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No Pará, juíza que mandou menina de 15 anos para cela com 30 homens é promovida

Carlos Madeiro

Do UOL, em Maceió

03/10/2013 16h08

O TJ-PA (Tribunal de Justiça do Pará) decidiu nomear para  Vara de Crimes contra a Criança e Adolescente de Belém a juíza Clarice Maria de Andrade. A decisão foi publicada no Diário Oficial Eletrônico desta quinta-feira (3).

A magistrada foi a responsável pela decisão de manter por 26 dias uma adolescente presa em cela masculina com cerca de 30 homens, na delegacia de polícia de Abaetetuba, no interior do Pará, em 2007.

A jovem de 15 anos foi vítima de agressões e violência sexual no período e se tornou uma referência de violação aos direitos humanos em presídios no país.

Andrade chegou a ser aposentada compulsoriamente pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em decisão unânime em abril de 2010.

A Amepa (Associação de Magistrados do Pará) e a juíza recorreram da decisão e conseguiram, em agosto de 2012, no STF (Supremo Tribunal Federal), anular a decisão do CNJ. Em seguida, ela foi nomeada para a 6ª Vara Penal de Ananindeua, na região metropolitana de Belém.

OAB questiona

A nomeação foi criticada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Pará, que vai tentar reverter a indicação para Vara de Crimes contra a Infância e Adolescência.

Segundo a presidente da comissão de Direitos Humanos da entidade, uma reunião com a cúpula do TJ-PA já está marcada para a próxima segunda-feira (7).

“A gente vai apurar o que aconteceu e entrar no diálogo com o TJ, pois ela é uma pessoa simbólica de algo que foi marcante por uma grave violação dos direitos humanos. Nós até entendemos que com a decisão do STF ela voltasse ao trabalho, mas nomear ela para essa vara é uma expressão de que o TJ parece não se importar com o que aconteceu”, disse.

Para a Amepa, a juíza não foi responsável pelo caso, mas sim, "vítima da falência do sistema prisional brasileiro, que ela mesma já havia denunciado e requerido providências as autoridades competentes”.

“[Ela] demonstrou a mais completa entrega a sua função de magistrada, em tudo dignificando a magistratura paraense”, afirmou a a instituição, em nota de apoio à magistrada, logo após decisão do CNJ.

Decisão colegiada

O TJ-PA informou que a decisão foi tomada de forma colegiada, pelo pleno do órgão, e explicou que a nomeação ocorreu porque a juíza se inscreveu na seleção e venceu a disputa por estar habilitada para o cargo.

Ainda segundo o TJ-PA, para a escolha do juiz da vara, os desembargadores avaliam critérios definidos pelo CNJ, como presteza, agilidade e antiguidade --que determinam uma promoção por merecimento.

O TJ-PA afirmou que ela foi bem avaliada nos quesitos e que vem desempenhando um bom trabalho na magistratura.

O UOL tentou conseguir o contato da juíza Clarice Andrade, para que ela comentasse a decisão, mas não conseguiu. O CNJ não se pronunciou sobre a decisão.

O caso

Na decisão de sua aposentadoria compulsória, o CNJ alegou que a juíza foi condenada por ter se omitido em relação à prisão da menor, que sofreu torturas e abusos sexuais no período em que ficou presa irregularmente, em 2007.

A jovem de 15 anos foi detida por tentativa de furto, crime classificado como afiançável.

O CNJ entendeu que a juíza conhecia a situação da prisão --já que havia visitado o local três dias antes--, verificando a inexistência de separação entre homens e mulheres e as péssimas condições de higiene.

O conselheiro do processo, Felipe Locke Cavalcanti, disse ainda que a juíza nada fez para que adolescente fosse retirada da cela. A juíza também foi acusada de ter adulterado um ofício encaminhado à Corregedoria-Geral do Estado, que pedia a transferência da adolescente, após ter sido oficiada pela delegacia de polícia sobre o risco que a menor corria.

Em entrevista ao portal de notícias da AMB (Associação de Magistrados do Brasil), no último mês de junho,a juíza disse que foi vítima de uma injustiça.

“Fui afastada de uma forma violenta. Fui praticamente arrancada do cargo. Foi uma coisa que mexeu com toda a família. Fiquei doente, enfrentei um câncer e meu marido perdeu o emprego. Mas graças a Deus, temos um Deus poderoso e retomamos nossa vida”, afirmou.

Segundo a AMB –que apoiou o retorno da juíza às suas atividades--, qualquer violação aos direitos no caso “foi de inteira responsabilidade da polícia, e nunca da juíza".