Preço da picanha cai 10,7% em 2023 e sucede 'kit gay' na guerra das redes
O primeiro ano do governo Lula fechou com o preço médio da picanha acumulando queda de 10,69% em 12 meses. Outros cortes famosos voltados ao churrasco, como a alcatra e a costela caíram 10,72% e 12,56%, respectivamente. Enquanto isso, a cerveja aumentou 5,29%.
Os dados são do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), a inflação oficial do país calculada pelo IBGE, divulgada nesta quinta (11). No geral, o país registrou inflação de 4,62%, em 2023, com alta de 1,03% no item alimentação e bebidas, mas queda de 0,52% para alimentação em domicílio.
Ainda candidato, o petista prometeu que, sob seu governo, os trabalhadores voltariam a comer "picanha com cerveja" e "churrasco com cerveja". Os produtos foram usados para relembrar tempos de alimentos mais baratos durante os seus dois primeiros mandatos.
"Vamos voltar a reunir as famílias no domingo e fazer um churrasquinho. E vamos comer uma fatia de picanha com uma gordurinha passada na farinha e tomar uma cerveja gelada. O povo entra em delírio porque é isso o que o povo quer", afirmou Lula na campanha.
A estratégia na época incomodou Jair Bolsonaro, que afirmou a uma plateia de empresários que a promessa era "conversa mole". E sentenciou: "Não tem filé mignon pra todo mundo!" A propósito, o preço médio do filé mignon caiu 10,44% em 2023, segundo o IPCA.
O preço da picanha vem substituindo o "kit gay" e a "mamadeira de piroca", ou seja, os temas de comportamento e costumes, como protagonista das batalhas travadas pelo bolsonarismo nas redes sociais e aplicativos de mensagens. Notícias e análises que trazem a redução do preço médio da carne bovina são alvo de ataques de seguidores do ex-presidente, que tentam colar no fato a pecha de fake news.
Para tanto, buscam invalidar a percepção sobre a deflação usando fotos com cortes premium de picanha ou mostrando o preço elevado em determinados supermercados, ignorando que o IBGE trabalha com o preço médio - que é uma apuração muito mais acurada e complexa do que "a foto que meu vizinho mandou no zap".
Essa batalha sobre os preços da picanha e do churrasco é consequência do impacto da inflação na campanha eleitoral de Jair Bolsonaro em 2022 e o sucesso que Lula teve junto a setores mais pobres ao vender a promessa de que ele garantia mais acesso a alimentos e voltaria a garantir. O "Bolsocaro" colou mais até do que o "Genocida".
Como já disse aqui, para os planos eleitorais do bolsonarismo, a notícia é pior do que os escândalos criminais que envolvem Jair e família. Pois grande parte da classe trabalhadora está mais interessada no seu poder de compra do que no destino das joias, no golpe, no cartão de vacina.
A melhora da percepção da qualidade de vida sob Lula pode aumentar a força do petista como cabo eleitoral e, consequentemente, diminuir a de Jair - que pode ficar cristalizado como um tempo de busca por ossos em caminhões de lixo e vacas magras. A declaração de que não haveria carne com valor acessível foi péssima para a sua campanha à reeleição e foi explorada pelos adversários. Reforçou Bolsonaro com a imagem de candidato dos ricos, apesar de ele tentar trazer os mais pobres para perto.
As classes D e E não esperavam comer filé-mignon e picanha todos os dias - até porque, mesmo com a queda, eles não são produtos para o dia a dia. Mas com a inflação alta e a queda da renda, a compra eventual desses produtos deixou de acontecer. Na verdade, a compra da carne bovina deixou de acontecer.
Quem comia carne, passou para o frango; quem comia frango, migrou para o ovo. E quem comia ovo e não tinha mais como comprar? Bem, tivemos cenas que ficaram tristemente célebres, como as de famílias revirando caçambas de caminhão de lixo e disputando doação de ossos de boi. Mesmo com o Auxílio Brasil, em menos de dois anos, entre 2020 e 2022, o número de famintos subiu de 19 milhões para 33,1 milhões, segundo dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar.
Aliás, no mesmo dia 26 de agosto de 2022 da declaração sobre o filé, Jair afirmou que a fome era uma fake news no Brasil, que ela não existia "pra valer". Ainda hoje, os seguidores mais radicais do ex-presidente dizem, nas redes sociais, que o IBGE mente e que o preço da carne subiu. Sobra, dessa forma, mais carne para quem acredita em números.
Apesar da queda no preço da picanha, da alcatra, da costela, do filé, foi mínima a deflação no preço dos alimentos consumidos em residência (-0,52%). Se tivesse sido maior, o bolsonarismo teria dificuldade de trazer o tema à sua guerra de narrativas. E, por isso, conseguem convencer uma parcela de que a vida está pior sob Lula.
Por isso, tal como foi nos primeiros governos petistas, a eleição de 2026 depende, ao final do dia, da quina 1) poder de compra, 2) aumento de renda, 3) queda no desemprego, 4) inflação controlada e 5) juros baixos ao consumidor mais do que a tal mamadeira inexistente.