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No reencontro com alunos, professor de Santa Maria (RS) diz ter dado aula mais difícil da vida

Alessandro Arbage, professor que se voluntariou para recepcionar os estudantes em Santa Maria - Thiago Varella/UOL
Alessandro Arbage, professor que se voluntariou para recepcionar os estudantes em Santa Maria Imagem: Thiago Varella/UOL

Thiago Varella

Do UOL, em Santa Maria (RS)

02/03/2013 06h00

Aos poucos, Santa Maria (RS) tenta se recuperar da tragédia na boate Kiss, que deixou 239 mortos no último dia 27 de fevereiro.

O santa-mariense Alessandro Arbage, 45, teve a difícil tarefa de fazer a vida voltar ao normal no curso de Agronomia, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde leciona Economia Rural para os alunos do 5º semestre.

O curso foi o que mais perdeu alunos no incêndio: 26 no total. Na turma de Arbage, porém, ninguém morreu.

Mas os alunos de Agronomia são extremamente unidos e amigos. Por isso, a volta às aulas no último dia 5 de fevereiro foi um duro momento para todos.

“Naquele dia, dei a aula mais difícil da minha vida”, contou o professor. Antes de seguir para a sala, Arbage se voluntariou para recepcionar os estudantes. Durante uma semana após a tragédia, a UFSM ficou fechada, em luto, sem aulas.

Quando voltaram às atividades normais, a reitoria programou um culto ecumênico em homenagem às vítimas. Arbage achou que poucos alunos iriam aparecer para a aula. Se enganou.

Após o culto, o professor seguiu para o almoço. Ele sabia que durante a tarde, o encontro seria dentro da sala de aula.

“Tentei almoçar e não consegui. Fiquei caminhando pelo campus, pensando no que falar para os alunos. Não consegui chegar a nenhuma conclusão”, afirmou.

Arbage entrou na aula sabendo apenas duas coisas: que não conseguiria retomar o conteúdo da disciplina, mas também que não falaria diretamente sobre a tragédia.

Aos poucos, os alunos foram entrando. Para a surpresa do professor, a sala estava cheia.

“Todos estavam em silêncio. Um silêncio triste, pesado, dolorido, mas respeitoso. Foi um momento muito difícil”, lembra.

O professor resolveu então compartilhar uma história pessoal. Contou de um momento em que quase desistiu da profissão de Engenheiro Agrônomo e se lembrou de um conselho muito importante que leva como lema de vida.

“Um professor me disse: ‘se você desistir agora, vai se acostumar a desistir. A vida é difícil e terá vários momentos como este’”, contou.

Após a aula de vida, Arbage pediu para que os alunos que quisessem, se manifestassem. Mais uma vez, o silêncio tomou conta da aula. Sem ter o que dizer, liberou os estudantes que saíram vagarosamente, um por um, pela porta. Muitos choravam.

Aquela foi a primeira aula após a tragédia e a última do semestre que foi prejudicado pela greve dos professores. Sensibilizado, Arbage, que se considera um professor rígido, aprovou todos os alunos.

Vítima retratada em foto emblemática foi aluno

Arbage tem dois filhos, um de 24 e outro de 18 anos. Na noite da tragédia, ambos estavam fora de casa, curtindo a noite de Santa Maria. Assim que ficou sabendo do incêndio, o professor ligou desesperadamente para eles.

“Foram cinco minutos de tensão. Por sorte, eles não foram à Kiss. Mas, meu filho mais velho, disse que quase foi para a boate”, disse.

Quando saiu a lista dos mortos, o professor encontrou o nome de um aluno muito querido: Bruno Kraulich. O jovem, estudante de mestrado em Agronomia, era muito próximo ao professor e foi retratado sendo retirado da Kiss, já desfalecido, nos braços de um homem que subia, desesperado, a rua da boate pedindo ajuda.

“Há algum tempo, ele foi até minha sala pedir um conselho. Disse que havia conseguido um intercâmbio para os Estados Unidos e um emprego em Santa Maria ao mesmo tempo. Ele estava em dúvida sobre o que fazer. Aconselhei a ir para o exterior e assim ele o fez”, contou Arbage.

Assim que encontrou o nome de Kraulich, o professor parou de ler a lista. Encontrar o nome de outras pessoas queridas seria muito duro para ele.