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Parentes de cacique morto fazem protesto por justiça em SP; julgamento começa

Rosanne D'Agostino <br>Do UOL Notícias

Em São Paulo

21/02/2011 11h56Atualizada em 21/02/2011 15h35

Cerca de quinze indígenas parentes do cacique Marcos Veron protestam nesta segunda-feira (21) em frente ao Fórum Jarbas Nobre, na capital paulista, pedindo justiça no júri popular que decide o destino de três réus acusados da morte do líder do povo guarani-caiová, ocorrida em janeiro de 2003 em Juti (MS).

O julgamento começou às 12h30. O júri sorteado é formado por seis homens e uma mulher. A sessão teve início com a leitura de peças. As vítimas, que seriam as primeiras a serem ouvidas, perderam o voo e só devem chegar às 18h30 em São Paulo. 

Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos e Jorge Cristaldo Insabralde já estão no Fórum e foram recebidos com revolta pelos membros da tribo. Eles são acusados de homicídio duplamente qualificado (por motivo torpe e meio cruel), tortura, seis tentativas qualificadas de homicídio, seis crimes de sequestro, fraude processual e formação de quadrilha. Outras 24 pessoas foram denunciadas por envolvimento no crime.

“Se fosse índio, que matou três ou quatro fazendeiros, hoje o julgamento já tinha acontecido”, protestou a filha do cacique, Valdelice Veron, filha do cacique assassinado, que trouxe suas três filhas --de 15, 13 e dois anos-- do Mato Grosso do Sul para acompanhar o júri.

“Eu não queria estar aqui. Não sei onde vou dormir, mas tive que vir. Eu falei para os meus filhos que nós não vamos ter o cacique de volta, mas isso vai devolver nossa dignidade. Até hoje não somos aceitos. A gente espera justiça, ser respeitado com nossa diferença e com nossa especificidade”.

  • Hédio Fazan/Diário MS - 13.01.2003

    Ládio Veron, filho do cacique, uma das vítimas dos ataques aos indígenas; ele disse ter quase sido queimado vivo e deve ser ouvido durante o júri popular

Já o advogado dos réus Josephino Ujacow afirmou não existirem provas contras os clientes. “O Ministério Público se alicerça em ilação e conjectura. Eles não tiveram participação neste crime, não existe prova”, afirmou. Para o advogado, o depoimento das vítimas “não tem nenhuma valia”. “É ditado pelo rancor”, completou.

O júri popular, que deve durar entre oito e quinze dias, pode gerar a primeira condenação pela morte de um indígena no Mato Grosso do Sul, região de conflitos envolvendo o povo guarani-caiová e cujos índices de violência são os mais altos entre todas as comunidades indígenas do país.

Ao todo, sete vítimas, todos indígenas, devem ser ouvidas pela juíza federal Paula Mantovani Avelino, no Fórum Jarbas Nobre. Uma delas é Ládio Veron, filho do cacique morto. Depois, cinco testemunhas de acusação (três indígenas), duas de defesa e uma do juízo também prestarão depoimentos. Por último, está previsto o interrogatório dos três réus, mas eles não são obrigados a comparecer.

Para Saulo Feitosa, secretário-adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Mato Grosso do Sul, “o julgamento é uma resposta histórica a esses assassinatos e demais crimes que vêm acontecendo no MS". "Será um marco se trouxer uma resposta favorável aos indígenas, que há muito acompanham os sequestros, torturas, prisões e assassinatos de seus parentes.”

Júri transferido

O júri foi transferido do Tribunal do Júri de Dourados (MS) para São Paulo a pedido do Ministério Público Federal, que alegou que os jurados não teriam a isenção necessária naquele Estado, devido ao preconceito na sociedade local e ao grande poder de influência do proprietário da fazenda reclamada pela tribo de Veron, Jacinto Honório da Silva Filho. Ele é acusado de coagir os índios a mudarem seus depoimentos.

