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"Exportadora" de imigrantes, Governador Valadares (MG) combate ação de aliciadores

Rayder Bragon<br>Especial para o UOL Notícias

Em Belo Horizonte

02/09/2010 10h01

A morte de brasileiros em uma chacina ocorrida no final de agosto no Estado mexicano de Tamaulipas volta as atenções para a região de Governador Valadares (MG), conhecida como um dos maiores redutos brasileiros de mão de obra clandestina para os Estados Unidos, vizinho do México.

O mineiro Juliard Aires Fernandes, 19, foi identificado como um dos 72 mortos na ação de um grupo de narcotraficantes. Além de Fernandes, os documentos de Hermínio Cardoso dos Santos foram encontrados no local, mas o corpo ainda não foi identificado. Os dois amigos, que tinham os EUA como destino, partiram das cidades de Sardoá e Santa Efigênia de Minas, ambas próximas de Governador Valadares.

A região convive com a ação dos chamados “cônsules”, pessoas que acenam com promessa de agenciar acesso a quem deseja trabalhar em território americano. O valor do serviço dos agenciadores gira em torno de US$ 9 mil a US$ 15 mil. Se a pessoa não tem o dinheiro à vista, os "cônsules" aceitam financiar esse valor mediante da garantia de bens ou promissórias das famílias que ficam no Brasil. Nesse caso, geralmente a intenção de quem emigra é tentar quitar o empréstimo em um ano de trabalho nos EUA, para começar então a juntar dinheiro.

Segundo o delegado da Polícia Federal Cristiano Campidelli, existem no momento cerca de 50 inquéritos que apuram a participação de, ao menos, cem pessoas nessa atividade.

Para ele, a principal dificuldade em colocar na cadeia quem faz esse tipo de serviço é a falta de legislação sobre o assunto. “Ainda não há no Brasil uma tipificação penal que incrimine a conduta de pessoas que proporcionam os meios meramente migratórios de pessoas para o exterior. Embora seja uma conduta imoral, ela não é ilegal”, explicou o delegado.

De acordo com ele, a ação da polícia, no entanto, tem se baseado em crimes que permeiam o processo. “A polícia atua quando essas pessoas cometem outros delitos, como falsificação de documentos, ou quando usam de ameaça para cobrar valores de alguma vítima ou dos familiares”, disse.

“Nós investigamos os ‘cônsules’, os falsificadores de documentos e os financiadores desse tipo de atividade. Várias pessoas, ao longo do tempo, já foram indiciadas, mas por crimes de falsidade para fins de emigração”, ressaltou Campidelli.

Nova rota expõe perigo maior
Após o México passar a exigir visto dos estrangeiros, em 2005, uma nova rota de entrada nos Estados Unidos começou a ser direcionada principalmente pela Guatemala. O périplo se tornou mais longo e extremamente perigoso, relata o delegado. Conforme Campidelli, não é raro surgirem casos de pessoas abandonadas pelos “coiotes” (encarregados de ajudar pessoas a entrar ilegalmente nos EUA). Alguns também são vítimas de sequestro, estupro e homicídio.

“Para os coiotes, as pessoas que se arriscam nessa aventura são mercadorias. Se alguém não cumpre ordens ou se torna um fardo, eles [coiotes] se mostram impiedosos, até mesmo para darem exemplo”, explica o delegado.

No caso do sequestro, as famílias passam a ser extorquidas. Foi o que ocorreu com um morador da cidade de Ladainha, próxima de Governador Valadares. Segundo I.M., ex-esposa de R., 24 anos, o rapaz e um amigo tentaram voltar aos EUA no mês de junho deste ano após passar uma temporada de 5 anos no país. Após desembarcar na Guatemala, a dupla não encontrou o “coiote” que os levaria ao território americano. Segundo relatos da mulher, eles foram sequestrados e levados para o México.

“Como eles ficaram perdidos na Guatemala, eles se tornaram alvo fácil para essas quadrilhas. Em seguida, passamos a receber ligações de pessoas exigindo dinheiro, senão iriam matar os dois. Ao todo, enviamos R$ 40 mil, mas eles somente foram libertados porque a polícia americana conseguiu localizá-los depois que fizemos a denúncia”, conta a mulher, que disse ter juntado a quantia com a venda de um terreno, uma moto e com empréstimos.

“Eles sofreram muito na mão dos sequestradores. Apanhavam o tempo todo, com tapas na cara e com pedaços de tábua”, disse a mulher. “Eu fiz contato com a Embaixada do Brasil no México, na Guatemala e nos EUA. A única resposta que eu tive foi quando a polícia dos Estados Unidos entrou no caso.”

Após ficarem detidos em cadeia americana, os dois brasileiros foram deportados e voltaram ao Brasil no final de julho. Com medo, R. não quis retornar à cidade natal e está escondido em casa de parentes, em outra cidade de Minas Gerais.

“Ele não está bem. Está muito traumatizado. Ele tem medo também de que alguém faça mal com a gente. Por isso, ele prefere manter distância”, finaliza a mulher.