Que pena STF dará a roubo de joia se confirmar 2 anos para furto de macaco?
Dois homens furtaram um macaco velho de carro, dois galões de plástico vazios e menos de um litro de óleo diesel e foram condenados, um a 10 meses e 20 dias, outro a 2 anos e 26 dias de prisão. O caso está no STF e o ministro Cristiano Zanin, relator de um recurso da Defensoria Pública da União (DPU), votou por confirmar a condenação, em julgamento virtual iniciado nesta sexta (18). Um Brasil que cumpre a lei? Não, um país desigual e disfuncional.
Não importa que isso vá ao encontro de jurisprudência da corte, como apontou o magistrado. Esse tipo de decisão aponta um Judiciário mais interessado em promover vingança do que agir de forma racional e garantir, de fato, Justiça e precisa ser rediscutida.
Manter alguém penalizado dessa forma por conta de um furto de valor tão insignificante, além do claro custo social e humano, representa um peso aos cofres públicos. Cadeia deveria ser usada como último recurso, para quem representa um perigo, e não a principal alternativa de punição e ressocialização adotada. Uma pessoa que for mandada à prisão por causa de um macaco sairá de lá com ódio da sociedade e do Estado. E utilizando o que aprendeu nessa escola de crime, irá à desforra.
Zanin, indicado recentemente à corte pelo presidente Lula, diz que as condutas dos réus "denotam total desprezo pelos órgãos de persecução penal, como se as suas condutas fossem criminalmente inalcançáveis". Mas, até onde sabemos, o STF deveria ser o "adulto na sala", respondendo com bom senso.
Se o contexto não puder ser considerado, se a única coisa que importar for a análise da letra fria da lei, então melhor trocar magistrados por Inteligência Artificial. Pois tanto a IA quanto escolas de direito não raro são programadas sob o ponto de vista de homens brancos e ricos.
Prender alguém por conta de dois quilos de carne não vai ajudar em sua reinserção social ou mesmo evitar novos furtos. Mesmo a abertura de um processo é, a meu ver, acintoso, pois força o Estado a gastar tempo, recursos humanos e dinheiro em algo cuja solução não passa pela cadeia. Imagine se ao invés de um pedido de pena privativa de liberdade, desde o começo, fossem propostas horas de prestação de serviços à comunidade ou a obrigatoriedade de frequência em algum curso.
Ninguém está defendendo quem erra ou comete crimes. O que está em jogo aqui é que tipo de Estado e de sociedade que estamos nos tornando ao acreditarmos que punições severas para coisas ridículas (mesmo reincidentes) têm função pedagógica.
Se a Justiça quiser coibir furtos pelo exemplo, deve continuar investindo em reunir as provas para condenar quem surrupia joias milionárias do patrimônio público, vende para ricaços nos Estados Unidos e embolsa a grana. Ou que desvia o dinheiro de salários de servidores públicos de seu gabinete através de rachadinhas e fica com o dinheiro. Ou usa o cartão corporativo da Presidência da República como caixa eletrônico pessoal.
Vale ressaltar que o elemento de periculosidade, que precisa definir quem vai para a cadeia, está presente. Por exemplo, na cumplicidade em mais de 700 mil mortes durante a pandemia.
Um naco da extrema direita dá duro nas redes sociais para minimizar que Jair Bolsonaro teria surrupiado produtos de luxo dados ao Brasil. Ironicamente, o grupo é o mesmo que costuma celebrar quando alguém que furtou um bife por causa da fome é espancado no supermercado.
No final do ano passado, dois homens foram torturados por cinco seguranças do supermercado UniSuper, em Canoas (RS), diante do gerente e do subgerente da loja, após tentarem furtar duas peças de carne. Vítima das piores agressões, um homem negro foi colocado em coma induzido no hospital com fraturas no rosto e na cabeça. Em abril de 2021, um tio e um sobrinho, que furtaram carne de uma unidade do Atakadão Atakarejo, em Salvador, foram encontrados mortos com sinais de tortura e marcas de tiro.
E o que há em comum em todas elas, além de um país definido pelo racismo em todos os níveis de suas relações sociais? Quem monitora as redes sociais e aplicativos de mensagens sabe que, em todos os casos, foram constantes as celebrações quando alguém que furtou comida é morto em redes da extrema direita. "Bandido bom é bandido morto", dizem.
Particularmente discordo. Como já disse aqui, prefiro que Jair Bolsonaro responda à Justiça por afanar patrimônio da União e não ao justiçamento miliciano que ele mesmo fomentou. E cumpra a pena proporcional ao tamanho de seus crimes.
Mas nunca é demais perguntar: se o STF confirmar uma pena de ate dois anos em semiaberto para um homem que furtou um macaco velho, dois galões de plástico vazios e menos de um litro de óleo diesel, qual terá que ser a pena para alguém que desviou joias milionárias do patrimônio público usando militares e estrutura do governo e depois as vendeu a ricaços no exterior?