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Rubens Valente

Apoiadores de Raoni retomam campanha pelo Nobel da Paz em 2020

Peça da campanha de apoio ao nome do cacique Raoni ao Prêmio Nobel da Paz de 2020 - Todd Southgate / Fundação Darcy Ribeiro
Peça da campanha de apoio ao nome do cacique Raoni ao Prêmio Nobel da Paz de 2020 Imagem: Todd Southgate / Fundação Darcy Ribeiro

Colunista do UOL

19/09/2020 20h24

Indígenas e organizações não governamentais retomaram nesta semana a campanha de apoio ao nome do cacique kayapó Raoni Metuktire ao Prêmio Nobel da Paz em 2020. O vencedor deverá ser conhecido no dia 9 de outubro em Oslo, na Noruega, a partir de uma lista inicial de 318 candidatos inscritos.

O nome de Raoni foi inscrito por um grupo de brasileiros - os nomes não são tornados públicos - ainda em setembro do ano passado para a escolha de 2020. Ele chegou a ser mencionado na disputa de 2019 mas, segundo os organizadores da campanha, a ideia sempre foi concorrer na edição de 2020. Como o nome dele não estava inscrito para o ano passado (as inscrições haviam acabado em janeiro de 2019), ele só poderia ter sido premiado se o júri decidisse pela inclusão do seu nome - o prêmio acabou concedido ao primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed Ali.

O vencedor do prêmio pode ser dividido em até três pessoas. No caso de uma vitória de Raoni, seria a primeira vez na história do Nobel da Paz que um brasileiro ganharia a distinção de forma nominal e individual. Em 1988, o prêmio foi dado às forças de manutenção de paz da ONU (Organização das Nações Unidas), das quais o Brasil participa junto com vários outros países.

Ataques de Bolsonaro

As especulações sobre uma premiação para Raoni no ano passado tiveram relação com o aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia, ao mesmo tempo em que o cacique passou a sofrer ataques diretos do presidente Jair Bolsonaro. O político ficou incomodado com diversas viagens internacionais que Raoni fez em 2019, incluindo reuniões com o presidente francês Emmanuel Macron e o Papa Francisco.

Em junho, numa live, Bolsonaro disse que Macron lhe indagou se ele poderia receber em audiência no Brasil o líder kayapó - Raoni nunca foi recebido nem pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, pasta à qual está vinculada a Funai (Fundação Nacional do Índio). Bolsonaro disse que não receberia o cacique, sob o argumento de que ele não representava o país ou os indígenas do país.

Em discurso na ONU, em 25 de setembro, Bolsonaro voltou a tentar desqualificar Raoni como líder indígena, ao sugerir que ele seria manipulado e dizer que "a visão de um líder indígena não representa a de todos os índios brasileiros". "Muitas vezes alguns desses líderes, como o cacique Raoni, são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia. Infelizmente, algumas pessoas, de dentro e de fora do Brasil, apoiadas em ONGs, teimam em tratar e manter nossos índios como verdadeiros homens das cavernas", acusou Bolsonaro, sem exibir qualquer prova das suas alegações.

No dia seguinte, em Brasília, indagado pela imprensa sobre seu discurso, Bolsonaro novamente atacou o kayapó. "Não existe mais o monopólio do Raoni. O Raoni fala outra língua, não fala a nossa língua. É uma pessoa que tem a idade avançada. Nós vamos respeitá-lo como cidadão, mas ele não fala pelos índios. Cada tribo indígena tem um cacique." Disse ainda, em uma live, que estrangeiros "abusaram da boa-fé" do Raoni.

No mesmo mês de setembro, num hotel em Brasília, Raoni disse à "Folha de S. Paulo", em entrevista traduzida pelo seu sobrinho Megaron Txucarramãe, que ele "não representa eles [indígenas do país], mas eu falo em defesa dos índios brasileiros, os primeiros habitantes daqui". "Por eles é que eu brigo. Por eles é que eu defendo a terra, a floresta, o meio ambiente, e defendo o costume deles. Eu venho falando isso muito tempo, não é só agora que eu comecei a falar. Eu venho lutando para que vocês, todos os brancos, deixarem o índio viver em paz, na terra dele, na floresta dele."

