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Dois meses após anúncio, apenas área por onde papa passará recebe melhorias em favela do Rio

Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

17/07/2013 06h00

Em maio, quando a favela da Varginha, no Complexo de Manguinhos, na zona norte do Rio de Janeiro, acabava de ter sido anunciada como um dos destinos do papa Francisco na cidade durante a Jornada Mundial da Juventude, o clima geral no local era de expectativa. Esgoto, asfalto, lixo --dali em diante, tudo iria melhorar. Mais de dois meses após o anúncio, apenas a área por onde o papa vai passar recebeu melhorias.

Fora as caçambas de lixo, que substituíram os antigos tonéis, e o asfalto, que teve seus buracos remendados e os quebra-molas varridos, Varginha segue quase a mesma. A mudança mais notável na comunidade é na frente da Capela de São Jerônimo, na entrada da comunidade, que ganhou um meio fio e calçamento novos. “Mas bem ao jeito deles”, como explica o carpinteiro José Costa, 67, um dos responsáveis pelo espaço.

A igrejinha recebeu ainda uma nova imagem de São Jerônimo e um cartaz de boas vindas ao papa com o símbolo da Jornada Mundial da Juventude, que começa no dia 23 e, além do pontífice, deve levar ao Rio cerca de 2 milhões de fiéis. A outra capela da favela, não santificada, acabou ignorada.

“O papa vai trazer uma marca de fé, de esperança. Agora, legado mesmo não vai ficar quase nada fora um que outro buraco tapado”, diz Costa, referindo-se à rua, que, apesar do calçamento recauchutado, alagou no domingo (14), quando a cidade enfrentou uma pancada forte de chuva. Na época da primeira visita da reportagem, asfalto e esgoto eram as prioridades apontadas pelo marceneiro. 

O campo de futebol, escolhido para acolher a missa campal do papa e onde é possível vislumbrar ao longe o Cristo Redentor, e o rio que separa a comunidade da favela vizinha Mandela de Pedra também não tiveram muita atenção. Segundo os moradores, mexeram apenas na iluminação do campinho e melhoraram a ponte, que agora conta com um corrimão azul royal. 

“Queria que tivessem feito uma coisa mais bonita, ajeitado esse lugar melhor, mas não foram muito além da entrada”, reclama Francisca Estevão da Costa, 86. Ainda assim, ela é pura ansiedade. “Estou contando os minutos pra chegada do papa”, diz, frente à sala toda decorada com imagens de santos.

Apesar de ter recebido uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) em janeiro, o clima em Varginha é tenso – até pouco tempo atrás, a região era conhecida como faixa de Gaza por causa da violência. Enquanto a reportagem visitava a comunidade, um motocilista parou e alertou que era melhor evitar fotografias. Além disso, diversos moradores evitaram entrevistas. 

Na segunda-feira (15), a favela recebeu ainda a visita da Polícia Federal, que trabalha no reconhecimento do espaço que, assim como os outros lugares que devem receber o papa, teve o policiamento reforçado.

Um dos policiais militares que faziam a ronda na comunidade falava ao telefone e fazia graça ao constatar o temor dos agentes. “Eles estão morrendo de medo de caminhar por aqui”, confidenciou ao interlocutor no outro lado da linha. Ao UOL, no entanto, disse que não havia nenhum problema. 

  • Fabio Brisolla/Folhapress

    Campo de futebol em Varginha, na região de Manguinhos, que receberá a visita do papa Francisco no dia 25 de julho

Para um morador que preferiu não se identificar, a situação é simples. “Está pacificada, mas não está. É tudo muito recente, as pessoas seguem com medo.” A escolha de Varginha, localizada em uma das áreas mais pobres da cidade, foi orientação do próprio papa Francisco, que determinou a inclusão de encontros com a parcela excluída da população em sua passagem pelo Rio.

Agenda do papa

O pontífice deve chegar a Varginha na manhã de quinta-feira (25) em um carro fechado e descaracterizado, deve descer em uma capela no interior da favela e, em seguida, deve caminhar por cerca de cem metros até um campo de futebol.

Antes de prosseguir em sua agenda, ele deve fazer um pronunciamento e ser recebido por uma família da comunidade. Varginha foi uma sugestão da pastoral das favelas --outras comunidades também foram recomendadas, tais como Jacarezinho e Mandela, na zona norte. A escolha contou com o aval da Polícia Federal e a aprovação do secretário do Vaticano para viagens internacionais, Alberto Gasbarri.

O papa Francisco chega ao Rio de Janeiro no dia 22 de julho, às 16h, e será recebido pela presidente Dilma Rousseff, pelo governador Sérgio Cabral, pelo prefeito Eduardo Paes e por representantes da igreja e autoridades no aeroporto internacional do Galeão.

Francisco deixa o aeroporto de papamóvel e vai ao Palácio Guanabara, onde haverá uma recepção para autoridades, seguida por uma reunião privada entre o papa e a presidente.

Depois, ele se dirige à Residência Assunção, no alto da estrada do Sumaré, que já hospedou João Paulo 2º duas vezes. Durante a estada no Rio o papa ficará hospedado no local.

