Topo

Protesto contra evento que lembra o golpe militar termina em confusão no Rio

Fabíola Ortiz

Do UOL, no Rio

29/03/2012 17h18Atualizada em 29/03/2012 19h02

Uma manifestação de estudantes e ativistas terminou em confusão na tarde desta quinta-feira (29) na Cinelândia, no centro do Rio. O grupo, composto por cerca de 300 pessoas, protestou em frente à sede do Clube Militar contra um evento que lembra o aniversário do golpe de 1964 –ocorrido em 31 de março daquele ano.

Militares que compareceram à palestra "1964 - A Verdade" foram hostilizados pelos manifestantes e tiveram que ser escoltados pela polícia. Uma pessoa que jogou ovos na direção dos militares foi presa.

O Batalhão de Choque da Polícia Militar foi chamado e jogaram bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta para dispensar o grupo. Houve correria na avenida Rio Branco, uma das principais do centro.

Os estudantes e ativistas gritavam palavras de ordem e chamavam os militares de “assassinos” e “torturadores”.  “Cadeia já para os facistas do regime militar”, cantaram em coro. Os nomes de mortos e desaparecidos durante o regime militar foram lidos em voz alta. 

“Estamos aqui para celebrar a democracia. O Brasil se tornou uma democracia e não uma ditadura comunista. Se é para ser a verdade tem que ser para todos. Todas as revoluções de Cuba e da Rússia eram para transformar em ditaduras comunistas”, disse o general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, que foi comandante da Escola de Comando do Estado Maior do Exército e que se diz contra a instalação da Comissão da Verdade. 

O militar já havia afirmado à imprensa que não viu tortura dentro do Exército e disse duvidar que a presidente Dilma Rousseff tenha sido torturada. 

‘Movimento para restaurar a democracia’

Segundo disse ao UOL o coronel Gilberto Pereira, diretor de comunicação do Clube Militar, a palestra desta quinta faz parte de uma programação anual. “Assim como a gente comemora a proclamação da República, datas importantes para o Exército, o dia do soldado e do aviador, a gente comemora a verdade sobre o movimento 31 de março, que foi um movimento para restaurar a democracia”, alegou.

Já o secretário executivo do Clube Militar, o coronel Pedro Figueira, complementou que este tema é recorrente nas discussões. “Todos anos nós fazemos uma palestra sobre este tema, é um assunto recorrente. Os ânimos estão mais exaltados. É uma revisão histórica mostrando os fatos que ocorreram naquela época, muitas vezes deturpados. Agora está sendo criada a Comissão da Verdade que busca a verdade só do outro lado. Nós também somos favoráveis à comissão, mas desde que se busque a verdade dos dois lados.”

Manifestação descontraída

A manifestação foi convocada pelo cineasta Silvio Tendler, que teve sua mãe torturada durante o regime militar. Antes do início do protesto, Tendler havia dito que o ato seria uma “manifestação descontraída, antiditadura e antigolpe militar”.

Numa carta enviada, em 2010, ao então ministro da Defesa, Nelson Jobim, o cineasta defendeu que “os envolvidos em crimes de tortura em nome do Estado brasileiro deveriam ser julgados e punidos por seus atos”.

No vídeo de convocação à manifestação, Tendler afirmou: “A ditadura me lembra tudo de ruim nesse país. É inadmissível que exista gente que ainda hoje pretenda comemorar o golpe de 64, que se use espaços públicos para comemorar a implantação de uma ditadura que destruiu uma geração inteira no país. É uma manifestação pela liberdade, democracia e pelo direito de expressão”.

Comissão da Verdade

Segundo a vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Vitoria Grabois, a instalação da Comissão da Verdade é uma luta de, pelo menos, 30 anos.

“Tudo isso está acontecendo porque existe uma ação na Corte Interamericana de Direitos Humanos na OEA que determinou que quem praticou crime de lesa humanidade deve ser julgado. Nesse momento se fala na Comissão da Verdade que é uma luta que fazemos há mais de 30 anos. Os militares não admitem a criação da Comissão. O Brasil é o país mais atrasado da América Latina”, disse Grabois.

A ativista citou que países como a Argentina já têm um ditador em prisão domiciliar, Reynaldo Bignone, e condenou o ‘anjo da morte’ por prisão perpétua –Alfredo Astiz, que foi chefe de inteligência do Grupo da Marinha.

“O Brasil nunca puniu os torturadores da ditadura. A Comissão da Verdade só existe no papel, ela já foi sancionada em novembro de 2011, mas não tem nada de concreto, os integrantes ainda não foram definidos”, criticou.

A aposentada Ângela Maria Barbosa, 70, foi uma das manifestantes desta quinta-feira. “Me surpreendi ao ver a juventude em grande número tentando resgatar uma parte dolorida da nossa história para todos nós que vivemos nesse período. Vivíamos naquela época a motivação de fazer oposição a um regime horroroso. Tive vários amigos presos e supertorturados.” Em 1964, Ângela Maria tinha 23 anos e era atuante nas manifestações públicas. “Vim fazer a minha presença como eu fiz na época, era muito atuante, fui à passeata dos cem mil, das Diretas Já”, lembrou.