Raoni disse que ficou contrariado ao ouvir as declarações de Bolsonaro de que os índios desejariam "ser como nós", ou seja, como os não indígenas. "Não é bom, não é correto, ficar falando isso. Nós, indígenas, queremos morar na nossa terra. Viver lá. Deixa viver do jeito nosso, do jeito que a gente quer viver. É isso que nós queremos. Eu acho que ele [Bolsonaro] não pensa direito. O coração dele não é bom. Eu não estou gostando."

Meses depois, Raoni organizou, por meio do instituto que leva seu nome em Mato Grosso, uma grande conferência de líderes indígenas da Amazônia na aldeia Piaraçu, na Terra Indígena Capoto-Jarina, ao lado do Parque do Xingu, em Mato Grosso. Raoni tinha uma longa programação no ano, com novos encontros e viagens, mas a pandemia do novo coronavírus derrubou toda a agenda de compromissos.

Em seguida, tanto ele quanto sua mulher, Bekwyiká, passaram a enfrentar problemas de saúde. A idade de Raoni é estimada pela família em 90 anos. Em junho, Bekwyiká morreu após um infarto. Apoiadores do cacique disseram que ele ficou bastante impactado com a perda e atravessou um período de depressão. Em julho, foi sua vez de ser internado num hospital de Sinop (MT) com um quadro de infecção intestinal. Após uma semana de internação, recebeu alta.

Raoni voltou a necessitar de atenção médica no final de agosto, quando foi diagnosticado com o novo coronavírus. Novamente o cacique foi internado em Sinop. Teve alta no começo de setembro. Segundo o hospital, ele desenvolveu anticorpos para o coronavírus.

'Momento crítico para os indígenas', diz vídeo da campanha

A campanha dos apoiadores pelo Nobel da Paz está sendo retomada por meio de vídeos e imagens distribuídos pela internet e aplicativos de telefone celular. Dois vídeos, com legendas em inglês, foram produzidos durante o encontro em Piaraçu pela Fundação Darcy Ribeiro, uma organização não governamental sem fins lucrativos criada pelo próprio antropólogo, ministro e senador Darcy (1922-1997), a fim de dar continuidade ao seu legado e preservar sua memória, sediada no Rio de Janeiro e com filial em Brasília.

Em um vídeo de quatro minutos, líderes indígenas defendem a premiação para Raoni e falam de sua importância como líder indígena. "O cacique merece nesse 2020 ganhar o prêmio Nobel da Paz por tudo o que ele fez com esses companheiros de luta pelos nossos direitos", disse Crisanto Xavante, presidente da federação indígena de Mato Grosso.

"No momento crítico que a gente vive, no atual cenário político, a gente precisa apoiar a luta dos povos indígenas e o cacique Raoni é a maior referência para todos nós", disse a líder Kaianaku Kamayurá. "Ele merece porque vem lutando há muitos anos pela causa indígena, pela Amazônia e pelo meio ambiente", repetiu Tapi Yawalapiti.

"Ele tem história de luta de muito tempo, em defesa de território, floresta. Ele é um símbolo da paz, símbolo de luta para todos os povos indígenas do Brasil", disse a indígena Kaiulú Kamayurá. O presidente da Associação Terra Indígena do Xingu, Ianukulá Kaiabi Suyá, afirmou que Raoni "tem todas as condições para ganhar o prêmio Nobel pela sua longa trajetória de vida em luta em prol dos povos indígenas do Brasil e do mundo inteiro".

Toni Lotar, vice-presidente da Fundação Darcy Ribeiro, disse à coluna que a premiação para Raoni seria "uma belíssima maneira de reconhecer todo esse trabalho de Raoni".

"O prêmio representaria um reconhecimento merecido à história de vida e de luta do cacique em nome de todos os povos indígenas. Ele não é um individualista, a cabeça dele sempre foi voltada para o coletivo. E também premiaria todas as lideranças indígenas, levantaria o astral dos indígenas brasileiros e iria valorizar para o Brasil e para o mundo a importância que os povos indígenas têm na preservação da Amazônia. Eles é que estão lá na linha de frente, são os guardiões ativos da floresta", disse Lotar.

A campanha é retomada no momento em que um alto auxiliar de Bolsonaro, o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e general da reserva Augusto Heleno, atacou em sua rede social, nesta sexta-feira (18), a líder indígena Sonia Guajajara e uma das principais organizações do país, a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). Ele acusou os indígenas de "crime de lesa-pátria" porque estariam fazendo denúncias no exterior contra a destruição da Amazônia. Em nota, a APIB repudiou as acusações, que chamou de mentirosas e irresponsáveis, e disse que estuda tomar medidas jurídicas contra o general.