O plenário possui 60 lugares. Segundo a Justiça Federal paulista, a maior parte será ocupada por parentes e convidados das vítimas. O caso ganhou notoriedade porque Veron já representou a comunidade em eventos internacionais. É acompanhado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e por organizações não-governamentais ligadas aos direitos humanos. 

O MPF defende a aplicação da pena máxima. Já a defesa dos acusados deve alegar que o crime foi cometido dentro da própria tribo, o que é comum entre os guarani-caiová, além de falta de provas contra os clientes.  

Segundo a denúncia, os índios acampados na fazenda Brasília do Sul, em Juti, região sul do MS (veja no mapa ao final em Taquara), sofreram dois ataques de um grupo formado por cerca de 30 homens armados que trabalhariam para o dono da propriedade.

Entenda o crime

No dia 12 de janeiro de 2003, o grupo teria perseguido um veículo e atirado contra os indígenas --duas mulheres, um adolescente de 14 anos e três crianças de 6, 7 e 11 anos. Na madrugada seguinte, os agressores atacaram o acampamento.

Sete índios foram sequestrados, amarrados na carroceria de uma caminhonete e levados para local distante da fazenda, onde passaram por uma sessão de tortura. Ládio disse ter quase sido queimado vivo. A filha dele, Geisabel, grávida de sete meses, foi arrastada pelos cabelos e espancada. Marcos Veron, à época com 73 anos, foi agredido com socos, pontapés e coronhadas de espingarda na cabeça. Ele morreu por traumatismo craniano.

Língua indígena

O júri foi adiado em maio do ano passado após decisão da juíza Paula Mantovani, que determinou que as oitivas dos indígenas ocorressem em português. Como forma de protesto pela necessidade de um intérprete, o procurador Vladimir Aras abandonou a sessão. Agora, quatro procuradores da República devem atuar na acusação: Marco Antônio Delfino de Almeida, de Dourados, Rodrigo De Grandis e Marta Pinheiro de Oliveira Sena, de São Paulo, além do procurador-regional Luiz Carlos dos Santos Gonçalves.

Taxa de homicídios entre guaranis-caiovás é 20 vezes maior do que a de SP

Funai (Fundação Nacional do Índio), Cimi, ISA (Instituto Sociambiental), lideranças indígenas, antropólogos e representantes do Ministério Público de Federal em Mato Grosso do Sul compartilham da mesma posição: causa principal da violência entre caiovás é a falta de terras

“Oxalá esse caso inaugure uma era do fim da impunidade. No que depender do MPF, pena máxima é pouco”, afirma Gonçalves.  “É um caso que teve repercussão internacional, porque foi a morte de uma liderança indígena que lutava pelos seus direitos ancestrais”, complementa. Já sobre a necessidade de um intérprete de guarani, o procurador acredita que “a juíza vai avaliar a situação”. “Confiamos na prudência dela.”

Segundo o procurador, os valores culturais dos indígenas são o ponto central da acusação. “Queremos centrar fogo nessa questão, da terra, da luta dos índios pelo seu direito linguístico, de comunicação. Vamos fazer um júri, não para falar mal de ninguém, mas para falar bem dos índios, que não têm lugar nem para sepultar os seus mortos. Esse crime, que é de 2003, aconteceu nesse contexto na luta de afirmação do direito indígena à terra”, adianta.

Este é o terceiro caso no país de transferência de um processo para outro Estado. Os dois primeiros ocorreram no julgamento de Hildebrando Pascoal, quando os júris federais foram transferidos de Rio Branco para Brasília. O ex-deputado federal foi condenado a 18 anos de prisão em regime fechado pelo assassinato do mecânico Agílson Firmino dos Santos, o Baiano, morto com golpes de motosserra em 1996, no Acre.

O júri do caso Veron não é o primeiro julgamento de homicídio contra um indígena no Mato Grosso do Sul, mas pode ser a primeira condenação. Em 1983, Marçal de Souza, líder da etnia guarani-nhandevá, foi assassinado em uma disputa de terra. Os acusados pelo crime, Líbero Monteiro de Lima e Rômulo Gamarra, foram absolvidos dez anos depois. Em razão da demora, a acusação prescreveu.


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