"Nos sentimos despreparados", diz bombeiro de Nova Friburgo (RJ) com casa interditada há um ano
Exatos 12 meses após a tragédia em quase 500 pessoas morreram, em 12 de janeiro de 2011, o município de Nova Friburgo (RJ), na região serrana fluminense, ainda coleciona esqueletos de construções destruídas, obras inacabadas e relatos de gente que perdeu amigos, parentes, vizinhos e bens materiais.
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Um dos exemplos de quem sofreu com essas perdas é justamente quem atuou de perto no resgaste das vítimas: desde a data fatídica, o bombeiro Alfredo Marques Werly, 43, está com a casa interditada, não conseguiu o aluguel social de R$ 500 mensais e é taxativo em admitir que se sente “impotente” se uma eventual situação de risco se repetir.
Com formação técnica em segurança, o sargento conversou com a reportagem do UOL na sede do Corpo de Bombeiros de Nova Friburgo, onde placas homenageiam os três oficiais que morreram em serviço quando buscavam por soterrados no centro da cidade, há um ano. Um desses bombeiros mortos era primo do sargento.
“Lembro que ouvi um estrondo, de madrugada, e só deu tempo de tirar minha mãe, meu irmão e de nos protegermos em um posto de combustível próximo. Tirei dois vizinhos ainda vivos, por meio de uma trilha e no escuro, e ainda vi um dos meus carros ‘voando’”, conta, ao lado do veículo que sobrou. Uma das laterais do veículo está toda amassada e tem vidros quebrados. “Ainda não sobrou dinheiro para arrumar”, afirma.
O carro levado pela avalanche foi visto um dia depois em uma situação inusitada: “Dois rapazes olhavam meu automóvel e preparavam, entre eles, a divisão das partes: um ficaria com as rodas, outro com o break light, o som... até que um deles me viu e disse: ‘Calma, que o dono do carro morreu’. 'Epa, estou vivo!', deu tempo de falar".
O saque foi evitado. A perda total do carro, não. A partir dali, ele conta que seriam três longos dias trabalhando nas buscas por corpos e desaparecidos ininterruptamente. “Não tinha como dormir”.
Sensação "é de impotência", diz sobrevivente
Quando as imagens da tragédia começaram a correr o Brasil e o mundo, autoridades públicas federais e estaduais do Rio não pouparam esforços em anunciar reforços para as equipes de buscas na região serrana. A medida, pelo que se entende da conversa com o bombeiro sobrevivente, valeu mais como paliativo.
“Eu e meus colegas nos sentimos totalmente impotentes diante da grandiosidade do que havia ocorrido; estávamos mesmo despreparados para uma situação como aquela. E é fato: falta essa educação de treinamento ainda hoje”, diz. “Quanto mais se treina, mais preparado se fica, ainda que não psicologicamente diante de uma tragédia como aquela. Infelizmente, o poder público não tirou lições disso”, define.
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"Vi meus amigos escavando atrás do meu corpo"
Com 17 anos de corporação, o sargento só não se sente um desabrigado porque vive atualmente na casa da mãe. E apesar das dificuldades de infraestrutura e as pessoais, celebra não ter entrado para as estatísticas mais mórbidas.
“Meu primo bombeiro que morreu se chamava Marco Antonio Werly, aí começaram a espalhar que o ‘oficial Werly’ tinha morrido. Resultado: meus parentes e alguns amigos acharam que havia sido eu e ficaram loucos --tanto que depois de uma das saídas de salvamento cheguei perto da minha casa e vi gente escavando tentando me localizar. Eu nunca mais vou esquecer essa cena”.
Em toda a região serrana do Rio, segundo dados da Defesa Civil do Estado, foram quase mil mortos --a maior parte, quase 500, em Nova Friburgo.
O UOL percorreu os três municípios mais afetados --depois de Friburgo, pela ordem de mortes e destruição, Teresópolis e Petrópolis-- para a série especial de reportagens que, desde ontem, mostra como cada localidade lida com as marcas deixadas pela tragédia de 2011 e que medidas vêm sendo adotadas para evitar novos casos.
Nas três cidades, seja na zona urbana quanto em localidades da zona rural, a queixa dos moradores é comum em relação à morosidade e à eficácia das obras que estão em curso e sobre as que ainda nem começaram. Esqueletos de casas destruídas e interditadas, bem como vias públicas tomadas por pedras gigantes que rolaram de encostas, são o complemento negativo que ainda incomoda os sobrevientes um ano depois.
Análise do Crea e chuvas de 2012
Também ontem, o Crea-RJ (Conselho Regional de Engenharia e arquitetura do Rio de Janeiro) divulgou relatório apontando que, de 170 áreas indicadas como de alto risco de deslizamento de encostas da região serrana atingidas ano passado, os trabalhos foram iniciados em apenas oito delas. O documento será encaminhado ao Ministério Público estadual.
Pelas chuvas deste ano, que castigam sobretudo o norte e noroeste fluminenses, já são cerca de 20 mortos, 15 cidades afetadas e aproximadamente 15 mil pessoas desabrigadas. Os dados são da Defesa Civil do Estado.
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