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Com legistas em greve, IML de Maceió tem corpos no chão e parentes à espera de liberação

Aliny Gama

Do UOL, em Maceió

25/06/2012 17h16

A greve dos médicos legistas que trabalham nos IMLs (Instituto Médico Legal) de Maceió e Arapiraca (125 km de Maceió) está causando transtornos às famílias que esperam pela liberação dos corpos desde a última quinta-feira (21). Sem ter como emitir atestado de óbito, a liberação está mais demorada que o normal, chegando a quatro dias.

Na tarde do último sábado (23), o Tribunal de Justiça decretou a ilegalidade do movimento, mas os médicos não cumpriram a determinação e paralisam 100% dos serviços. Antes, na manhã no sábado, parentes invadiram e quebraram equipamentos do IML de Maceió, em protesto à demora.

Por conta do descumprimento da decisão judicial pelos médicos, o governo estadual anunciou, neste domingo (25), que os corpos iriam ser liberados sem necropsias. Para isso, as famílias deveriam assinar um termo, acatando uma possível necessidade de exumação no futuro, caso haja necessidade de investigações.

Mas a reportagem do UOL esteve no IML de Maceió no final da manhã desta segunda-feira (25) e encontrou uma longa fila –que chegou à calçada do prédio—e familiares que aguardavam a liberação de corpos desde a última sexta-feira (22).

Segundo um funcionário do IML de Maceió, que pediu para não ser identificado, havia 27 corpos à espera de liberação nesta manhã, sendo que apenas dez estavam acondicionados em duas geladeiras --os demais estavam ensacados e colocados no chão do pátio do instituto ou ainda ao ar livre, em rabecões.

O soldador Daniel da Silva Santos, 30, contou que peregrina há quatro dias para conseguir a liberação do corpo do irmão dele, David da Silva Santos, 19. O jovem foi morto a tiros na sexta-feira, no município de São Miguel dos Campos (58 km de Maceió).

“É constrangedor passar por essa situação. Além da dor da perda do meu irmão, tenho de ficar aqui esperando a boa vontade dos outros para que o corpo seja liberado. Quatro dias de espera é um desrespeito com o ser humano”, afirmou.

Santos informou que desde quinta-feira (21) a família contratou a funerária e se surpreendeu com a greve dos médicos legistas do IML. “Nem sei se o corpo terá condições de ficar num velório. Não sei se já está apodrecendo ou se colocaram em alguma refrigeração”, disse Santos. 

Humilhação

A viúva Adimar da Silva, 25, afirma que não tem mais lágrimas para chorar desde que o marido dela, José Cícero dos Santos, 26, foi assassinado na tarde do último sábado (23), em Coqueiro Seco (21 km de Maceió).

“Eu nunca imaginei que ia passar por uma situação dessa, de viajar todo dia para Maceió para esperar a liberação do corpo, é desgastante. É muita humilhação termos de ficar na calçada do IML porque lá dentro não tem mais lugar para sentar ou até beber água. Estou sem chão com tudo isso.”

Os dois dias de espera para liberação do corpo do adolescente Paulo Sérgio da Rocha Júnior, 17, assassinado em Pilar no último sábado (23), também está deixando a família desesperada.

A tia do rapaz, Nelsa da Rocha Santos, 50, estava sentada em uma das cadeiras da sala de entrada do IML de Maceió desde às 6 horas da manhã desta segunda-feira, aguardando a liberação do corpo do jovem.

Santos disse que chegou cedo para ver se alguém do IML se sensibiliza com a dor da família e acelera a liberação do corpo do jovem, mas até o meio-dia não havia ocorrido. “A mãe dele veio ontem, mas hoje nem teve condições de vir. Estou acompanhando meu sobrinho para dar apoio porque não é fácil perder um filho e ainda ficar nessa expectativa”.

Questionados, nenhum dos familiares ouvidos pela reportagem afirmou ter conhecimento sobre a possibilidade de exumação do corpo após o retorno dos legistas.  Os três familiares entrevistados afirmaram que não queriam que os corpos fossem “mexidos” depois de sepultados, mas contaram que assinaram vários papéis sem ler. "Numa situação dessa quem é que vai ter cabeça para ler o que está escrito?", disse Adimar.

Casos "específicos"

Segundo a assessoria de imprensa do IML, a demora da liberação dos corpos ocorre porque apenas em “casos específicos”, mas que neste domingo foi realizado um mutirão para liberação de 29 corpos, que desafogou o instituto.

O IML de Maceió informou ainda que alguns corpos demoraram a ser liberados devido à falta de documentação e do reconhecimento das vítimas pelos familiares. O órgão informou ainda que foram necessários quatro dias para assegurar a conclusão da parte burocrática .

O IML também informou que demorou a liberar os corpos, até o domingo, para preparar um documento de autorização de exumação dos corpos que foram liberados sem laudo. Segundo o órgão, todos os familiares estão obrigados a assinarem o documento, caso queiram retirar o corpo antes da perícia.

A assessoria de imprensa também informou que a diretoria do IML de Maceió desconhece que existam corpos espalhados pelo pátio em sacos ou em rabecões sem acondicionamento nas geladeiras.

O governo informou também que fará uma reforma nas salas do antigo necrotério do Hospital Sanatório, no bairro do Pinheiro, em Maceió, para que ele comporte a estrutura do órgão até que uma nova sede do IML de Maceió seja construída. Neste domingo, uma comissão visitou o local para avaliar as medidas necessárias para a mudança.

Pedido reajuste

Os médicos legistas pedem reajuste de quase 400%. Segundo o Sindicato dos Médicos, eles recebem R$ 2.600, por mês, por plantões semanais de 24 horas. Eles querem a aplicação do piso nacional Federação Nacional dos Médicos (Fenam), que é de R$ 9.600 por 20 horas trabalhadas. Eles também pedem melhores condições de trabalho e afirmam que o atual prédio não comporta a atual estrutura do IML, em Maceió.

Sobre reajuste, o secretário de Estado da Defesa Social informou, em entrevista À TV Pajuçara, que um projeto de lei será enviado à Assembleia Legislativa para concessão de bolsas nos valores de R$ 1.090 (para auxiliares) e R$ 2.500 (para os legistas).

O governo também afirmou que um novo IML está sendo construído em Maceió. O prédio será “um dos mais modernos complexos de perícias do País.” A obra deve custar R$ 5 milhões e deve ser entregue em 2013. O novo prédio terá anfiteatro para aulas de Medicina Legal, laboratório de DNA, laboratório de análises clínicas, patológicas e toxicológicas.