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"Se me pegassem, terminariam o serviço", diz sobrevivente da chacina de Vigário Geral

Santos: "A gente sabia que havia um clima tenso, mas não imaginava que eles pudessem fazer isso" - Reprodução/Documentário "Lembrar para não esquecer"
Santos: "A gente sabia que havia um clima tenso, mas não imaginava que eles pudessem fazer isso" Imagem: Reprodução/Documentário "Lembrar para não esquecer"

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

29/08/2013 06h00

Ubirajara Santos, 62, comemorava a vitória do Brasil na partida contra a Bolívia --que garantiu à seleção uma vaga na Copa do Mundo de 1994-- na noite do dia 29 de agosto de 1993.

O bar do Joacir era um dos mais frequentados na favela de Vigário Geral, na zona norte do Rio, e se transformou em cenário sangrento após a chacina de Vigário Geral, que completa 20 anos nesta quinta-feira (29). Das várias pessoas que confraternizavam no estabelecimento, ele foi o único sobrevivente.

Santos foi atingido com um tiro no fêmur e teve que se fingir de morto para que os policiais não "terminassem o serviço". A maioria das pessoas que estava no bar morreu em função da explosão de uma granada que foi lançada pelos policiais militares que formavam um grupo de extermínio conhecido como "Cavalos Corredores". No total, 21 pessoas morreram no decorrer da ação criminosa dos PMs.

Relato

Eu estava lá no bar do falecido Joacir. Nesse dia, estávamos comemorando a vitória do Brasil quando, de repente, apareceram os caras encapuzados. Entraram no bar e pediram os documentos. Todo mundo cedeu os documentos e eles saíram logo do bar. Não deu nem um minuto e eles jogaram uma bomba em direção ao bar, e começaram a dar os tiros. Mataram todo mundo que estava lá dentro.

Eu levei um tiro no fêmur. Saíram me arrastando até uma outra rua na parte de trás. Me esconderam dentro do barraco de uma amiga aí, e de lá dava para escutar os tiros. As pessoas gritando dentro dos barracos. "Não me mata não que eu sou trabalhador". Ali eu permaneci e fiquei quietinho. Se eles me pegassem, terminariam o serviço. E matariam também as pessoas que estavam comigo dentro do barraco.

Algumas pessoas apareceram lá para ver o que tinha acontecido. Nesse momento, os policiais já não estavam mais. Eu fui levado para a casa do meu irmão e depois fui para o hospital. Ainda tenho platina no fêmur e ando com um pouco de dificuldade. Ainda sinto alguma coisa. Nada voltará a ser normal como era.

Eu não gosto nem de lembrar do passado. Às vezes surge uma ou outra pessoa que pergunta, a gente conversa um pouco, mas eu até mudo de assunto para não ter que lembrar de tudo. E depois que eles fizeram aquela barbaridade dentro do bar, eles foram para a casa dos evangélicos. Aí começou tudo de novo. Tiros e mais tiros.

A gente sabia que havia um clima tenso, mas não imaginava que eles pudessem fazer isso. Eles não podiam ter feito uma barbaridade como aquela. Eles já vieram para matar.

ENTENDA A CHACINA DE VIGÁRIO GERAL

  • Zeca Guimarães/Folhapress

    A chacina de Vigário Geral ocorreu no dia 29 de agosto de 1993. No total, 21 moradores morreram durante a ação criminosa de policiais militares que integravam um grupo de extermínio conhecido como "Cavalos Corredores". A motivação do crime teria sido quatro homicídios contra PMs do 9º BPM (Rocha Miranda) supostamente cometidos por traficantes da comunidade. No dia da vingança, porém, só havia inocentes na favela. Dos 52 acusados em um processo complexo, marcado por polêmicas e que posteriormente foi desmembrado, apenas sete policiais foram condenados, dos quais três conseguiram a absolvição em um segundo julgamento e um acabou sendo morto após fugir da prisão. Dos três que continuaram detidos, apenas um continua na prisão: o PM Sirlei Alves Teixeira, apontado como o mais violento do grupo de extermínio. Ele chegou a fugir do sistema prisional, em 2007, mas posteriormente foi preso em flagrante após participar de um assalto a uma agência da Caixa Econômica Federal, pelo qual foi condenado a oito anos de prisão pela Justiça Federal.