CAPELA S. FRANCISCO DE ASSIS

  • Antônio Scorza/UOL

    Os moradores  do Vidigal realizaram um mutirão para que as obras da capela São Francisco de Assis fossem concluídas a tempo de receber o papa João Paulo 2º em 1980. O fato foi lembrado pelo pontífice em seu sermão: "Falaram-me também do mutirão, graças ao qual ficou pronta a capela que daqui a pouco vou benzer. É sempre lindo e importante que as pessoas todas se unam, se deem as mãos, somem esforços e, juntas, consigam o que sozinhas não podem alcançar"

No dia 23, o pontífice terá agenda privada, e em 24 de julho vai de helicóptero até a cidade de Aparecida (SP), onde celebra missa no Santuário Nacional. Ele retorna ao Rio de Janeiro no final do dia e visita o hospital São Francisco de Assis, que se dedica à recuperação de dependentes da droga e do álcool.

No dia 25, Francisco celebrará missa privada na Residência do Sumaré e depois vai até o Palácio da Cidade, onde recebe as chaves da cidade das mãos do prefeito Eduardo Paes. Em seguida ele visita a comunidade de Varginha/Manguinhos.

Durante a tarde, o papa se dirige à praia de Copacabana, onde acontece a Festa da Acolhida, com jovens participantes da JMJ (Jornada Mundial da Juventude). 

No dia 26, ele vai até a Quinta da Boa Vista, onde irá confessar cinco jovens provenientes de todos os continentes. Depois, o pontífice se encontra com o arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta, em sua residência oficial. Lá, o papa irá se encontrar reservadamente com cinco jovens detentos.

À tarde, Francisco reza o Angelus e se encontra com membros do comitê organizador da Jornada e seus patrocinadores. No fim do dia, ele visita novamente a praia de Copacabana para a Via Sacra com os jovens.

No sábado (27), o papa reza missa na catedral da cidade e depois se encontra com diplomatas, políticos e artistas no Theatro Municipal.

No dia 28, o pontífice sobrevoa de helicóptero o Cristo Redentor. Depois, ele celebra missa em Guaratiba com os jovens da Jornada, evento que contará com a presença da presidente Dilma. No final do dia, será anunciado o local onde ocorrerá a próxima Jornada, em 2015. Durante a tarde, o papa se encontra com a coordenação do Celam (Conselho Episcopal Latino-Americano), composto por 45 bispos.

No dia 29, Francisco vai ao Rio Centro, onde encontrará cerca de 15 mil voluntários da JMJ. Às 18h30, será realizada uma cerimônia de despedida no aeroporto Galeão, e o papa retorna a Roma.

João Paulo 2º no Vidigal

Na manhã do dia 2 de julho de 1980, dia em que moradores da favela do Vidigal, na zona sul do Rio de Janeiro, disputavam cada centímetro das ruas, becos e vielas da comunidade a fim de ver de perto o papa João Paulo 2º, Armando de Almeida Lima, 71, vivenciou o que hoje descreve como "a maior alegria de sua vida".

Desejei visitar em vocês do Vidigal, todos os favelados onde quer que se encontrem, no dileto Brasil, que agora percorro em peregrinação apostólica. Ao vir aqui, interessai-me, como Pai e Pastor, preocupado pela sorte de filhos multo amados, e perguntei sobre todos e sobre tudo aqui nesta favela. Falaram-me de vocês e como no meio de carências, lutas e agruras, há solidariedade e ajuda mútua entre todos, graças a Deus. (...) Regozijo-me com quantos, direta ou indiretamente, na área desta favela, conseguiram resolver, de modo justo e pacífico, questões que, arrumadas, não deixarão de contribuir para fazer a vida de todos mais inumana e para tornar esta cidade maravilhosa sempre mais cidade de irmãos. Vim aqui, não por curiosidade, mas porque amo vocês e lhes quero bem (...)

Trecho do discurso original do papa João Paulo 2º durante a visita ao Vidigal

Na visão do ex-líder comunitário, a visita de um papa a uma comunidade carente do Rio representou o início de uma série de transformações em relação à dialética entre o morro e o asfalto. "Quando o papa disse que não estava no Vidigal por curiosidade, e sim porque nos amava, os moradores sentiram que não eram tão invisíveis assim. A vinda dele fez com que a imagem das favelas começasse a mudar. Aos poucos, as pessoas foram descobrindo que há gente de bem na favela", afirmou.

No dia 25 de julho deste ano, moradores da comunidade conhecida como Varginha, no Complexo de Manguinhos, na zona norte, terão uma oportunidade semelhante com a visita do papa Francisco, que chegará ao Rio para a Jornada Mundial da Juventude, a ser sediada entre os dias 23 e 28 de julho.

"Esse papa argentino parece ter a mesma filosofia do João Paulo 2º. Acredito que a visita dele lá em Manguinhos também vai ser muito produtiva para os moradores. Todo mundo quer estar perto do papa", afirmou o morador do Vidigal, que diz "estar velho" para tentar se aproximar novamente de um pontífice: "Vou ver tudo pela TV. Não tenho mais idade".