Topo

Conversas de PMs comprovam envolvimento em morte de Amarildo, diz delegado

Maria Luisa de Melo

Do UOL, no Rio

05/10/2013 13h23Atualizada em 07/10/2013 14h36

O diálogo entre um policial militar denunciado pela tortura e morte do pedreiro Amarildo de Souza e sua namorada é uma das confirmações, segundo a polícia, de que os dez PMs indiciados no caso usaram todos os meios necessários para não deixar provas concretas do homicídio do morador da Rocinha. Segundo consta em inquérito de 2.000 páginas, o PM Marlon Campos Reis disse à namorada, depois de depoimento, que "eles já sabem tudo o que aconteceu, só não tem provas". O delegado Rivaldo Barbosa, titular da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, diz não ter dúvidas de que os agentes são os responsáveis pelo sumiço, tortura e morte do pedreiro.

"A última vez que o Amarildo foi visto ele estava na mão de agentes da segurança pública e não foi visto saindo de lá (da sede da UPP, para onde foi levado por PMs). Não resta dúvida do envolvimento destes dez PMs", disse o delegado. 

BLOG DO MÁRIO MAGALHÃES

"A coragem que tempera o inquérito do caso Amarildo é inversamente proporcional ao destaque diminuto que as conclusões policiais receberam nos meios de comunicação: parece que se trata apenas de mais uma peça produzida pela Polícia Civil do Rio de Janeiro"

Ainda de acordo com Rivaldo Barbosa, o major Edson Santos, ex-comandante da UPP da Rocinha, foi flagrado em uma interceptação telefônica combinando seu depoimento com o também PM Douglas Vital. 

"Na gravação, o major disse para o Vital: 'você disse na DH que foi somente buscar o Amarildo, né?'. Eles tentaram combinar até os depoimentos. Não há como negar, porque o áudio está anexado ao processo", disse.

Última frase para a mulher

A última frase do pedreiro antes de desaparecer, segundo o delegado Rivaldo Barbosa, foi "Bete, meu documento está com o soldado Vital". A cena, descrita por testemunhas, remonta o contexto em que Amarildo foi levado. De acordo com informações do inquérito, Amarildo estava no bar do Júlio, no beco do Cotó, no último dia 14 de julho, quando foi abordado pelo soldado Douglas Vital.

Neste momento, havia outras quatro pessoas com o pedreiro, mas nenhuma foi abordada. O sumiço aconteceu durante a Operação Paz Armada, desencadeada pela 15ª DP para coibir o tráfico de drogas na favela da Rocinha.

Depois de ser abordado, Amarildo deveria ter sido levado para o CCC (Centro de Comando e Controle), segundo a polícia, o que não aconteceu. "Para consultar o álbum de fotos de traficantes que estavam sendo procurados, bastava levarem Amarildo para o CCC, mas preferiram levar para a sede da UPP. Não foi à toa", explicou o delegado.

Para ele, Amarildo foi sequestrado, torturado e morto porque uma testemunha informou ao soldado Vital que Amarildo tinha a chave de um paiol de armas e drogas.

"O Vital conhecia o Amarildo e o chamou pelo seu apelido, 'Boi'. E a abordagem não foi uma abordagem normal. Ele foi direto no Amarildo", disse o delegado. "Depois que pegou o Amarildo, levou o pedreiro para a sede da UPP. Antes disso, disse 'Boi, perdeu'!"

Outras 22 pessoas torturadas

A polícia ouviu pelo menos 22 pessoas que se disseram vítimas de tortura de policiais da UPP da Rocinha, de março a julho deste ano, para revelar detalhes do esquema do tráfico de drogas no local. 

Todas as 22 testemunhas que narraram mecanismos de tortura apontam homens comandados pelo major Edson Santos (ex-comandante da UPP afastado no mês passado após ser denunciado pelo caso Amarildo) como agressores. Pela linha de investigação da polícia, Amarildo seria a 23ª vítima do grupo --e a única que foi morta.

À época do desaparecimento do pedreiro, o ex-comandante da unidade sustentou que Amarildo foi ouvido e liberado, mas nunca apareceram provas que mostrassem o pedreiro saindo da UPP, pois as câmeras de vigilância que poderiam registrar a saída dele não estavam funcionando.

Asfixia, choque e ingestão de cera líquida

Segundo o relatório da Polícia Civil que pede a prisão preventiva dos dez PMs indiciados, a tortura de moradores era costumeira nos contêineres da sede da UPP, no topo da favela.

Em depoimento, testemunhas relataram os tipos de agressões a que eram submetidas, segundo elas, pelos policiais comandados pelo major Edson.

Asfixia com saco plástico, choque elétrico com corpo molhado, introdução de objetos nas partes íntimas e até ingestão de cera líquida eram alguns dos "castigos" aplicados aos moradores da Rocinha, dentro e fora das dependências da UPP -- alguns depoimentos falam em sessões de tortura em becos da comunidade, incluindo o beco do Cotó.