua vida. Quem quer viver assim?