'Ninguém admite que foi homofobia', diz vítima de agressão após beijo gay
André Barbosa, 22, viu sua vida mudar depois de ser espancado por dois seguranças em uma boate no Balneário Camboriú, em Santa Catarina, após beijar outro homem. Em depoimento ao UOL às vésperas da Parada Gay de São Paulo, que terá protestos contra violações dos direitos conquistados pelos homossexuais, Barbosa afirma que seu caso é visto como conduta inadequada e não como um crime de homofobia. "O que me deixa chateado são as justificativas de alguns políticos e dos donos da casa noturna e de muita gente da cidade: 'Ah, ele estava pegando na genitália do outro jovem', ou então 'ele teve comportamento inadequado'".
O jovem diz que não houve excesso em sua conduta. "Foi um beijo normal, nada explícito, sem ‘pegação’ nem nada. Senti um cutucão no ombro e quando me virei já levei uma cotovelada no peito. O agressor tinha um crachá de funcionário da casa noturna", diz.
A agressão ocorrida na boate 2ME no começo de abril fez com que sua família o orientasse a adiar o início do curso de arquitetura e urbanismo, previsto para começar no segundo semestre, para esperar "a poeira baixar". Na cidade, Barbosa diz que ficou conhecido como “a bichinha que apanhou”.
Na época, a 2ME divulgou um comunicado oficial que afirma que “o club não tem nenhum tipo de preconceito com seus clientes, sempre recebemos a todos independentemente de cor, credo ou orientação sexual. Todos são muito bem vindos no club”. A nota diz que “o fato de sexta-feira (6 de abril) não tem qualquer conotação relativamente a opção sexual, como algumas pessoas tem conduzido o assunto, mas sim a uma situação gerada em razão da conduta inapropriada por um grupo de clientes, promovendo agitação, empurra-empurra e gerando incômodo em vários clientes.”
Uma audiência de conciliação está marcada para agosto. André estuda processar a casa noturna pela agressão. Os seguranças estão em liberdade. A reportagem não conseguiu entrar em contato com os funcionários.
Este é o relato da vítima:
Até o dia 6 de abril eu nunca tinha sido agredido, nem na escola. No máximo umas palmadas do meu pai quando criança. Eu também nunca tinha ido naquela casa noturna, a 2ME. Sabia que não era uma casa LGBT, apesar de ser frequentada por muitos gays. Conheci um jovem durante a balada, e certa hora ele me puxou de lado e me beijou.
Fiquei meio constrangido, sem jeito, porque sabia que era uma festa hetero. Mas pensando bem, é um espaço público né? Eu paguei para entrar, como qualquer um. Porque eu não poderia beijar quem quisesse?
Depois de um tempo esse menino veio se despedir de mim e nos beijamos novamente. Foi um beijo normal, nada explícito, sem ‘pegação’ nem nada. Senti um cutucão no ombro e quando me virei já levei uma cotovelada no peito. O agressor tinha um crachá de funcionário da casa noturna.
“Não quero mais ver você beijando aqui dentro!” Fiquei chocado, pensei em abaixar a cabeça e deixar por isso mesmo. Meus amigos começaram a chamar o segurança de homofóbico.
O funcionário me pegou pelo pescoço e começou a me levar para fora. Pensei “ok, vou sair”. Eu tenho 1,65 metro, o segurança tinha 1,80. Eu estava todo curvado, com as mãos para cima indicando que eu não ia reagir, e com a cara virada para o chão.
Não consegui nem pagar a comanda. Meus amigos tentaram me acompanhar, mas foram barrados no caixa.
Do lado de fora da casa dois seguranças me arrastaram para um jardinzinho na lateral da boate. Eu ainda estava preso pelo pescoço com a cabeça abaixada quando levei a primeira joelhada no rosto.
Tentei proteger a cara, mas não consegui. Eles só queriam bater no meu rosto, era soco e joelhada. Eles gritavam “viadinho de merda”. Quando eu me curvava muito, um deles levantava minha cara puxando meu cabelo para o outro bater. Eu gritava: “Pelo amor de Deus! Pelo amor de deus! O que vocês estão fazendo!?”
Um amigo meu conseguiu pagar a comanda e veio correndo me socorrer. Ouviu de um dos seguranças que eu “estava beijando outro homem lá dentro, isso não se faz”.
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A polícia chegou, e fomos para a delegacia fazer o boletim de ocorrência. Queríamos que fosse registrado como tentativa de homicídio, mas a delegada disse que era apenas lesão corporal dolosa. Não sei o que iria acontecer se meu amigo não viesse me socorrer. Eles tinham muita raiva, não paravam de me bater.
O que me deixa chateado são as justificativas de alguns políticos e dos donos da casa noturna e de muita gente da cidade: “Ah, ele estava pegando na genitália do outro jovem”, ou então “ele teve comportamento inadequado”. Parece que ninguém consegue admitir que foi um crime de homofobia.
Sei que não devo me importar com o que os outros pensam, mas é difícil. Muita gente trata isso como se fosse algo engraçado, o que me põe muito para baixo. Fiquei conhecido na cidade como “a bichinha que apanhou.”
Mas muita gente se solidarizou comigo, gays disseram que já foram agredidos, mas não tiveram coragem de prestar queixa.
A comunidade LGBT aqui é muito desunida, não querem lutar por uma causa. Frequentam as baladas voltadas para esse público e se contentam em ficar nessa espécie de gueto. Eu mesmo nunca me preocupei com os direitos gays até agora. Acho o casamento gay sensacional, mas aqui um casal gay não pode nem andar de mãos dadas sem ser xingado ou agredido.
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