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"Falta fiscalização nos insumos do refino da cocaína", diz Maierovitch sobre relatório de drogas

Arthur Guimarães<br>Do UOL Notícias<br>Em São Paulo

24/02/2010 17h28

Apesar do alerta internacional divulgado hoje sobre a multiplicação dos laboratórios de drogas e do aumento do consumo de cocaína no Brasil, o desembargador aposentado e consultor internacional Walter Maierovitch pondera que esse tipo de relatório deixa de lado um dos principais vilões do narcotráfico: a falta de fiscalização sobre os insumos do refino da cocaína.

Pelos dados apresentados na Europa nesta quarta-feira (24) pela Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), órgão independente que monitora a implementação das convenções das Organizações das Nações Unidas (ONU), as apreensões de cocaína no Brasil mais do que dobraram desde o início da década passada e o número de laboratórios que seriam usados por traficantes em território nacional também estão em franca expansão.

Para Maierovitch, inicialmente é necessário tomar cuidado com o que é chamado de laboratório. “Esse órgão da ONU não tem uma equipe, apenas trabalha com informações repassadas pelos governos. E, em muitos casos, como vemos na tevê, a polícia diz que explodiu um laboratório, mas na verdade era apenas um ponto de mistura da droga”, argumenta.

Como defende o especialista, aliás, é o refino verdadeiro, o processo de transformação da folha de coca em cloridrato de cocaína, que deveria estar no foco das autoridades e organismos internacionais. “Infelizmente, nesse caso, todos ficam de mãos atadas. A maior indústria química da América Latina fica no eixo Rio-SP e, nesse negócio, há pouquíssima fiscalização para saber em que lugar as substâncias vão parar”, diz ele.

Maierovitch, que estuda o assunto e foi secretário nacional anti-drogas no governo Fernando Henrique Cardoso, alega que firmas com uma inscrição na junta comercial conseguem comprar alguns produtos em grandes empresas sem que haja um rastreamento de onde esse material vai parar.

“Os países andinos, por exemplo, não produzem esses químicos. Ou seja, de algum lugar eles precisam vir para que o refino seja feito”, diz. “A Polícia Federal tem um departamento para isso, mas a atuação é restrita. Fora isso, a grosso modo, não é feita a sondagem do DNA da droga, uma análise para se descobrir com que substâncias aquele narcótico foi produzido, para se chegar à origem do desvio”, afirma.

Ecstasy brasileiro
O desembargador aposentado também comenta um outro alerta divulgado pelo relatório de hoje: o início das atividades de pequenos laboratórios de drogas sintéticas no Brasil, pontos de produção para anfetaminas, metanfetaminas e ectasy. Segundo ele, é preciso tomar cuidado com essa expansão registrada.

“No mundo, inicialmente, os grupos que comandam o crime organizado internacional pensaram em usar a droga sintética no lugar da cocaína, por uma questão de mercado, de lucro. Mas descobriu-se que esses produtos poderiam ser feitos em fundo de quintal, criando uma concorrência e as chamadas drogas poluídas, sujas, que foram alvo de enormes campanhas dos governos europeus, que reduziram seu consumo. Com isso, a cocaína voltou a ser a rainha das drogas, houve uma abandono da criminalidade organizada pelas sintéticas”, diz Maierovitch.

Segundo ele, no entanto, o Brasil pode estar vivendo o mesmo fenômeno de forma tardia. Por isso, precisa ficar atento e fiscalizar essas atividades, para que a elaboração “caseira” de anfetamina e êxtase não comece a instalar no Brasil.

Outro lado
Bo Mathiasen, representante no Brasil do Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crimes, não concorda com as avaliações de Maierovitch. Segundo ele, que é porta-voz encarregado de se pronunciar sobre o relatório divulgado hoje, o controle do transporte, da armazenagem e da venda dos chamados precursores químicos é feita de forma monitorada no Brasil.

“Esse controle está na mão da PF. É uma crítica recorrente, mas acredito que o país avançou muito em relação aos anos anteriores”, diz. “E, particularmente, acreditamos que tais compostos químicos usados no refino nos países andinos são originários da Ásia, e não do Brasil.”

Como argumenta Mathiasen, a PF também conta um laboratório em Brasília em que faz as medições necessárias para determinar a origem dos produtos químicos que estão sendo usados no refino da cocaína encontrada em flagrantes pelo país. “Esse laboratório central tem capacidade de decifrar com mais clareza e exatidão a origem das substâncias”, diz.

O representante do Escritório das Nações Unidas afirma ainda que, também hoje, foi divulgado um relatório somente sobre a questão dos precursores químicos. Mas ele assume que esse levantamento teve menor destaque na divulgação para a imprensa e foi restrito para técnicos envolvidos nessa fiscalização. “Nesse segmento, o Brasil não gera grandes preocupações. Estamos mais preocupados com outras nações que têm desvios comprovados”, afirma.